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OPINIÃO

Coronavírus: Brasileiros isolados no Peru relatam preocupações e incertezas

Luciana Sarmento é editora do UOL e passou a noite no aeroporto tentando trocar as passagens aéreas para voltar ao Brasil Imagem: Arquivo pessoal

Natália Scarabotto

Colaboração para o UOL, em Cusco (Peru)

19/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Segundo o Itamaraty, 3.770 brasileiros estão no Peru. Os turistas foram pegos de surpresa no domingo, quando o país entrou em quarentena
  • Há relatos de caos nas cidades e preocupação generalizada pela falta de informação e demora na resposta do Itamaraty
  • Jair Bolsonaro afirmou que está em contato com a Embaixada de Lima para repatriar os turistas isolados desde o último domingo

O drama de brasileiros isolados no Peru pode chegar ao fim. O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem, em coletiva de imprensa, que está em contato com a Embaixada de Lima para repatriar os turistas isolados desde o último domingo. A ANAC (Agência Nacional de Aviação) e as Forças Armadas estão analisando o caso. A declaração de Bolsonaro foi recebida com animação nos grupos de Whatsapp criados para trocar informações sobre o caso.

Segundo o Itamaraty, 3.770 brasileiros estão no Peru. Pelas redes sociais, a Embaixada detalhou que continua com "intensas gestões junto às companhias aéreas e ao governo peruano" para repatriar os brasileiros. A resposta veio após intensa mobilização dos turistas e reclamação de falta de apoio do órgão.

No terceiro dia de quarentena, as restrições no Peru se intensificaram. O governo determinou toque de recolher das 20h às 5h, e os turistas estão sendo orientados nos hotéis a não saírem às ruas devido à intensa abordagem policial. Em Cusco, a polícia tem feito rondas em hostéis para verificar o cumprimento da quarentena.

Os turistas foram pegos de surpresa no domingo (15), quando o presidente peruano Martín Vizcarra declarou quarentena em todo o território nacional como forma de conter o novo coronavírus. A medida restringiu a circulação de pessoas e decretou o fechamento das fronteiras, impedindo os brasileiros de voltarem para casa.

Há relatos de caos nas cidades e preocupação generalizada pela falta de informação e demora na resposta do Itamaraty. Na capital Lima e em Cusco, importante destino turístico, os aeroportos foram fechados e os supermercados lotaram rapidamente após o anúncio de Vizcarra. Turistas foram orientados a ficarem hospedados onde já se encontravam. A polícia e o exército patrulham as vias públicas impedindo a circulação de pessoas.

Os relatos de preocupações e incertezas

Maria Viviane Nobre de Melo, de 53 anos, está isolada em Cusco com mais 11 pessoas da família, três delas com mais de 60 anos. Eles desembarcaram em Lima no dia 10 de março e tinham planos de ficar nove dias no Peru, para conhecer os principais pontos turísticos, como Machu Picchu.

"Recebi uma ligação da agência de viagem às 2h da manhã da segunda-feira dizendo que a nossa ida a Machu Picchu estava cancelada porque o governo peruano suspendeu todos os passeios e as pessoas não podiam mais sair dos hotéis. Ficamos preocupados quando vimos que não poderíamos voltar para casa e fomos até o aeroporto, mas não conseguimos entrar por conta de uma fila enorme para passar pelo controle de segurança. Fomos até a embaixada e estava fechada, com um número de telefone colado na porta. Ligamos para a embaixada de Lima e fomos orientados a ficar no hotel e cumprir os 15 dias de quarentena.

Agora estamos alojados aqui e conseguimos um pacote de hospedagem com refeição para o período, mas estamos muito preocupados porque não sabemos o que vai acontecer. O meu marido e outras pessoas tomam remédios controlados, e alguns medicamentos têm doses suficientes para mais dois dias apenas. Como vai ser na semana que vem? O meu cunhado tentou ir a uma farmácia, mas foi parado pela polícia e teve que voltar para o hotel.

Esses dois dias foram agitados, porque estamos tentando resolver essa situação e avisar a família que vive no Brasil. Algumas pessoas também precisam entrar em contato com o lugar onde trabalham. Estamos no hotel e, por enquanto, estamos bem, mas não sabemos como serão esses 15 dias. Esperamos que o governo brasileiro possa nos ajudar a sair daqui porque não tem cabimento ficar impedido de deixar o país."

Luciana Sarmento, editora do UOL, está de férias em Lima com o namorado e passou a noite no aeroporto tentando trocar as passagens aéreas para voltar ao Brasil.

"No hostel em que estávamos hospedados em Lima, eu e meu namorado assistimos espantados ao discurso do presidente Martín Vizcarra, que anunciava o fechamento das fronteiras do Peru. Imediatamente liguei para o telefone de emergência do consulado, que apenas me disse que eu deveria entrar em contato com a companhia aérea. Ao chegarmos ao Aeroporto Internacional Alejandro Velasco Astete, por volta da meia-noite, nos deparamos com centenas de pessoas, sendo a maioria sem máscaras. A medida presidencial levou todos, peruanos e estrangeiros, a irem na contramão das orientações sobre como evitar o coronavírus, se aglomerando em filas e mais filas em busca de troca e compra de passagens e informações.

