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Um número crescente de judeus franceses está se mudando para Israel

Manifestantes protestam em Creteil, nos arredores de Paris, França, contra o aumento de ações antissemitas no país - Remy de la Mauviniere/AP
Manifestantes protestam em Creteil, nos arredores de Paris, França, contra o aumento de ações antissemitas no país Imagem: Remy de la Mauviniere/AP

Nicola Abé e Julia Amalia Heyer

Em Tel Aviv e Paris

27/01/2015 06h00

Após os recentes ataques terroristas na França, mais judeus franceses do que nunca estão planejando emigrar para Israel. A vida lá é cara e longe de perfeita, mas o antissemitismo na Europa, segundo muitos, está se tornando insuportável.

O voo 324 da El Al pousou três horas atrás, mas Lucie Podemski ainda está aguardando por seu pai. Ela está sentada em um café no aeroporto de Tel Aviv com um balão que ela trouxe para a ocasião. "Bem-vindo", ele diz. De repente, ela recebe uma mensagem de texto de seu pai, incluindo uma foto da nova carteira de identidade que ele acabou de receber. Ele agora é um cidadão israelense.

André Podemski parece feliz na foto de seu novo documento. "Na França, você sempre precisa parecer sério", diz Lucie Podemski. "Aqui, nós podemos sorrir."

Há mais de seis anos, logo após sua formatura na universidade, Lucie Podemski emigrou da França para Israel e abriu uma creche em Tel Aviv. Várias semanas atrás, sua prima chegou. E agora, em uma segunda-feira recente, seu pai. Apenas a irmã dela ainda vive em Paris. "Mas ela está com medo", diz Lucie. "Policiais armados estão posicionados diante da pré-escola dela." Desde os ataques em Paris duas semanas atrás, até mesmo sua irmã veste um colete à prova de balas quando pega seus filhos na saída da escola.

Os últimos anos viram um aumento no número de judeus franceses partindo para Israel, com o medo de ataques sendo o motivo mais importante para fazer o "Aliyah", como é chamado o "retorno" para Israel. E a lista de ataques é longa. Em 2006, um jovem vendedor de celulares chamado Ilan Halimi foi raptado por uma gangue jovem e torturado até a morte. Dois anos atrás, Mohamed Merah matou a tiros crianças e uma professora em uma escola judaica em Toulouse. Há dois meses, um casal foi assaltado no distrito de Créteil, nos arredores de Paris, e a mulher foi estuprada.

Todas as vítimas foram visadas por serem judeus –e são apenas os mais conhecidos entre milhares de incidentes. Mas o assassinato de quatro judeus no supermercado judaico Hyper Cacher, em 9 de janeiro, dois dias depois do ataque islamita relacionado ao jornal satírico "Charlie Hebdo", representa um novo ápice da violência.

Quando André Podemski, 65, finalmente sai da área de desembarque, sua filha o abraça e o envolve em uma bandeira israelense. Ele então conta a história de como passou horas naquela sexta-feira em Paris, grudado na televisão para acompanhar a tomada de reféns. Ele conhecia o Hyper Cacher muito bem: ficava a apenas cinco minutos de carro de seu apartamento. E ele próprio foi dono de um supermercado até pouco tempo atrás. "Eu fiquei chocado", ele diz. "Mas não fiquei surpreso."

Caminhadas na praia

Há cinco anos, ele diz, começou a não mais se sentir seguro em Paris. No metrô, ele olhava bem para as pessoas antes de embarcar e quando saía sozinho ao entardecer, ele tinha medo. André Podemski comprou um apartamento em Tel Aviv e quando foi para lá de férias, ele se sentiu livre durante suas caminhadas ao fim de tarde na praia. Finalmente, ele procurou a Agência Judaica para Israel, que ajuda nos arranjos para aqueles que desejam emigrar para a Terra Santa.

Após os ataques em Paris, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pediu aos judeus franceses que viessem para Israel, sua verdadeira "pátria". Encorajar judeus de todo o mundo a se mudarem para Israel é, afinal, parte da razão de ser do país. Os quatro que foram mortos no supermercado Hyper Cacher foram enterrados em Jerusalém.

"Essas declarações são perigosas", diz Gérard Benhamou, chefe de um grupo de imigrantes franceses em Tel Aviv. "É o que os terroristas pensam –que podem fazer uso de violência para conseguir sua meta de expulsar os judeus." O presidente de Israel, Reuven Rivlin, alertou: "O Aliyah deve ser feito por livre vontade, não por medo".

