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Com vacina, Uruguai sai de cenário caótico e reduz casos e mortes por covid

Mulher se dirige a um dos locais de vacinação contra o coronavírus em Montevidéu, no Uruguai - EFE/Federico Anfitti/Archivo
Mulher se dirige a um dos locais de vacinação contra o coronavírus em Montevidéu, no Uruguai Imagem: EFE/Federico Anfitti/Archivo

Ana Carla Bermúdez

Colaboração para o UOL, em Montevidéu

25/07/2021 04h00

Após passar por um pico de casos, mortes e internações de covid-19 até então inédito, o Uruguai tem visto uma redução significativa nos indicadores da pandemia nas últimas semanas. Para especialistas, a mudança está associada a um fator principal: o avanço da campanha de vacinação no país, que já imunizou completamente (isto é, com duas doses) ao menos 60% da população.

Considerado exemplo na condução da pandemia ao longo de 2020, o Uruguai passou diretamente da calmaria à turbulência com a entrada da variante gama (então chamada de P1) pela fronteira terrestre com o Brasil no início deste ano. Entre março e maio, o pequeno país da América do Sul viu seu sistema de saúde sob risco de colapso devido ao crescimento acelerado do número de casos e de internações em UTI (Unidades de Terapia Intensiva).

À época, o Uruguai chegou a liderar a lista dos países com mais mortes diárias pela covid-19 por milhão de habitantes de acordo com a plataforma Our World in Data, da Universidade Oxford.

media movel de mortes no Uruguai (7 dias) - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

A situação, hoje, é bastante diferente. O país tem registrado, em média, menos de dez mortes diárias pela doença. Nos leitos de UTI, já há menos de cem pessoas internadas devido às complicações da covid-19 —número que não era registrado desde março. Os contágios também diminuíram: se, em abril, a taxa de positividade dos testes de covid feitos diariamente no país beirava 20%, atualmente esse percentual gira em torno de 5%.

Efeitos da vacina

"Não há dúvidas de que a vacinação tem sido nossa principal ferramenta", diz Mónica Pujadas, médica infectologista pediatra e professora adjunta da Faculdade de Medicina da Udelar (Universidad de la República).

Apesar de ter iniciado a imunização relativamente tarde, entre o fim de fevereiro e o início de março deste ano, o país de cerca de 3 milhões de habitantes conseguiu alcançar a taxa de 50% de vacinados com pelo menos uma dose de imunizante no fim de maio.

Atualmente, cerca de 60% dos uruguaios estão completamente vacinados e mais de 70% já receberam uma dose.

percentual de vacinados com duas doses no Uruguai - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Pujadas destaca que, no Uruguai, nunca houve uma redução "significativa" da mobilidade social. "Nós não tivemos quarentena obrigatória ou outras medidas de confinamento", afirma a especialista, que também fez parte do GACH (Grupo Assessor Científico Honorário), grupo criado para aconselhar o governo do presidente Luis Lacalle Pou sobre temas relacionados à covid-19 e que teve suas atividades encerradas no início de julho.

Em abril, pico da pandemia no país, Lacalle Pou chegou a criticar integrantes do grupo que haviam pedido publicamente que o governo adotasse mais medidas para controlar a disseminação do vírus.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou - EFE/ Federico Anfitti - EFE/ Federico Anfitti
O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou
Imagem: EFE/ Federico Anfitti

Desde o início da pandemia, o presidente uruguaio defende uma estratégia classificada por ele como "liberdade responsável". Com algumas restrições de horário ou de ocupação, o governo de Lacalle Pou manteve bares, restaurantes e shoppings abertos por praticamente todo o período de emergência sanitária.

A recomendação feita aos uruguaios foi a de que mantivessem suas "bolhas" de convivência, evitando o contato com pessoas de círculos distantes.

"O que sabemos é que, em um momento, as curvas de mobilidade e de novos casos, que andavam praticamente juntas desde o início da pandemia, se dissociaram. Nesse meio tempo, a única coisa que mudou foi a vacinação", diz Victoria Frantchez, médica infectologista e professora de Doenças Infecciosas da Udelar.

media movel de novos casos no Uruguai - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Um estudo do Ministério da Saúde uruguaio indica que os efeitos da vacinação, em especial no que diz respeito à redução no número de casos ativos de covid, começaram a ser notados cerca de três meses após o início da campanha —mais especificamente, a partir do dia de número 95, em meados de junho.

