Na Espanha, diretor de colégio será julgado por vetar filho de casal gay

Manuel Planelles

Em Sevilha (Espanha)

A Audiência de Sevilha avalia indícios de que o colégio privado se negou a escolarizar o menor devido à condição sexual de seus pais

Quando se apresentaram como um casal gay, não havia lugar para seu filho estudar. Quando não disseram que eram uma família homoparental, havia uma vaga no colégio para o menino. Em traços gerais, é o que supostamente ocorreu com o filho de Iván Vallejo e Ricardo Lucas, um casal que há dois anos tentou matricular o menor, que tiveram por meio de um complicado processo de gestação sub-rogada ["barriga de aluguel"], no colégio privado Yago School de Sevilha, sul da Espanha. O menino tem hoje 5 anos.

O diretor e a responsável por admissões do colégio, ambos imputados por um crime "contra os direitos fundamentais e as liberdades públicas garantidas pela Constituição", terão de ir a julgamento pela negativa a escolarizar o filho desse casal. Foi o que decidiram os três magistrados da Terceira Sessão da Audiência Provincial de Sevilha encarregados de analisar o caso.

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Os juízes Ángel Márquez, Luis Gonzaga de Oro-Pulido e Pilar Llorente entendem que "se deduz indiciariamente que a negativa à escolarização do menor se deveu à condição sexual dos pais".

Os juízes confirmam em um auto assinado em 10 de outubro passado que se deve realizar o julgamento contra o diretor da Yago School, Ramón R., e sua irmã Maravillas, a responsável por admissões no colégio. As defesas de ambos haviam recorrido à Audiência da decisão de um juiz de instrução de Sevilha de abrir julgamento oral contra eles.

Entre outras coisas, os acusados argumentavam que seriam submetidos a uma "pena processual". "Não se pode falar em pena processual diante da existência daqueles indícios", afirma a Audiência.

Os magistrados resumem esses indícios em apenas dois parágrafos de seu auto. Explicam que os denunciantes entraram em contato com o colégio em setembro de 2011 por meio de mensagem eletrônica para escolarizar seu filho no semestre seguinte. Fizeram-no "sem ocultar que eram uma família homoparental", explicam os juízes. O colégio lhes respondeu que não havia lugar e que tentassem de novo no ano seguinte.

Em fevereiro de 2012, os pais voltaram a perguntar por meio de outra mensagem e a resposta foi novamente negativa.

Os juízes afirmam que o casal começou a "suspeitar" que a negativa era por "sua condição sexual", ao ver que para outras famílias diziam que havia vagas. Então um dos pais voltou a entrar em contato com a escola, "desta vez omitindo o dado de ser uma família homoparental".

A responsável por admissão marcou um encontro com o pai, e neste, realizado em 16 de fevereiro de 2012, lhe comunicou que havia lugares e que as negativas anteriores se deviam a um "mal-entendido administrativo", sempre segundo o relato da Audiência. Quatro dias depois, a responsável por admissão voltou a telefonar ao pai para lhe comunicar "de novo que não havia lugares".

Os magistrados entendem que há indícios suficientes para deduzir que a negativa se deveu à "condição sexual dos pais".

Yolanda Hervás, a advogada que defende os interesses do casal, afirma que em todo o processo foi determinante um relatório da Inspeção Educacional da Andaluzia que apontava que o menor não havia recebido "igualdade de tratamento no processo de admissão".

"Houve diferentes versões para os pais sobre os lugares livres, por parte da direção do colégio, quando estes se apresentaram como família homoparental ou quando um deles sozinho pediu informação sem o mencionar", afirma a inspeção.

O colégio tem aberto um expediente sancionador, que a Junta da Andaluzia suspendeu temporariamente enquanto se resolve o caso nos tribunais.

Os colégios privados, como é o caso do Yago School de Sevilha, têm reservado o direito de admissão. Mas esse direito nunca pode se sobrepor à Constituição, que impede que qualquer pessoa possa ser discriminada.

As defesas dos dois responsáveis pelo colégio denunciados pediram o arquivamento da causa à Audiência. No caso do diretor, sua advogada argumentou que seu cliente nunca chegou a manter contato direto com os pais. E que o ideário do colégio está "comprometido com os valores opostos à discriminação ou segregação de qualquer tipo".

Esse ideário, exposto no site do colégio, foi exatamente o que fez que os pais quisessem matricular seu filho lá. "A teoria é boa, mas fazem uma seleção de seus clientes que vai contra esse ideário", disse Ricardo Lucas ao "El País".

No caso da diretora de admissão, sua defesa se baseou em que foram os pais que "tomaram a decisão de não formular pedido nem fazer o ingresso nesse colégio". Além de pedir à Audiência que evite "os efeitos perniciosos que tem a pena processual", o advogado da responsável por admissão rejeita que tenha ocorrido um "ato discriminatório".

Segundo seu argumento, como não houve um ato formal de rejeição do menor, o delito "difere" de "uma suposição ou um julgamento de futuras intenções". "O pensamento não delinque", resume o advogado, cujos argumentos foram rejeitados pela Audiência de Sevilha.

Cinco anos de luta

A vontade de Iván Lucas e Ricardo Vallejo de formar uma família normal com um filho representou uma série de batalhas. A primeira foi a de seu nascimento. O casal teve de recorrer a uma gestação sub-rogada nos EUA para que uma mulher levasse adiante a gravidez de seu filho.

Na Espanha essa prática é proibida, e Lucas e Vallejo - que têm 16 anos de relacionamento - tiveram de dedicar uma boa quantia (cerca de 60 mil euros) e tempo (mais de um ano desde que começaram o processo até que puderam voltar à Espanha com seu filho nos braços) para conseguir seu propósito de ser pais.

Depois viram que a legislação espanhola não lhes permitia registrá-lo como filho de ambos. Nos registros pode-se apresentar uma mãe solteira, mas não um pai -- ou pais, neste caso -- sem mãe.

Lucas e Vallejo iniciaram uma luta que eles e outros casais foram ganhando a título individual. Ainda não há um procedimento generalizado para dar cobertura a esses menores, que se encontram na situação de não serem legalmente filhos de um de seus pais.

Para eles se exige que figure uma mãe na documentação, mesmo que esta tenha renunciado legalmente, segundo as normas de seu país, a todo direito e dever em relação à criança.

A solução definitiva poderá vir da Europa. Em junho passado, o Tribunal de Direitos Humanos condenou o Estado francês por impedir o registro dos filhos de dois casais que os haviam tido por gestação sub-rogada no estrangeiro. O argumento básico da decisão é que a proteção do menor deve ser prioritária.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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