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Justiça alemã corre contra o tempo para julgar idosos associados ao nazismo

Manifestante exibe cartaz contra o nazismo em imagem de arquivo da Polônia - Getty Images
Manifestante exibe cartaz contra o nazismo em imagem de arquivo da Polônia Imagem: Getty Images

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

18/10/2021 20h44

Promotores alemães correm contra o tempo para levar à justiça aqueles que podem ser os últimos integrantes vivos da geração nazista. Atualmente, duas pessoas —um ex-guarda de campo de concentração de 100 anos e uma ex-secretária de campo de concentração, de 96— estão sendo julgados, acusados de cumplicidade no assassinato de dezenas de milhares de judeus no país europeu.

Josef Schuetz, 100 anos, é acusado de cumplicidade na "execução por fuzilamento de prisioneiros de guerra soviéticos em 1942" e no assassinato de prisioneiros "usando o gás venenoso Zyklon B".

Segundo as autoridades, ele teria "intencionalmente e de boa vontade" auxiliado no assassinato de prisioneiros no campo de Sachsenhausen, ao norte de Berlim, de 1942 a 1945. Mais de 200 mil pessoas teriam sido mantidas lá nesse período.

Os prisioneiros teriam morrido de fome, doenças e trabalho forçado, bem como por meio de experiências médicas e operações de extermínio, como fuzilamento, enforcamento e gaseamento. Os números exatos sobre os mortos variam, com estimativas superiores a cerca de 100 mil.

Sachsenhausen foi estabelecido em 1936 como o primeiro campo depois que Adolf Hitler deu à SS (organização paramilitar ligada ao Partido Nacional-Socialista) o controle do sistema de campos de concentração. A ideia era que o local fosse uma instalação modelo e um campo de treinamento para a rede que os nazistas construíram na Alemanha, Áustria e territórios ocupados.

Irmgard Furchner, 95 anos, é acusada de ter contribuído aos 18 anos para o assassinato de 11.412 pessoas quando foi secretária no campo de concentração de Stutthof, de 1943 a 1945.

Em julho de 2020, Bruno Dey, 93 anos, foi condenado pelo Tribunal Regional de Hamburgo a dois anos de prisão no regime condicional. O ex-guarda, que teria supervisionado os prisioneiros em Stutthof de agosto de 1944 a abril de 1945, foi acusado de ter sido cúmplice em 5.230 assassinatos durante seu tempo como guarda da SS no campo. Ele foi julgado por um tribunal juvenil porque tinha 17 anos na época em que trabalhou para o regime nazista.

As opiniões sobre as tentativas de punir idosos são mistas: alguns alemães afirmam que é tarde demais para recuperar o tempo perdido. No entanto, para o advogado Thomas Walther, que representa os sobreviventes e parentes de vítimas do regime nazista, a justiça não tem prazo de validade.

"Ninguém expressa qualquer dúvida quando as acusações são feitas por um assassinato após 30 anos. Mas o julgamento de homens e mulheres idosos é de alguma forma visto como problemático após 75 anos, mesmo que se tratem de cerca de 1.000 ou 5.000 assassinatos", diz Thomas Walther.

Precedente recente

Esses casos de acusação contra idosos se baseiam em precedentes legais recentes na Alemanha, que estabelecem que qualquer pessoa que tenha trabalhado num campo nazista pode ser acusada de ter sido cúmplice nos assassinatos cometidos por aquele regime.

Ao longo dos anos, o sistema de justiça alemão mudou diversas vezes sua interpretação sobre quem deveria ser considerado culpado pelo assassinato de milhões nos campos de concentração administrados pelos nazistas. Por décadas, pessoas em cargos de baixo escalão no regime nazista foram vistas como não diretamente associados aos assassinatos cometidos por aquele movimento político.

