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EUA: durante protestos e covid-19, apoio a Trump cai e Biden vira favorito

O democrata Joe Biden, que disputará com Trump a presidência dos EUA, discursa por vídeo no funeral de George Floyd - Getty Image
O democrata Joe Biden, que disputará com Trump a presidência dos EUA, discursa por vídeo no funeral de George Floyd Imagem: Getty Image

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

14/06/2020 04h00

A aprovação ao governo de Donald Trump caiu dez pontos percentuais, chegando a 39%, de acordo com uma pesquisa do instituto Gallup divulgada no último dia 10. Neste momento, o presidente norte-americano está atrás do democrata Joe Biden em todas as pesquisas para a eleição presidencial de novembro nos Estados Unidos e tem perdido apoio até na sua base.

Segundo analistas ouvidos pelo UOL, a pandemia do coronavírus e os protestos que irromperam nos Estados Unidos desde o final de maio, em decorrência do assassinato do homem negro George Floyd por um policial branco, são duas questões que influenciam diretamente na avaliação do presidente.

Trump tem optado por uma postura de radicalização, em vez de conciliação, e isso pode lhe custar a reeleição, dizem os pesquisadores. Como ele lidará com a crise econômica será peça-chave até o pleito.

"O que chama atenção é a consistência com que Biden aparece à frente do Trump. Nesta campanha, em nenhum momento o presidente o passou", afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado).

Ele usa como base o portal Real Clear Politics, que calcula uma média de todas as pesquisas eleitorais. "Se comparar com os candidatos que estavam à frente nas pesquisas eleitorais, desde 2004, a essa altura nenhum deles estava com mais de dois pontos de diferença. Biden está oito à frente de Trump", afirma Poggio.

Para Marcelo Suano, professor de Relações Internacionais do Ibmec-SP, ainda é cedo para apontar quem será o próximo presidente dos EUA. "Em setembro, teremos uma estatística melhor das curvas [da pandemia e da economia] e como ele [Trump] conseguiu lidar com as manifestações. Lá, quem governa são os estados. Vamos ver se ele [Trump] vai colar nos democratas os erros em estados democratas."

Pandemia é divisor de águas

Os Estados Unidos são hoje o país com maior número de casos e mortes confirmadas pelo novo coronavírus. Já são mais de 2 milhões de infectados e 113 mil óbitos. Os analistas dizem ser difícil mensurar o quanto a queda de apoio ao republicano e o favoritismo do democrata, neste momento, se dá por conta da pandemia, mas é um elemento que, sem dúvida, interfere em como o eleitor avalia o presidente.

O eleitor está de olho em como o republicano está lidando com a pandemia. É neste ponto que Leonardo Paz, professor do NPII-FGV (Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas), avalia que Trump apresentou a maior falha. Para ele, além de os Estados Unidos serem o epicentro do vírus, o posicionamento do presidente quanto ao enfrentamento da covid-19 é o que mais chama atenção.

"Primeiro, ele tem a postura de dizer que vai resolver em uma semana, depois fala que desinfetante mata o vírus. Quando ele joga uma [declaração] dessas, vai perdendo apoio. Isso vai tirando cada vez mais lascas de eleitorado", avalia Paz, citando também o fato de Trump ter defendido o uso da cloroquina no tratamento da doença, mesmo sem comprovação científica. O médico Anthony Fauci, considerado o principal cientista dos EUA no combate à pandemia, contradisse Trump nessa e em outras questões ligadas ao novo coronavírus.

Suano ressalta que, mais do que uma questão de verdade ou mentira, campanhas eleitorais e pesquisas de opinião são disputas de narrativa. Se Trump souber trabalhar a dele, poderá perder menos com a pandemia.

Trump fez tudo de maneira atrapalhada, mas manteve uma pose. Ele conseguiu, diante do seu eleitor, acusar a OMS [Organização Mundial da Saúde] de ser vinculada, econômica e ideologicamente, a um discurso político. Se é verdadeiro ou não, isso é secundário. Ele pega questões pontuais de falhas da organização para criticá-la. O que interessa na guerra da política é consolidar o seu discurso.
Marcelo Suano, professor de Relações Internacionais do Ibmec-SP

Protestos levantam Biden; desordem pode ajudar Trump

Outro ponto são os protestos após o assassinato de George Floyd pelo policial Derek Chauvin em Minnesota. Os efeitos podem ser desfavoráveis ao presidente, que não tem optado por um discurso conciliador.

