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Do exílio, um trio de mulheres bate de frente com Putin e o Kremlin

Zhanna Nemtsova, Ksenia Sobchak e Maria Gaidar, opositoras exiladas de Putin - AP/Reuters/Divulgação
Zhanna Nemtsova, Ksenia Sobchak e Maria Gaidar, opositoras exiladas de Putin Imagem: AP/Reuters/Divulgação

Matthias Schepp

Em Moscou (Rússia)

13/03/2016 06h00

Os pais delas ajudaram a estabelecer a nascente democracia após o colapso da União Soviética. Mas na Rússia de Putin, essas três mulheres não veem um futuro para seu país. Duas, incluindo a filha do líder assassinado da oposição, Boris Nemtsov, estão combatendo o Kremlin do exílio

A exata localização do novo escritório de Zhanna Nemtsova precisa ser mantido em segredo, devido às ameaças de morte que ela vem recebendo de Moscou. Mesmo aqui em Bonn, Alemanha, as autoridades estão preocupadas com a segurança da filha de 31 anos do assassinado político de oposição russo, Boris Nemtsov. Não mais segura na capital russa, ela fugiu para a Alemanha nove meses atrás. Ela também perdeu a fé nos investigadores russos. 

"Acho que posso aplicar uma maior pressão daqui para assegurar que o assassinato do meu pai seja plenamente investigado", disse Nemtsova, cujo livro, "Shaking Up Russia" (Sacudindo a Rússia, em tradução livre, não lançado no Brasil), acabou de ser publicado na Alemanha. A escritora também está trabalhando atualmente como repórter para o canal internacional alemão "Deutsche Welle". Enquanto isso, ela está pressionando o Conselho da Europa a designar um relator especial para a investigação da morte de seu pai. 

Há pouco mais de um ano, em 27 de fevereiro de 2015, assassinos mataram a tiros seu pai perto do Kremlin, atingindo o político no pescoço, pulmão, coração e fígado. O ataque serviu como prova de que a Rússia não é mais segura para aqueles que ousam criticar o governo, e até mesmo ex-governadores e vice-primeiros-ministros não estão imunes diante da ameaça. Depois da morte de Nemtsov, o medo se espalhou rapidamente entre os políticos de oposição de que poderiam ser os próximos. 

Além de Nemtsova, outras duas mulheres também fugiram para o exterior após o assassinato. A primeira é Ksenia Sobchak, a filha do ex-prefeito de São Petersburgo, Anatoly Sobchak, que já foi um mentor político de Vladimir Putin. Acredita-se que o nome dela esteja na mesma lista de alvos em que estava Boris Nemtsov. 

E há Maria Gaidar, a filha do reformista econômico Yegor Gaidar, que serviu como primeiro-ministro sob Boris Yeltsin, após o colapso da União Soviética. 

Há algo que liga todas essas três mulheres: seus pais foram todos importantes políticos no momento em que a União Soviética deu lugar à nascente Rússia democrática. Todas as mulheres cresceram em lares liberais e com a sensação de que a democracia e o Estado de direito prevaleceriam em seu país.

No início, elas viam Vladimir Putin como um farol de esperança para o futuro da Rússia, mas hoje o veem como o homem que está batendo pessoalmente o prego no caixão da liberdade e dos direitos humanos no país. Nenhuma das três acredita que os ideais de seus pais prevalecerão no futuro próximo. Sobchak já voltou para Moscou, mas Nemtsova e Gaidar estão se preparando para passar anos no exílio. 

"Pessoalmente, não odeio Putin, mesmo com o assassinato de meu pai durante seu governo", diz Nemtsova. Em 2009, ela elogiou Putin na revista feminina "Elle" por seu "caráter forte, excepcional, e seus muitos serviços à economia". 

A maior provocação

Hoje, entretanto, sua avaliação do líder russo é terrível. "O presidente Putin passou a controlar toda a mídia", ela diz durante um jantar na casa de um ex-político alemão proeminente em Colônia. "Ele forneceu aos novos oligarcas corruptos ligados a ele acesso aos comedouros do Estado. Nossa economia está ruindo, em parte devido às políticas do Kremlin. Muitos dos melhores estão deixando a Rússia, o tipo de pessoas que meu país precisa urgentemente." 

O político, Gerhart Baum, é um membro do Partido Democrático Livre pró-economia de mercado e serviu como ministro do Interior da Alemanha no final dos anos 70 e início dos anos 80. Nemtsova está discutindo com Baum a possibilidade da criação de uma Fundação Boris Nemtsov para a Liberdade em homenagem ao seu pai. A organização concederia um prêmio a cada ano para pessoas que fizeram "contribuições significativas para a promoção dos valores europeus na Rússia".

No jantar, a esposa de Baum pergunta se Nemtsova planeja voltar para a Rússia. "Quando meu pais aderir ao Estado de direito", ela responde. 

A cerca de 2.200 quilômetros de Colônia, em Odessa, uma cidade portuária no sul da Ucrânia, uma alma gêmea de Nemtsova que, por acaso, tem a mesma idade, está repetindo exatamente o mesmo mantra. Como Nemtsova, Maria Gaidar também foi para o exílio e diz que não voltará à Rússia até que a democracia e o Estado de direito prevaleçam. Há duas bandeiras em sua mesa na sala 311 do prédio do governo de Odessa: uma da União Europeia e outra da Ucrânia. 

Ela está vestindo um terninho, um pulôver preto e uma pequena braçadeira nas cores nacionais da Ucrânia. Ela tem servido como ministra da Saúde e Assuntos Sociais de Mikhail Saakashvili, o governador de Odessa Oblast, desde julho. Seu posto oficial é a maior provocação possível para o Kremlin.