Mas uma decisão do tribunal de Munique há uma década ampliou o escopo de quem poderia ser processado: em 2011, um juiz considerou culpado o ucraniano John Demjanjuk, acusado de ter auxiliado na morte de 28.000 pessoas no campo de Sobibor, onde ele trabalhava como guarda. A justificativa: seria impossível para alguém ter trabalhado num campo de concentração sem fazer parte da máquina de morte nazista.

Demjanjuk morreu em 2012, aos 92 anos, antes que o recurso de sua defesa pudesse ser avaliado no tribunal superior. No entanto, seu caso sinalizou uma mudança no sistema de justiça alemão. Desde então, homens e mulheres com mais de 90 anos, que trabalharam como guardas ou administradores em campos de concentração, têm enfrentado acusações em tribunais alemães.

É o caso de Oskar Gröning, 94 anos, que trabalhava como contador em Auschwitz. Em 2016, ele foi condenado a quatro anos de prisão por sua participação no assassinato de milhares de pessoas no campo. No mesmo ano, o ex-guarda em Auschwitz Reinhold Hanning, 94 anos, foi condenado a cinco anos de prisão. Assim como Demjanjuk, Gröning e Hanning morreram antes de começarem a cumprir suas sentenças.

Presidente alemão: "Ainda temos culpa"

O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, corroborou hoje com a noção de que mesmo aqueles com papéis secundários no regime nazista precisam responder criminalmente.

"Nós, alemães, ainda carregamos a culpa que os perpetradores, seus assistentes e aqueles que ajudaram no assassinato organizado de judeus europeus trouxeram sobre si mesmos", disse Steinmeier, ao lembrar o 80º aniversário das primeiras deportações de judeus da Alemanha para campos de extermínio na Polônia ocupada pelo regime nazista.

Junto do prefeito de Berlim, Michael Müller, o mandatário homenageou as vítimas do Holocausto no memorial da Plataforma 17 —foi a partir dali que 1.089 judeus foram levados à força para o Gueto de Lodz, o segundo maior campo estabelecido para judeus e ciganos na Polônia sob ocupação nazista. O maior foi o Gueto de Varsóvia.

A deportação de judeus da Alemanha para a Polônia começou em 18 de outubro de 1941, meses antes da Conferência de Wannsee, em que líderes nazistas reuniram-se para discutir detalhes operacionais do extermínio em massa dos judeus na Europa.

Como outros países ao redor do mundo, a Alemanha tem visto um aumento no número de crimes antissemitas registrados nos últimos anos: segundo a polícia alemã, foram pelo menos 2.275, só em 2020. Em 2019, foram 2.032. E, em 2018, 1.799.

Neonazismo no Brasil

Um informe da Organização das Nações Unidas mostra que o governo brasileiro reconhece que grupos simpáticos às ideias de Adolf Hitler têm se expandido no país nos últimos 40 anos. "Desde os anos 1980, o movimento neonazista se intensificou no Brasil. Ele continuou ativo e incluiu mais de 12 grupos", apontou o texto da ONU, citando informações do Itamaraty.

Os organizadores do documento pediram para que cada governo entregasse dados nacionais da situação dos movimentos neonazistas, num esforço internacional para tentar mapear o cenário e buscar formas de combater essa tendência.

Levantamento da Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos da plataforma Safernet Brasil contabilizou uma explosão de denúncias sobre conteúdo de apologia do nazismo nas redes socias. Em 2020 foram 9.004 casos, ante 1.282 em 2015 —crescimento de mais de 600%. De 2015 a maio de 2021, o número de células neonazistas no Brasil foi de 75 para 530, segundo monitoramento feito pela antropóloga Adriana Dias, considerada referência em pesquisa sobre grupos hitleristas.

As denúncias apuradas pela Polícia Federal também aumentaram. Até pouco tempo atrás, eram poucos os inquéritos: entre 4 e 20 ao ano. Em 2019, foram abertas 69 investigações de apologia ao nazismo. A situação se agravou em 2020, quando os agentes investigaram 110 casos —um novo inquérito a cada três dias, em média. Só nos cinco primeiros meses de 2021, foram 36 ocorrências investigadas pela PF.