Mas é difícil não ter medo, e não apenas na França. Na Suécia, as ameaças antissemitas dobraram em 2014. No Reino Unido, uma pesquisa mostrou que uma entre duas pessoas nutre preconceitos antissemitas e cerca de um quarto de todos os judeus no Reino Unido pensou em deixar o país nos últimos dois anos. Logo após os ataques em Paris, a polícia na Bélgica descobriu uma aparente trama jihadista para atacar instalações judaicas.

"Em alguns países (da União Europeia), grande parte da comunidade judaica não sabe ao certo se tem um futuro na Europa", disse o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans. "Eu acho que trata-se de um desafio imenso para os próprios alicerces da integração europeia." O primeiro-ministro francês, Manuel Vals, também alertou na marcha em memória às vítimas do assassinato que a França seria um país diferente sem seus judeus. Ninguém deveria sentir medo, ele disse, sejam jornalistas, policiais ou judeus.

Crescente interesse

Em 2014, mais de 7.000 pessoas trocaram a França por Israel, quase o dobro do total do ano anterior. Um total de 500 mil judeus vive na França, o que deixa o país em terceiro lugar, atrás dos Estados Unidos e Israel, em termos de total de sua população judaica. Mas também se tornou o país do qual chega a maioria dos imigrantes para Israel. "Nós agora estamos preparados para a chegada de 15 mil", diz Nathan Sharansky, chefe da Agência Judaica.

"Pela primeira vez na história de Israel, mais judeus estão chegando do mundo livre do que de outros países", diz Sharansky. Israel, ele prossegue, se tornou muito mais do que apenas um refúgio do antissemitismo. "As pessoas agora estão escolhendo livremente Israel, mesmo podendo ir para os Estados Unidos, Canadá ou Austrália."

Daniel Benhaim, 41, chefe da Agence Juive, a divisão francesa da Agência Judaica, tem uma mensagem semelhante. Em dois ou três anos, ele diz, o número de judeus franceses deixando o país será ainda maior do que agora. Ele supervisiona os 30 funcionários que trabalham para a agência –em seus escritórios principais em Paris e Marselha, como também nos escritórios menores em Lyon, Estrasburgo e Nice. Em toda parte, os telefones não param de tocar e as pessoas estão se registrando em grande número para eventos informativos. Em tempos normais, a Agence Juive recebe cerca de 300 telefonemas a cada quinzena. Nas últimas duas semanas, foram perto de 3.000.

Benhaim nasceu e foi criado perto de Paris e fez o Aliyah quando tinha 17 anos. Apesar de agora ter voltado à França a trabalho, ele diz que Israel é seu lar, assim como o de seus dois filhos. Ele planeja retornar a Israel assim que concluir seu trabalho pela Agence Juive.

Mas Benhaim é cuidadoso em notar que quando deixou a França, sua motivação era diferente da que está levando muitos a partirem hoje. Ele foi movido pelo sonho sionista, pela vontade de ajudar a construir Israel e fazer sua parte. Quando perguntado quando o medo passou a prevalecer sobre o sonho sionista, Benhaim diz que foi um processo que transcorreu ao longo de 15 anos.

Ele conta uma história que diz muito sobre como as atitudes em relação aos judeus mudaram. Em 1990, quando um cemitério judeu em Carpentras foi profanado, 100 mil franceses tomaram as ruas em solidariedade aos judeus do país. Mas após os assassinatos em Toulouse dois anos atrás, nem mesmo 10 mil manifestantes compareceram.

Manifestações antissemitas

Enzo Lumbroso tem uma história ainda mais perturbadora para contar. O homem jovem de 23 anos, vestindo um agasalho esportivo vermelho e com cabelo com um corte desconexo cheio de estilo, diz que ocorreram várias manifestações contra a operação militar israelense em Gaza no ano passado e que até sinagogas foram atacadas. Os manifestantes cantavam: "Matem os judeus, matem Israel". "E não eram apenas muçulmanos que estavam bradando contra judeus", diz Lumbroso. Manifestações antissemitas também eram visíveis entre o restante da população, ele diz.

Lumbroso disse que há muito tempo queria emigrar. Em meados do ano passado, ele concluiu seu curso de economia em uma universidade em Paris e começou a se preparar para a mudança. O fato de que teria que servir nas forças armadas em sua nova pátria não o incomodava.

Ele chegou a Israel pouco depois dos ataques em Paris. No aeroporto, ele recebeu seguro saúde e social, além de uma nova carteira de identidade e uma pequena quantia em dinheiro. Lumbroso passará os próximos cinco meses em um centro de absorção, onde terá aulas de hebraico cinco horas por dia. A instalação conta com um café, uma sinagoga e equipamento de exercício em um abrigo antiaéreo. O Estado investe uma quantia significativa de dinheiro na imigração: além dos cursos de língua, ele oferece empréstimos para empreendedores, apoio financeiro para estudantes, um salário para artistas e assistência tanto para compra quanto para aluguel de imóveis. Além disso, imigrantes solteiros recebem até 4.000 euros e as famílias com dois filhos cerca de 11 mil euros.