O principal imunizante utilizado no país é o do laboratório Sinovac (idêntica à CoronaVac, mas importada diretamente da China), aplicado em mais de 60% dos vacinados no Uruguai. Em menores porcentagens, também são utilizadas as vacinas da Pfizer e da AstraZeneca.

Vacina mais usada no Uruguai é a da Sinovac, idêntica à CoronaVac, mas importada da China - EFE/Raúl Martínez - EFE/Raúl Martínez
Mulher recebe dose de vacina contra o coronavírus no Uruguai
Imagem: EFE/Raúl Martínez

Controle da pandemia e chegada da variante delta

Falar em controle absoluto da pandemia, para especialistas, ainda seria algo prematuro, considerando a situação atual. "Estamos indo nessa direção, mas ainda é cedo para dizer que já temos controle", afirma Pujadas.

Pilar Moreno, virologista e pesquisadora da Udelar e do Instituto Pasteur de Montevidéu, destaca que o cenário permite que o país retome as medidas de monitoramento utilizadas ao longo de 2020 e que acabaram ficando inviáveis em meio à escalada de casos no início deste ano.

"O Uruguai está voltando a ter o controle de mecanismos para testar e rastrear contatos", afirma a virologista, que faz parte de um grupo que pesquisa o sequenciamento genético do coronavírus a partir dos testes PCR realizados no país.

ocupação dos leitos de uti Uruguai - Arte.UOL - Arte.UOL
Imagem: Arte.UOL

Foi a partir dos trabalhos realizados por estes especialistas que, no dia 17, o Ministério da Saúde anunciou a identificação dos primeiros casos de novas variantes do coronavírus no Uruguai —entre elas, a variante delta, associada a uma maior transmissibilidade do vírus.

De acordo com a pasta, foram identificados 26 casos da variante delta, todos em pessoas que retornaram de viagens ao exterior. Segundo o ministro da Saúde, Daniel Salinas, a maioria dessas pessoas não estava vacinada ou tinha recebido apenas uma dose do imunizante. Ele descartou que haja transmissão comunitária da variante neste momento e afirmou que "a situação está sob controle".

"Precisamos ver o que acontece com a delta no Uruguai agora", diz Moreno, que não descarta a possibilidade de o país vir a ter uma circulação comunitária da variante no futuro. Ela pontua que não se sabe se a nova cepa será capaz de competir com a variante gama, que predomina hoje no Uruguai, ou até de desbancá-la.

Considerando um cenário de eventual circulação comunitária da delta no país, a especialista aponta para um possível aumento do número de casos leves da covid-19, mas não dos casos graves e de mortes causadas pela doença. "Podemos ter uma epidemia entre os não vacinados", afirma Moreno.

Estudos realizados pelo Ministério da Saúde do Uruguai mostram que, na população geral, a efetividade da Sinovac em reduzir casos 14 dias após a segunda dose é de 59,9%. Para a vacina da Pfizer, essa taxa é de 78,1%.

Por outro lado, ambos os imunizantes têm desempenhos similares no que diz respeito à efetividade em reduzir internações e mortes. De acordo com o estudo, a Sinovac reduziu em 90,9% as internações e em 94,7% as mortes. Essas taxas foram de 97,8% e de 96,2% para a vacina da Pfizer.

"Temos a sorte de ter um grande percentual da população que já está vacinada, e temos que continuar vacinando. É a única forma de frear os casos graves e mortes ligados à variante delta e a todas as outras variantes de preocupação", defende a infectologista Frantchez.

Segundo ela, é provável que, nos próximos meses, haja evidências suficientes para autorizar a vacinação de menores de 12 anos no país. O Uruguai já vacina adolescentes a partir dessa faixa etária com o imunizante da Pfizer.

O governo também já autorizou a aplicação de doses de reforço para pessoas imunodeprimidas, mas ainda estuda a possibilidade de aplicar uma terceira dose para a população em geral. Álvaro Delgado, secretário da Presidência da República do Uruguai, afirmou nesta quinta (22) em entrevista à Radio Universal que estão sendo analisados dados relacionados aos níveis de anticorpos produzidos pelas vacinas.

"No caso da Pfizer, pelos estudos que temos, [a terceira dose] deveria ser aplicada ao se completar um ano da imunização. No caso da Sinovac, ainda estamos analisando o tema", afirmou.