"Toda a confusão deu destaque para o Biden, que até então não aparecia. Ele teve a chance de falar. Trump assumiu o discurso de 'eu sou a lei e a ordem, eles são a confusão, os radical democrats [democratas radicais]'. [Um cenário de maior violência] é um ambiente em que ele [Trump] prospera, pode mobilizar a sua base, mas ainda é cedo para dizer", comenta o professor Poggio.

Para Suano, este discurso pode funcionar caso as manifestações voltem a ter episódios de violência e vandalismo. "O jovem pode adorar [os protestos], mas o norte-americano médio, a maioria do país, ama o discurso da ordem. Gosta de saber que, quando chega a um local, as leis existem e serão cumpridas", afirma o professor do Ibmec. "Se a mídia colaborar com esse discurso [de protestos violentos], Trump ganha [força]. O povo vai exigir que se imponha pelo cumprimento da lei", completa.

"Trump olhou os protestos e viu uma possibilidade política", concorda Poggio. Entretanto, alerta que as pesquisas atuais demonstram que a estratégia de Trump não tem funcionado.

Radicalismo consolida base, mas afasta outros eleitores

Para os analistas, a estratégia de Trump na pandemia, nos protestos e em outras questões tem sido de consolidar a sua base de apoio por meio de uma postura radical. Isso, no entanto, não garante vitória eleitoral. Segundo os professores, Trump terá de sair do seu cercado se quiser reverter o favoritismo democrata.

"Biden tem ganhado apoio entre brancos sem educação universitária, que é a principal base de Trump. Isso não se pode perder, porque uma base estará com ele, não importa o que acontecer — pandemia, guerra, matar alguém na Quinta Avenida", observa Poggio.

Há também as peculiaridades do sistema eleitoral norte-americano. Paz lembra que, por ser somente um turno com dois candidatos na disputa real e sem voto obrigatório, quando Trump opta por radicalizar, perde parte do eleitorado republicano moderado e não conquista independentes.

Não é que nem no Brasil, em que você mantém seu grupo -- uma minoria, mas importante -- e chega ao segundo turno. Lá, ele tem de convencer mais gente. Tem muito republicano que pode até não votar no Biden, mas também não sai de casa para votar no Trump. Quando radicaliza, ele aliena uma galera que precisa estar do lado dele.
Leonardo Paz, professor do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV

Economia e desemprego são peças fundamentais

Até o início da pandemia, em fevereiro, a economia era o grande trunfo de Trump: o governo tinha reduzido a taxa de desemprego para 3,5%, uma das melhores das últimas décadas. Com a crise econômica, no entanto, o país entrou em recessão após 128 meses de crescimento.

Por ser algo global, a crise econômica não é instantaneamente jogada no colo do presidente. Mas como o governo de Trump a enfrentará, sim. "Deu crédito suficiente? Direcionou o dinheiro para as pessoas certas? Fora a economia, não vejo uma carta na manga de Trump. Tem os chamados 'black swans' [cisnes negros], eventos altamente improváveis, como uma piora na saúde de Biden, mas não consigo ver", exemplifica Paz.

"Desemprego é a principal questão para novembro. O último anúncio de queda [do desemprego] surpreendeu positivamente o mercado. Se ele [Trump] mostrar reação na economia e mais pessoas estiverem empregadas, sua chance aumenta
Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da FAAP

Apesar de a economia ser uma chance de Trump, o favoritismo democrata parece cada vez mais consolidado, acrescenta Poggio. Até em estados tradicionalmente republicanos, como Texas e Ohio, o presidente parece ter perdido apoio.

"Há um padrão desde 2016, quando Trump perdeu nos centros urbanos, como Houston, mas a possibilidade de perder em estados republicanos já está no horizonte. O latino imigrante texano tende a votar nos Democratas, é uma questão importante que tem aumentado. Se [Trump] perder em Ohio e no Arizona, há a possibilidade do Biden ter uma vitória maiúscula", finaliza o pesquisador de Relações Internacionais.