Após retirada autorizada de sonda, menina Andrea morre na Espanha

Cristina Huete e Sonia Vizoso

Em Madri

  • Twitter/La Voz de Galícia/Reprodução

    Antonio Lago e Estela Ordóñez, pais da menina Andrea

    Antonio Lago e Estela Ordóñez, pais da menina Andrea

Depois de quatro dias sem dor e cercada pelos seus, morreu nesta sexta-feira (9) no Hospital Clínico de Santiago Andrea, a menina de 12 anos de Noia (Coruña, norte da Espanha), afetada por uma doença degenerativa e irreversível que reabriu na Espanha o debate sobre a morte digna, segundo confirmou ao "El País" o advogado da família. 

Em 5 de outubro, os pediatras desse hospital público concordaram, como pediam seus pais, Estela Ordóñez e Antonio Lago, e o Comitê de Ética Assistencial da área de saúde de Compostela, em retirar a sonda através da qual Andrea se alimentava artificialmente à custa de grande sofrimento, segundo denunciou a família diversas vezes.

A pequena recebeu durante esse tempo, sob supervisão judicial, a sedação paliativa que admite a recente lei de direitos e garantias dos doentes terminais da Galícia, mas para consegui-lo sua família teve de recorrer a um tribunal.

Andrea se foi finalmente nas condições pelas quais seus pais lutaram desde que, no final de setembro, depois de uma deterioração geral e irremediável de seu estado de saúde, os médicos do serviço de pediatria do hospital, dirigido por José Luis Martinón, lhes comunicaram sua intenção de dar alta à menina. Essa decisão dos pediatras ocorreu apesar de uma resolução dos especialistas do comitê de bioética do Serviço Galego de Saúde (Sergas) admitir que a menor, atingida por diversas afecções, sofria também uma "desnutrição calórico-proteica importante" porque seu corpo castigado já não tolerava bem sequer a alimentação artificial.

Os pais de Andrea agradeceram, em um comunicado, o apoio que receberam e também pediram respeito ao luto, na "mais estrita intimidade". "Ela foi em paz e com tranquilidade, sem sofrer, como todos desejávamos e como ela mesmo teria querido", expressaram.


O relatório do Comitê de Ética Assistencial da área sanitária de Santiago, datado de 14 de setembro e elaborado por uma equipe multidisciplinar a pedido judicial, depois de entrevistar tanto os pais da menor como um responsável médico do hospital de Compostela, era claro. O "prognóstico infeliz do transtorno" que a menina sofria e a consideração de "questões valiosas" como a "qualidade de vida" e a eliminação do sofrimento levavam a que "a ação eticamente preferível" fosse que os facultativos retirassem a nutrição e hidratação por sonda que prolongava "artificialmente sua vida" e lhe aplicassem um "tratamento sintomático" de possíveis complicações, que poderia derivar inclusive em uma "sedação paliativa".

O hospital optou por ignorar esse relatório, apoiando-se no fato de que não era compulsório, apesar de o juiz ter recomendado previamente levá-lo em conta. Quando o caso veio à luz, os pediatras concordaram em não dar alta à menina, mas continuaram se negando a retirar a sonda e lhe proporcionar uma sedação paliativa, até que um juiz interveio.

Os pais de Andrea afirmaram desde o início diante dos médicos que sua filha, que não falava por causa da doença, mas com a qual ao longo de sua vida sempre se comunicaram por gestos, estava sofrendo muita dor e lhes enviava "olhares pedindo auxílio". Estela e Antonio relatam, entretanto, que se sentiram "maltratados psicologicamente" por uma parte do pessoal de saúde que atendia a pequena, inclusive quando pediram a um chefe médico que não lhe retirasse a morfina que tanto a aliviava.

O parecer do comitê ético abordou também essas queixas e salientou que as comunicações dos médicos com os pais da menina são "procedimentos da assistência", pelo que "devem ser entendidos como contraindicadas em geral as mensagens que se traduzam em culpabilização das famílias".

Desde que divulgaram a situação que sua filha estava sofrendo no hospital de Santiago, Estela e Antonio receberam o apoio, entre outros, da Organização Médica Colegial, da Federação de Associações de Defesa da Saúde Pública, da Associação Direito a Morrer Dignamente e do líder do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), Pedro Sánchez, que prometeu uma lei de morte digna se chegar a primeiro-ministro.

Pelo lado contrário, o apoio à atuação dos pediatras veio do governo galego presidido por Alberto Núñez Feijóo, da Sociedade de Pediatria da Galícia e do Arcebispado de Santiago. A Associação Espanhola de Advogados Cristãos anunciou ações legais contra o hospital por aceitar finalmente o pedido dos pais de Andrea.

Especialistas em bioética consultados por este jornal afirmam que a morte digna das crianças doentes ainda é um tema tabu. O Comitê de Ética Assistencial de Santiago, que analisou o caso de Andrea, integrado por 27 profissionais de diversos âmbitos não só de saúde, destacou em seu relatório que as decisões "no final da vida dos menores incapazes" são "especialmente" complexas por sua "dupla vulnerabilidade" e provocam "fortes sentimentos de proteção", que podem transformar esses pacientes em vítimas de "inércia e obstinação terapêuticas". "Só assim se pode entender que decisões de limitação do esforço terapêutico [como a retirada da alimentação artificial por sonda] em pacientes adultos em condições de saúde semelhantes sejam mais difíceis de tomar em crianças", salienta esse órgão em seu parecer, no qual reclama também "recursos assistenciais específicos (profissionais formados, espaços, procedimentos...) para o cuidado paliativo na etapa final da vida dos pacientes pediátricos".

Quando tinha apenas oito meses, Andrea deixou repentinamente de balbuciar, de manipular objetos, de manter-se sentada e de dar passos com o andador. Desde então e até sua morte, a menina batalhou junto com sua família contra os efeitos de uma doença rara, degenerativa, irreversível e sem diagnóstico firme, que a manteve nos últimos três meses internada no Hospital Clínico de Santiago. Após mais de uma década convivendo com a angústia de que a existência de Andrea poderia ser truncada a qualquer momento, seus pais admitiram que nunca imaginaram o calvário que os esperava: "Não estávamos preparados para que, quando o corpo de nossa filha deixasse de responder, não lhe dessem uma saída tão digna quanto havia sido sua vida". Finalmente conseguiram seu propósito.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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