Gaidar, filha de uma família intelectual brilhante, se colocou a serviço da odiada revolução Maidan e está trabalhando para um dos piores arqui-inimigos de Moscou. O governador Saakashvili já serviu anteriormente como presidente da Geórgia. Nos Estados Unidos, onde viveu por muito tempo, ele era considerado um reformista e defensor da democracia. De volta ao seu país natal, ele está atualmente sendo investigado por suposta corrupção e abuso de poder. 

'Devolvam às pessoas suas eleições'

A mídia russa controlada pelo Estado ataca Gaidar furiosamente como uma traidora de seu país, com o romancista russo Eduard Limonov até mesmo dizendo que a política e toda sua família deveriam ser fuzilados. 

"Minha família está acostumada a ataques como esse", diz Gaidar. O pai dela foi alvo de ódio considerável devido às suas reformas econômicas neoliberais. Agora ela também deseja lutar por causas que acredita serem justas e está disposta a ser odiada publicamente, se tornar uma mártir, se for preciso. 

Desde cedo, Gaidar se manifestou contra as políticas cada vez mais autoritárias de Putin por meio de ações de protesto espetaculares. Em novembro de 2006, ela desceu de rapel de uma ponte localizada perto do Kremlin e pendurou um cartaz dizendo: "Devolvam às pessoas suas eleições, seus bastardos!" 

Quando Putin colocou Dmitri Medvedev como presidente em 2008, Gaidar começou a se infiltrar nas instituições ao seu próprio modo, ascendendo politicamente ao papel de vice-governadora de Kirov Oblast, na região central da Rússia, e também ministra da Saúde e dos Assuntos Sociais. Ele ocupa os mesmos cargos hoje, só que em outro país. 

Gaidar deseja ajudar a "demonstrar que é possível criar democracia e um mercado na Ucrânia apesar do legado e ruínas da União Soviética". Agora está escuro do lado de fora. Com uma pilha de pastas sob seu braço, a ministra da Saúde segue para seu carro oficial, um modesto Skoda. Ela está seguindo para uma reunião dos ativistas da revolução Maidan. O plano dela é permanecer por 30 minutos, mas acaba ficando por duas horas. 

Nove homens, uma jovem médica e uma mulher de meia-idade estão sentados nas cadeiras puídas. Um empreendedor apresenta uma proposta de política com várias páginas, que inclui seu plano para aumento da receita de impostos. "Precisamos de três ou quatro empresas que declarem publicamente que deixarão de sonegar impostos e, ao fazê-lo, sirvam de exemplo", ele diz. Mas seus companheiros dizem temer que não funcionará, porque todos preferem o velho sistema corrupto.

Com o passar da noite, o ambiente vai se tornando mais pessimista. "Não podemos nos deixar ser consumidos pelo romantismo revolucionário e pela retórica ativista", diz Gaidar. "Vocês precisam ser eleitos para o Parlamento e então participar das reuniões públicas do comitê." No final, eles concordam com um plano que envolveria tornar mais transparentes os ganhos dos membros do Parlamento e de suas famílias e postá-los na Internet. 

Os limites da crítica do Kremlin

Outro ícone do movimento anti-Putin precedeu Gaidar na viagem para Odessa: Ksenia Sobchak, uma "it girl", jornalista, atriz e filha do ex-prefeito falecido de São Petersburgo que foi confidente de Putin. Em meados do ano passado, Sobchak chegou a Odessa para entrevistar Saakashvili para a emissora de oposição russa "Dozhd". 

Em uma quarta-feira de fevereiro, Sobchak está de novo sentada no estúdio de TV da "Dozhd". Quatro anos atrás, nenhuma outra emissora era tão ruidosa em suas críticas ao retorno de Putin ao Kremlin e às manipulações eleitorais quanto a "Dozhd". Sobchak aparecia na época diante de dezenas de milhares de manifestantes. Na ocasião tanto quanto agora, ela é controversa, porque se associa com frequência com as mesmas pessoas que critica. 

Neste dia em particular, ela convidou dois atores e um cineasta, que fizeram uma comédia que critica o sistema, para aparecerem em seu programa, "Sobchak Live". A trama do filme é esta: o Kremlin emite uma ordem para que ocorram eleições livres e justas. Como as pessoas do país foram expostas a manipulações e fraudes por tanto tempo a ponto de se acostumaram a isso, ninguém sabe lidar com essa ordem. Parece que críticas veladas na forma de sátira ainda são possíveis na Rússia atual. "Desde que você não ataque Putin diretamente", diz um dos cineastas. 

Uma lógica semelhante se aplica à investigação do assassinato de Nemtsov. Há seis semanas, o Comitê Investigativo russo que cuida do caso de Nemtsov anunciou que seus trabalhos foram concluídos e que cinco tchetchenos que estão detidos foram claramente os perpetradores. A família de Nemtsov também acredita nisso, a única queixa sendo que os "mandantes do ataque permanecem intocados". 

Como foi visto depois do assassinato da jornalista investigativa russa Anna Politkovskaya, em outubro de 2006, parece haver um padrão na abordagem do Kremlin: é permitido que a investigação prossiga desde que não leve até suas portas.

O logro parece particularmente pronunciado no caso de Nemtsov. Após o assassinato do líder de oposição, Putin desapareceu por 10 dias. Isso levou a especulação muito além dos serviços de inteligência americanos de que estava ocorrendo uma disputa de poder brutal nos bastidores. Acredita-se que tenha ocorrido um grande choque entre a agência de inteligência doméstica FSB e Ramzan Kadyrov, o líder despótico da República da Tchetchênia. 

Ksenia Sobchak também expressou fortes críticas após a morte de Nemtsov. "Não há um Putin que emitiu a ordem para o assassinato", ela disse na ocasião. "Mas há um Putin que criou esta máquina infernal e perdeu o controle dela."