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Declaração de Trump sobre fraude é desculpa para derrota, dizem analistas

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

31/07/2020 04h00Atualizada em 31/07/2020 10h44

Resumo da notícia

  • Presidente americano criticu votação por correios, sugeriu adiamento de eleições, mas voltou atrás
  • Chefe de Estado não pode alterar a data do pleito presidencial; decisão caberia ao Congresso
  • Para especialistas em política norte-americana, declaração sugerem que Trump não saberá como reagir a uma derrota
  • Republicano está atrás do democrata Joe Biden nas pequisas de intenção de voto

O presidente norte-americano Donald Trump não pode alterar a data das eleições presidenciais dos Estados Unidos e já sabia disso quando deu sua declaração polêmica sobre fraudes. Para analistas ouvidos pelo UOL, a fala não passou de uma desculpa para sua possível derrota em novembro.

Ontem, o presidente norte-americano sugeriu, em sua conta no Twitter, que as próximas eleições presidenciais, na qual é candidato à reeleição, sejam adiadas porque poderiam ser "as mais fraudulentas da história". Voltou atrás em menos de 12 horas e passou a abordar a possibilidade de contestação judicial.

Para os especialistas em política norte-americana, essas declarações, além de passarem do ponto mesmo para suas polêmicas habituais, sugerem que ele não sabe como reagir à possível derrota anunciada pelas pesquisas de voto.

"Me parece claro que [a declaração] é uma reação às pesquisas de opinião, em que ele está perdendo vigorosamente em todos os cenários [para o democrata Joe Biden]. Ao comparar os números, a situação é pior de quando perdia para Hillary [Clinton, candidata democrata, que acabou perdendo a eleição]", afirma Leonardo Paz, professor do FGV-NPII (Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas).

"Tudo mostra que está muito ruim para ele. É só pegar o Texas como indicador. Um estado que sempre foi vermelho [cor do partido Republicano] agora está para qualquer um pegar. Ele está mostrando que não sabe o que fazer", avalia Paz.

Trump nunca escondeu seu desejo pela reeleição. Como nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, não há prazo para campanha eleitoral, ele anunciou sua intenção de manter o cargo por oito anos no dia em que chegou à Casa Branca, em janeiro de 2017.

Desde então, tem participado de comícios que não maquiam suas intenções eleitorais. Agora, com as possibilidades de reeleição cada vez menores, de acordo com as pesquisas, os especialistas avaliam que o republicano não está disposto a aceitar a derrota.

"Ele está arrumando uma desculpa para a derrota dele. Na sua cabeça [de Trump], ele jamais vai perder por culpa própria, os culpados são os outros: o vírus, as fraudes... Ele já está armando a cama caso a derrota chegue, como parece", afirma Carlos Gustavo Poggio, professor de relações internacionais da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).

Trump já havia indicado isso desde a eleição passada: 'se eu não ganhar, é por que [a eleição] está roubada'. Ele pré-coloca qualquer tipo de resultado desfavorável a ele em dúvida"
Leonardo Paz, professor do FGV-NPII

Não há indícios de que votos pelo correio favoreçam democratas

O cerne das acusações de Trump são os votos pelo correio. Diferentemente do Brasil, onde toda a votação é feita por meio de urna eletrônica, nos Estados Unidos cada estado determina seu meio de voto.

Um deles é o envio da cédula impressa pelo correio. Neste ano, por causa da pandemia da covid-19, causada pelo novo coronavírus, é provável que todos os entes venham a aderir a esse meio e, consequentemente, que mais eleitores optem por ele.

Segundo Trump, isso representaria um meio de ser favorável ao partido Democrata, de Biden. Nem os especialistas ouvidos pelo UOL, nem a reportagem, nem o próprio presidente norte-ameriano comprovaram essa versão.

"As pesquisas demonstram que não há diferença entre os partidos, o voto pelo correio não favorece nem um nem outro. Nessa eleição, a participação desse eleitor deve aumentar, mas ainda é uma incógnita. Não sabemos qual é o impacto, inclusive para a logística [do pleito]", afirma Poggio.

No mês passado, um estudo da Universidade de Stanford sobre as eleições presidenciais desde 1996 mostrou que o voto pelo correio apresenta um pequeno aumento no número total, "mas não significa um aumento da participação dos votos em nenhum dos dois partidos".

Para Paz, a declaração lembrou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que, em março, também acusou fraude no sistema eleitoral brasileiro, mas não apresentou provas.

"Como Bolsonaro, ele joga balões de ensaio. Se ele perde — e a probabilidade é alta — aqueles que mais acreditam nele vão certamente achar que foi roubado. Vai ter alguém inventando fake news: 'Olha, um caminhão fugindo com os votos!'. É uma maneira dele tentar [despertar seu público]", afirma o professor da FGV.

Trump passou dos limites, mas eleições não correm perigo

Menos de 12 horas depois de se manifestar, Trump já voltou atrás. Para Poggio, esta foi a declaração mais grave dada por ele desde que assumiu a Presidência, mas o professor lembra que, por mais que queira, o presidente não tem esse poder para adiar as eleições sozinho.

Como no Brasil, grande parte do processo eleitoral nos Estados Unidos é determinada pela Constituição, e só o Congresso teria o poder de fazer alterações por meio de emendas.

"Isso [mudança das eleições] nunca aconteceu. Os Estados Unidos escolheram presidente no meio da Guerra Civil [1861-1865], a reeleição de Abraham Lincoln [em 1864]. Não tem como não ter, mas o fato de ele dar uma declaração dessas é de altíssima gravidade", afirma Poggio.

"Ele não tem nenhum compromisso com o sistema funcionar, com a lisura do pleito, ele tem compromisso com a vitória, a reeleição. É grave", completa Paz.

Para Poggio, ainda assim, o presidente passou de todos os limites.

Não é a primeira barbaridade que ele fala, mas isso representa algo. É o primeiro flerte direto com uma atitude antidemocrática, algo nunca tateado nos Estados Unidos"
Gustavo Poggio, professor professor da Faap

Além disso, aponta ele, não deve haver muito sucesso eleitoral em sua fala. "É um tiro no pé. Ele tem seu público fiel, mas deve assustar os independentes, quem estava considerando votar, mas tinha dúvida. Está se afundando cada vez mais", conclui.