Quando Lumbroso concluir o serviço militar, ele espera abrir um brechó de roupas importadas ou um bar com serviço de entrega. Em Israel, a economia está crescendo, enquanto na Europa está estagnada. "Aqui, eu posso tentar coisas", ele diz, acrescentando que os israelenses estão dispostos a correr riscos e experimentar. "E se não funcionar, não sou rotulado de perdedor. Eu apenas farei outra coisa", diz Lumbroso.

'Boeing Aliyah'

Para aqueles que se formam na universidade, não é fácil encontrar um emprego bem-remunerado em Israel. Os salários são em média cerca de 30% mais baixos que na França, enquanto os aluguéis e a alimentação são bem mais caros. Em consequência, muitos imigrantes continuam em trânsito após seu Aliyah, trabalhando na França e passando os fins de semana em Israel. Eles são chamados de "Boeing Aliyah". Alguns acabam até mesmo deixando Israel após algum tempo, com destino ao Canadá ou Estados Unidos.

Judeus franceses ricos em particular tendem a não emigrar, preferindo comprar um imóvel em Jerusalém ou Tel Aviv como investimento, apartamento de férias ou como um lugar onde morar após a aposentadoria. Eles passam suas férias de verão em praias israelenses e seus apartamentos ficam vazios no restante do ano.

Mickael e Angélique Cohen se mudaram com seus três filhos poucos meses atrás para Netanya, uma pequena cidade ao norte de Tel Aviv com uma grande comunidade francesa. Os Cohen agora vivem em um prédio residencial recém construído com uma pequena Torre Eiffel em cada quarto das crianças. Eles venderam seu apartamento em Paris. "Nós agora temos dinheiro suficiente para exatamente um ano", disse Angélique, 37. "Nós somos jovens. Ainda é possível para nós começar uma nova vida." Ela mexe em seu colar, no qual uma Estrela de Davi está pendurada. Na França, ela diz, ela costumava escondê-la sob o suéter.

"Eu acho que nossos filhos terão um futuro melhor aqui", diz seu marido, Mickael, 40. Na França, ele diz, não há recuperação econômica em vista e a tensão pode rapidamente se transformar em hostilidade. "As pessoas sempre pensam que, como judeu, você deve ter dinheiro", ele diz.

Angélique diz que sempre soube que algum dia viveria em Israel, no país de origem tanto de sua religião quanto de seu povo: o "lar do meu coração", como ela diz. Mas a mudança foi provocada por um almoço de negócios em Paris. Ela estava sentada com seus colegas, pessoas francesas totalmente normais, que estavam rindo das piadas antissemitas do humorista Dieudonné –o mesmo Dieudonné que recentemente foi preso por postar "Je suis Charles Coulibaly" em sua página no Facebook, após o ataque ao supermercado judaico. O perpetrador daquele ataque se chamava Amedy Coulibaly. Angélique Cohen ligou para a Agência Judaica na noite após aquele almoço.

'Isso me deixa com medo'

A família se mudou em meados do ano passado. Na França, Angélique trabalhava em uma grande empresa de tecnologia da informação, mas ainda está procurando por trabalho em Israel. O marido dela, que era dono de uma ótica em Paris, está tendo dificuldades porque não está autorizado a abrir uma loja em Israel com o diploma que tem. Nenhum dos dois fala hebraico direito, as placas no supermercado local são indecifráveis e as visitas às autoridades são um desafio. Eles também não têm família em Netanya, nem fizeram muitos amigos até agora. "Não dá para comparar a vida aqui com a que tínhamos na Europa", diz Angélique.

Além disso, a situação da segurança em Israel piorou de novo. Vários agressores lançaram seus carros contra multidões e dois palestinos atacaram uma sinagoga em Jerusalém em novembro passado. Em Tel Aviv na última quarta-feira, um jovem palestino esfaqueou 16 passageiros em um ônibus, ferindo pelo menos três gravemente.

"É claro que isso me deixa com medo", diz Angélique. Mas ela diz que ainda assim se sente mais segura em Israel do que na França. Em Israel, ela diz, eles fazem parte da maioria, enquanto na França, eles eram visados como membros de uma minoria.

"Eu fico mais preocupado com minha família na França", diz Mickael. Os pais dele ainda vivem em Paris e ele e sua mulher agora estão tentando convencê-los a se mudarem para Israel. Mas os pais deles se mudaram da Tunísia para a França nos anos 70. "Eles não querem perder tudo pela segunda vez", ele diz.