Exército do México soube de ação que deixou estudantes mortos, mas não agiu

Jan Martínez Ahrens

Da Cidade do México

  • Jorge Dan Lopez/Reuters - 7.out.2014

    Jovens protestam contra desaparecimento de 43 estudantes no México

    Jovens protestam contra desaparecimento de 43 estudantes no México

A sombra de Iguala persegue o Exército mexicano. A selvagem caçada de estudantes iniciada na noite de 26 de setembro passado, que acabou com seis mortos e 43 desaparecidos, foi conhecida e inclusive presenciada por soldados e oficiais. As declarações de dois membros da inteligência militar, às quais "El País" teve acesso, revelam que o 27º Batalhão de Infantaria, destacado em Iguala, e seu quartel-general em Chilpancingo receberam informação de primeira mão sobre o tumulto. Apesar disso, o Exército manteve distância e deixou que a polícia municipal, um apêndice do narcotráfico, detivesse os jovens. "Não se aproxime muito nem se arrisque", um oficial de inteligência chegou a dizer a um agente em um dos ataques.

As declarações do tenente Joel Gálvez e do soldado Eduardo Mota à Procuradoria Geral da República mostram que a inteligência militar teve conhecimento da tragédia. Um episódio convulsivo em que a polícia municipal, às ordens do cartel Guerreiros Unidos, provocou uma perseguição que mergulhou Iguala no caos. As lojas fecharam, os moradores se refugiaram em suas casas. Durante a caçada, dois estudantes morreram a tiros, outro foi desfigurado e três pessoas alheias aos fatos receberam tiros ao ser confundidas com estudantes. Tudo sem que os militares tentassem impedi-lo.

O fluxo de informação partiu do chamado C-4, um sistema de coordenação de segurança do qual também participavam as polícias estadual e federal. Ali, um sargento mantinha informado o oficial de inteligência, que por sua vez dava conhecimento da espiral de violência a seu superior, o coronel José Rodríguez Pérez, e ao quartel-general da 35ª zona militar, sob o comando do general Alejandro Saavedra Hernández.

O tenente Gálvez, segundo seu relato, recebeu pelo menos nove telefonemas. No primeiro, o oficial ordenou que o soldado Mota, encarregado de comunicações e de criptografia, fosse a um dos focos de tensão, a poucos metros da central de ônibus. Ali a polícia municipal cercava um veículo cheio de estudantes e tentava dominá-los mediante gás lacrimogêneo e ameaças: "Se não descerem, será pior!", gritavam. Os que se rendiam ficavam deitados de boca para baixo. Era sua sentença de morte. Esse contingente de detidos acabaria sendo entregue aos bandidos.

O agente de inteligência tirou fotos e, depois de ser avisado pelo tenente para não se aproximar, voltou a seu batalhão. A partir desse momento sucederam-se as ligações do C-4 e também os pedidos de ajuda de cidadãos. Os militares, sob ordens do coronel, começaram a patrulhar a cidade. Foram aos locais onde se haviam refugiado dezenas de estudantes, entre eles o Hospital Geral e a Clínica Cristina, onde encontraram feridos graves, alguns à beira da morte, e escutaram os relatos de terror. O quartel-general foi informado.

Um passeio entre cadáveres

Em seu percurso encontraram vários cadáveres. Primeiro, dois estudantes mortos a tiros, dos quais nem sequer se aproximaram. Depois os três crivados de balas no ataque ao ônibus do time de futebol Los Avispones, que a polícia municipal confundiu com estudantes. E de madrugada as primeiras luzes revelaram o rosto desfigurado, sem olhos, do estudante Julio César Mondragón.

Quarenta e três estudantes desapareceram nessa noite. Nunca mais foram vistos com vida. A reconstrução oficial, rejeitada pelas famílias, afirma que foram entregues pela polícia municipal à Guerreiros Unidos. Foram assassinados a golpes, a tiros ou asfixiados. Com seus corpos se alimentou uma fogueira bárbara que ainda hoje espanta o México.

As declarações contidas no sumário mostram no mínimo a passividade do Exército. Foram testemunhas da caça sem evitá-la. Por que não intervieram? Tanto o procurador-geral anterior, Jesús Murillo Karam, como o secretário da Defesa Nacional, Salvador Cienfuegos, afirmam que a lei impede que os militares atuem fora de seus quartéis se não for a pedido da autoridade civil, o que não aconteceu nessa noite, e que caso tivesse ocorrido teria posto o Exército sob o comando do prefeito de Iguala, José Luis Abarca, um peão do cartel Guerreiros Unidos. "Se tivesse saído, teríamos criado um problema maior", declarou Cienfuegos.

Esse argumento tem seus críticos. Um grupo de especialistas da Organização dos Estados Americanos, convidado pelo México a revisar o caso, denunciou que os estudantes estavam indefesos. "Nenhuma força do Estado que teve conhecimento dos fatos atuou para protegê-los", salientou.

Outro ponto de atrito procede da negativa dos generais a abrir as portas à citada comissão para que tome depoimentos dos militares. "Se nossos soldados não foram indicados em nenhuma das investigações, qual é a razão de ir aos quartéis?", proclamou o general Cienfuegos. Sua negativa revoltou os familiares das vítimas. Os pais desconfiaram desde o primeiro momento da versão oficial. E agora, fechadas as portas do regimento, consideram que uma parte da verdade de Iguala lhes escapa.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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