Homem que emprestou arma a Nisman diz que alertou promotor sobre denúncias

Francisco Peregil

Em Buenos Aires (Argentina)

  • Florencia Downes/Telam/Xinhua

    Diego Lagomarsino (esq.): "Não sei por que minhas digitais não estão na arma"

    Diego Lagomarsino (esq.): "Não sei por que minhas digitais não estão na arma"

O técnico em informática que emprestou a arma ao promotor Alberto Nisman é o único imputado na investigação pela misteriosa morte do funcionário público que havia denunciado a presidente argentina

O técnico em informática Diego Lagomarsino, 38 anos, é o único indiciado na investigação sobre a morte do promotor argentino Alberto Nisman. Ele emprestou a arma que acabaria com a vida de Nisman em 18 de janeiro passado, quatro dias depois de ter denunciado a presidente por encobrimento de terroristas. A entrevista se realiza no escritório de seu advogado, Maximiliano Rusconi.

El País: Quando e como o senhor conheceu o promotor Nisman?

Diego Lagomarsino: Foi através de um amigo comum, não lembro quando. Alberto tinha um problema em seu computador pessoal. Fui a sua casa e ficamos ligados através de uma relação comercial.

El País: Em que momento começa seu contrato com a promotoria da causa Amia [investigava o atentado em 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina]?

Lagomarsino:Em meados de 2007.

El País: Seu salário de 40 mil pesos mensais [cerca de 4 mil euros no mercado oficial], sem necessidade de ir à Promotoria, foi muito questionado. Em que consistia seu trabalho?

Lagomarsino:Em ajudar Alberto Nisman em tudo o que se relacionasse a TI [tecnologia da informação]. Pontualmente a ele, e não à Promotoria. Inicialmente eu ia trabalhar para a Promotoria, mas ele me disse: "Não, você vai trabalhar para mim". Falou-se muito se eu ganhava 40 mil pesos para fazer cópias de segurança. Mas na realidade sistemas não é somente fazer backup. Alberto não era uma pessoa fácil. Também não era má pessoa, ao contrário. Mas ele queria as coisas já, no momento. E eu sou obcecado por trabalho. Quando Alberto dizia que não confiava nas duas pessoas [técnicos em informática] que trabalhavam na promotoria, hoje percebo que não é que não confiasse profissionalmente, mas que era uma questão de respostas. Quando eu ligo, você atende.

El País: Quantas vezes o chamava?

Lagomarsino:Às vezes seguidamente, em outras duas ou três vezes por mês.

El País: A presidente Cristina Kirchner se referiu até quatro vezes em um discurso a sua relação íntima com Nisman. Em que consistia essa intimidade?

Lagomarsino:Pergunte a Cristina. Não sei o que é uma relação íntima. Quando se tem uma relação de tanto tempo, não se é um amigo nem tampouco um chefe. Se a presidente se referiu a uma relação homossexual, garanto que não. O que me incomoda nisso é que no meio há outras pessoas. Meus filhos são muito pequenos, mas Alberto tem uma filha maior.

El País: O senhor ensinou Nisman a manusear a pistola. Mas não se encontraram vestígios seus na arma. A que acredita que se deva isso?

Lagomarsino:Não sei. Minhas impressões digitais deveriam estar lá.

El País: O senhor a limpou antes de entregá-la?

Lagomarsino:Não. Deveriam estar. Os motivos técnicos eu não conheço.

El País: Por que tinha uma arma?

Lagomarsino:Eu a herdei em 2002. Veio por meio de um parente e eu queria começar a atirar. A realidade é que a usei duas vezes nessa época e estava sem uso.

Lagomarsino: Nisman lhe pediu a pistola para proteger suas filhas, o senhor disse. Mas suas filhas se encontravam então na Espanha. O senhor pensou que havia certa contradição em suas palavras?

Lagomarsino:Eu soube pela promotora que as filhas não estavam aqui. Mas além do que diz minha psicóloga, para que eu pare de pensar no que deveria ter feito e não fiz, eu tento buscar pequenas coisas que me digam o que aconteceu. E digo que deveria ter dito a Alberto, se soubesse que suas filhas não estavam aqui: "Alberto, suas filhas não estão". Resposta imediata de Alberto: "Estão viajando, chegam esta noite". Imagino que se a missão dele era conseguir isso, ia consegui-lo.

