Cresce número de combatentes 'desiludidos' que deserta do Estado Islâmico

Patricia R. Blanco

  • AP Photo/Militant Website/Arquivo

A decepção da utopia jihadista que o "califado" divulga e a brutalidade que emprega são causas do abandono, segundo um estudo

Os desertores do EI (Estado Islâmico) são um "fenômeno crescente". Segundo constata uma pesquisa do ICSR (sigla em inglês de Centro Internacional para o Estudo da Radicalização) do King's College de Londres, entre janeiro de 2014 e agosto de 2015 pelo menos 58 pessoas divulgaram que abandonavam o território controlado pelo autoproclamado "califado" e deixavam de fazer parte de suas hostes, um terço delas nos últimos três meses.

"Representam uma pequena fração dos muitos combatentes desiludidos que se voltaram contra o Estado Islâmico", resume Peter R. Neumann, diretor da pesquisa.

Embora o informe admita que nem todos os que fugiram do EI abandonaram as ideias que os levaram a viajar à Síria ou ao Iraque para unir-se a suas fileiras --isto é, continuam acreditando no ideal do califado--, todos os desertores se sentem decepcionados pelas promessas que a organização dirigida por Abubaker al Bagdadi lhes havia feito.

Segundo o ICSR, são quatro os motivos que impelem os fugitivos: o Estado Islâmico está mais interessado em lutar contra outros grupos de combatentes sunitas na Síria do que em derrotar [o presidente sírio] Bashar al Assad, as atrocidades cometidas contra os muçulmanos, a corrupção da organização e as duras condições de vida no califado.

A maior parte dos desertores que haviam viajado à Síria rejeita o interesse do EI por atacar grupos sunitas como o Exército Livre da Síria ou Jabhat al Nusra, a milícia islâmica vinculada à Al Qaeda. Mas muitos também criticam a "brutalidade" das operações militares, que causam a morte de "civis inocentes", assim como o assassinato dos reféns, os maus-tratos sistemáticos à população local ou a execução de milicianos do EI.

Alguns dos desertores também mencionam a conduta "injusta" e "egoísta" de alguns membros do EI, contrária aos princípios do Islã. Embora a maioria considere que a corrupção não é sistemática, um deles chega a descrever a organização como "um bando" cujo único interesse é obter petróleo e fazer negócios.

De qualquer forma, um pequeno grupo acrescenta que não obteve os "luxos e carros" que o EI havia afirmado que conseguiriam. "Ninguém pode dizer como são representativas essas histórias, e seria um erro deduzir que todos os combatentes do EI, ou mesmo a maioria, estão desiludidos", admitem os pesquisadores do King's College.

Entretanto, consideram que os 58 depoimentos "destroem a imagem do EI como uma organização unida, coesa e comprometida ideologicamente" e deixam claro que "o Estado Islâmico não é a utopia jihadista que o grupo promete".

Segundo conclui o relatório, a partir dos depoimentos compilados, "muito poucos desertores se atreveram a falar em público" porque temem por suas vidas, mesmo depois de ter abandonado o território controlado pelo EI, e preocupam-se com que a organização adote represálias contra parentes que ainda vivem sob o jugo do califado.

Só a decisão de abandonar a militância no EI representa um grave risco para a vida: "O Estado Islâmico, afinal, é um Exército que precisa do total envolvimento de seus membros" e considera as deserções "um ato de apostasia" e os desertores, "inimigos da fé", analisa o relatório do ICSR.

Outro obstáculo para divulgar a deserção é a mais que provável pena de prisão que aguarda os ex-combatentes que retornam a seus países de origem. "Em muitos países não há incentivos legais para os combatentes desiludidos e os desertores, de modo que qualquer coisa que disserem em público poderá ser usada contra eles", reconhece o ICSR.

Por isso, a instituição recomenda que os governos reconheçam a importância de que os desertores divulguem seu testemunho como ferramenta para desarmar a narrativa do EI e os ajude a se reinserir na sociedade.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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