Pior foi não encontrar os cadáveres, diz coordenador da Comissão da Verdade

Felipe Betim

Em Madri

  • Valter Campanato/Agência Brasil - 22.abr.2014

    Pedro Dallari é coodenador da CNV (Comissão Nacional da Verdade)

    Pedro Dallari é coodenador da CNV (Comissão Nacional da Verdade)

Investigar e documentar os abusos cometidos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) é o principal objetivo do advogado Pedro Dallari (nascido em São Paulo em 1959), coordenador da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012. Dallari esteve em Madri esta semana para participar de uma conferência na Casa América sobre as eleições no Brasil.

Ele afirma que o desafio da comissão, cujo mandado expira em dezembro, quando deverá entregar um relatório final, é "dialogar com os militares para que reconheçam os abusos cometidos". Uma comissão anterior calculou em 475 os mortos e desaparecidos, embora seja um número provisório.

El País - Quais são os objetivos da comissão?

Pedro Dallari - Verificar as violações dos direitos humanos durante a ditadura. E identificar as circunstâncias, os autores e os lugares. Mas não tem capacidade jurídica, isto é, não imputa, não julga nem condena ninguém. Verificamos fatos, não questionamos a Lei de Anistia. Esse papel é da Justiça e do Ministério Público.

El País - Então para que serve, na prática?

Dallari - Tem três fins: a busca da verdade, a promoção da memória e a reconciliação. A verdade é um valor em si mesmo. Mas a CNV só trabalha sobre fatos, memória. Cerca de 80 milhões de brasileiros nasceram depois do fim da ditadura [1985]; 80% depois do golpe de 1964. Portanto, não há uma memória fresca. Hoje estamos na fase da reconciliação, trata-se de dialogar com os militares para que reconheçam os abusos.

El País - Por que se demorou tanto para criar a comissão?

Dallari - Brasil tem uma tradição política desde a independência: as transições ocorrem de maneira lenta e gradual. Na maioria das vezes, sem rupturas.

El País - Muitos a acusam de querer contar só um lado da história.

Dallari - Temos uma missão: verificar os abusos contra os direitos humanos por parte do Estado. Os líderes contestadores não tiveram um processo legal, foram torturados e executados. O fato de haver menos mortos do que em outras ditaduras é porque o sistema repressivo era mais seletivo, mais científico. Não se trata de um ranking.

El País - Quais são suas principais conquistas?

Dallari - Provar que os graves abusos foram resultado de uma política de Estado. Não casos concretos, como argumentam os militares. Por isso apresentam uma resistência muito forte.

El País - Como foi a relação com eles?

Dallari - Formalmente colaboram e não os pressionamos. Mas a lei obriga a elaborar um relatório final com fatos e recomendações. Por exemplo, o ensino nas academias militares é o mesmo que na ditadura. Tivemos muitas dificuldades. Ainda há muita tortura!

El País - Trata-se também de fazer uma reflexão atual?

Dallari - É claro! O que foi o caso Amarildo [de 2013]? Era um trabalhador que foi detido pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em uma favela, levado a uma delegacia, brutalmente torturado e executado, e cujo cadáver desapareceu. É como o caso Rubens Paiva [de 1971].

El País - Qual é a principal frustração da CNV?

Dallari - Não pudemos encontrar os cadáveres desaparecidos. Nem ter acesso a certos documentos. Os militares argumentam que os papéis foram queimados ou perdidos. Não acreditamos nisso.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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