El País: Nisman falou ao senhor sobre sua denúncia?

Lagomarsino:Falou, seis ou sete meses atrás. Um dia me mostrou um processo e disse: "Esta é a denúncia que estou fazendo contra a presidente". Eu lhe disse: "Vai se meter com a presidente?" E ele me disse: "E você também vai começar a me dizer essas coisas? Estou cheio de gente que me diz que estou louco!"

El País: O senhor acredita na hipótese do suicídio, no suicídio induzido ou no assassinato?

Lagomarsino:Agora eu sempre penso nas três e todas se misturam. Quando penso em uma, vem a outra. Lembro uma noite em que passei muito tempo sem dormir, que me deitava e ficava olhando para o teto. Passei assim uns dez ou quinze dias. E uma noite disse: "Alberto, se puder apareça e me diga o que aconteceu". Eu creio muito nos sinais. Mas não houve um sinal.

El País: Como avalia o fato de seu amigo tê-lo envolvido nessa situação?

Lagomarsino:Às vezes eu penso: se foi um suicídio, ele poderia ter se suicidado diante de mim. Mas aqui as coisas começam a se misturar. Por alguns momentos me senti traído e pensei: "Por que você me meteu nesse assunto?" Depois você vai escutando outras versões. A verdade é que o perdoei. No dia da marcha [em homenagem a Nisman, em 18 de fevereiro passado], eu disse a uma pessoa que ia homenageá-lo à minha maneira. Fazia 24 anos que eu não me confessava. E passei quatro horas com um padre falando sobre o assunto. Fui pedir por ele, e não por mim. Porque se aconteceu o que aconteceu... [neste momento, Lagomarsino se comove e a gravação é interrompida para continuar depois].

O padre me disse: "Se foi assim, Deus o perdoou". Nesse momento me livrei de um peso que não me deixava caminhar.

El País: Por que decidiu não ir à marcha?

Lagomarsino:Eu não sou ninguém. Sou um grão de areia no deserto, enfiado 40 metros embaixo da terra. Ir à marcha teria sido tirar o protagonismo de Alberto.

El País: O senhor se arrepende de ter escrito um tuíte em que insultou a presidente, em 8 de setembro de 2013?

Lagomarsino:Foi um momento diferente. Nesse momento, quando se falava que na Argentina não havia segurança, meus pais em dez dias foram roubados três vezes e agredidos duas.

El País: Viu Nisman nervoso na última vez?

Lagomarsino:Alberto tinha dois estados de ânimo normalmente: para cima e para baixo. Muito eufórico, e dez minutos depois tranquilo. No último dia ele estava tranquilo.

El País: Falou com a ex-mulher de Nisman?

Lagomarsino:Não. Não sei se estou preparado para enfrentar isso. O que lhe diria? Iria lhe pedir perdão? Você tem amigos? Teria feito o mesmo por um amigo [emprestar a pistola] ou por um chefe que lhe dissesse "preciso disso"? Não com as notícias de hoje, obviamente. Todas as pessoas a quem pergunto isso, ficam pensando ou me dizem que sim.

El País: Como era Nisman?

Lagomarsino:Era o touro de Wall Street de Nova York vivo. Era um sujeito com colhões. Eu lembro que quando terminei a tese em 2011 pus várias pessoas no agradecimento, e entre elas Alberto Nisman, porque me ensinou que agora é já.

El País: Há algo que o senhor gostaria de salientar?

Lagomarsino:Quanto às três hipóteses... suicídio, suicídio induzido ou assassinato. Alberto mudava completamente quando falava de suas filhas. Então, se não pensou elas, iria pensar em Diego? Depois penso no assassinato. E na verdade não sei o que foi. Mas em 18 de janeiro morreu Nisman e morreu o Diego Lagomarsino que eu era.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

Baseado em denúncia de Nisman, promotor pede acusação de Cristina Kirchner

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