Nós passamos a noite inteira nos revezando entre a fila da loja da Avianca e a do Check In. Ao longo da noite, tentamos de tudo para trocar nossas passagens e até mesmo comprar novas. A ideia era não criar pânico, mas às vezes era difícil não se assustar. Até suspeita de bomba teve, e o esquadrão foi chamado. Silêncio total. A bolsa deixada no saguão era alarme falso.

A essa altura, tentar entrar em contato com a embaixada era inútil: os telefones haviam sido desligados. Passagens eram vendidas por até R$ 8 mil, mas nem assim era possível deixar Lima. Todos os voos da Avianca para o Brasil foram cancelados, nos disseram. Após passarmos noite e dia tentando, sem sucesso, comprar passagens de outras companhias aéreas, decidimos seguir nossa viagem com o voo que já estava programado para Cusco, onde acreditamos que podemos passar por uma melhor quarentena comparada a Lima.

Na capital, vimos o clima de tensão se elevar em pouco tempo, com corrida aos supermercados e militares nas ruas. Mas ainda não sabemos exatamente o que encontraremos em Cusco. Como todos têm dito, 'tudo muda muito rápido'".

Marjorie de Andrade, 25 anos, é auxiliar de laboratório e mora em Natal. Ela está com o namorado em um hotel em Cusco. Com viagem programada para a Bolívia, após a passagem pelo Peru, o casal está preocupado por ter o dinheiro contado para passar a quarentena.

"Meu marido e eu chegamos ao Peru no dia 12, conseguimos fazer alguns passeios, e o último foi no domingo para a Laguna Humantay. À noite ouvimos boatos de que as fronteiras seriam fechadas, o que foi confirmado depois com o pronunciamento do presidente. É a primeira vez que viajo para o exterior e estou preocupada, porque viemos com o dinheiro contado para usar na viagem. Tentamos ir ao aeroporto, mas não pudemos entrar. Um carro clandestino estava oferecendo viagem até a fronteira com a Bolívia, que seria o nosso segundo destino depois do Peru, por 2.000 soles por pessoa, mas não temos esse dinheiro e achamos que poderia ser perigoso.

Voltamos para o hotel e ficamos vendo as notícias quase o dia todo, para saber o que vai acontecer. O nosso hotel só inclui o café da manhã. No resto do dia, comemos coisas como bolachas, evitando comer muito para que a comida não acabe rapidamente. Viemos com dinheiro, mas não para gastos extras por tantos dias assim. Hoje [terça-feira] a gerência do hotel passou pedindo o passaporte e cópia do seguro viagem e fazendo perguntas sobre a saúde dos hóspedes. Isso nos deixou muito preocupados, porque, se tivermos que pagar algum exame, não temos dinheiro para isso. Também estamos apreensivos para saber os gastos que vamos ter para voltar ao Brasil com passagem, por exemplo. Se tivermos que arcar com isso, talvez não tenhamos o dinheiro suficiente."

Rodrigo Nunes, de 40 anos, de São Roque (SP), está viajando com a família em um motorhome pela América do Sul há 2 anos e 7 meses. No Peru desde o dia 10, eles estão em uma pequena cidade a mais de 1.000 km da fronteira com o Acre, onde pretendem chegar para voltar ao Brasil.

"Chegamos ao Peru no dia 10 e iríamos seguir para Equador e Colômbia e depois subir para a América Central. Quando tudo aconteceu, paramos em uma praça em Tacna, uma pequena cidade no sul do país que praticamente não tem nada de infraestrutura. Tem a segurança e um local que vende um pouco de arroz, frutas e coisas assim, é pouco, mas tem. Presos aqui e, como não sabemos o que vai acontecer no Peru e no mundo, estamos pensando em voltar para o Brasil pela fronteira com o Acre.

A determinação do governo peruano não permite viajar pelas estradas, mas tem uma parte do decreto que afirma que você pode se deslocar se tiver indo em direção à sua casa. Com base nisso, estamos pensando em voltar ao Brasil e alegar que estamos indo para o nosso país, caso sejamos parados pela polícia, o que é um risco. Estamos a mais ou menos 1.300 km da fronteira, o que levaria de dois a três dias para chegar ao Acre, pois tem que passar pelas cordilheiras, com muitas curvas, e só viajamos de dia e devagar pela segurança da família. Estamos cogitando essa ideia, é a única fronteira do Brasil com o Peru onde poderíamos chegar."

Itamaraty negocia com peruanos

O Itamaraty conseguiu negociar com o governo peruano para autorizar a repatriação de estrangeiros que se encontram retidos em território peruano. Para permitir a volta dos turistas para casa, o órgão afirma que está "em contato com as companhias aéreas para viabilizar voos de retorno ao Brasil".

O procedimento, no entanto, ainda não está claro. Ao longo da terça-feira o Itamaraty orientou os brasileiros a preencherem dois formulários com dados pessoais e informações dos voos já comprados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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