"Há fundamentalismo aqui", diz prefeita de cidade belga adotada por jihadistas

Belén Domínguez Cebrián

  • Reprodução/YouTube/MRMAg TV

    Françoise Schepmans afirmou acreditar que há necessidade de reforçar "valores europeus" em Molenbeek para que o bairro tenha "mais equilíbrio entre a cultura árabe e a belga"

    Françoise Schepmans afirmou acreditar que há necessidade de reforçar "valores europeus" em Molenbeek para que o bairro tenha "mais equilíbrio entre a cultura árabe e a belga"

Françoise Schepmans, nascida em Bruxelas, em 1960, é um política liberal bem conhecida no âmbito da capital belga. Há três anos, cuida de liderar uma das comunas mais conflituosas, mas também pobre e mergulhada no desemprego --especialmente juvenil, com um índice de 40%-- de Bruxelas. Durante esse triênio como "burgomestra" (cargo semelhante ao de prefeita) de Molenbeek, Françoise viu vários moradores da área se envolverem em atentados jihadistas: no semanário francês "Charlie Hebdo", no Museu Judeu de Bruxelas, no trem Thalys e no último, mais mortífero, em Paris. "É verdade que há fundamentalismo aqui", admite em seu enorme escritório no centro do bairro.

A gestora pública recebeu muitas críticas nos últimos dias. Inclusive os partidos de oposição, encabeçados pelos socialistas, chegaram a culpá-la pelo massacre de 13 de novembro na capital francesa, em que 130 pessoas foram assassinadas e 350, feridas, segundo explica em entrevista ao "El País". "Nunca pensei que o impacto de Paris chegaria à Bélgica", disse. Schepmans está preocupada, mas diz sentir-se em um beco sem saída, por não ter competência em vigilância de suspeitos radicalizados, não poder efetuar detenções, etc.

"A polícia local e a federal deviam conhecer a periculosidade dos irmãos Abdeslam [Brahim, que se suicidou na noite dos atentados em Paris, e Salah, sobre o qual há uma ordem de busca e captura internacional]."

Mas não há coordenação suficiente na luta contra o jihadismo, segundo ela. Fontes da administração afirmam que, há alguns anos, os agentes locais enviaram informação à polícia federal sobre os irmãos Abdeslam. Contudo, só a polícia federal tem competência de vigilância e detenção de suspeitos de terrorismo. "Peço mais colaboração", insiste Schepmans.

Em seu luxuoso gabinete acarpetado, de mais de um século, onde se veem arandelas de cristal e até um retrato do arquiduque Alberto, elaborado na escola do pintor flamengo Rubens, do século 16, ela solicita do governo central mais ajuda para tomar medidas. "Queremos mais polícia, mais colaboração e mais dinheiro para prevenir o fundamentalismo."

Em Molenbeek, que tem cem mil habitantes, há uma imensa população muçulmana que se reúne toda sexta-feira para orar em 24 mesquitas ou centros de culto islâmico --contra cinco igrejas cristãs--, e Schepmans não hesitará se tiver de fechar algumas. "Sabemos em quais há um discurso mais radical e informaremos à polícia federal para que emita a ordem de fechamento."

Muitas operações policiais foram realizadas nesse distrito, e Schepmans não descarta que haja outras de hoje até a próxima segunda-feira (30), quando o governo voltará a revisar o nível de alerta terrorista.

Ela vive nesse bairro, no noroeste da capital belga, e desde seus 5 anos viu a "grande mudança" na vida socioeconômica da área. "Molen significa moinho, e beek, canal", explica. O distrito, por sua proximidade do canal, começou sendo industrial e de pequenos comerciantes. "Little Manhattan", como o apelidaram os residentes. A partir dos anos 1970 começou a chegar uma grande imigração do Marrocos e desde então "foi se criando o gueto", explica a gestora, timidamente.

Apesar de seu entorno reconhecer que o primeiro pensamento depois dos atentados foi: "Agora o foco está em nós", como descreve um dos funcionários da comuna, a líder local o nega. "Eu sempre me surpreendo que o autor seja de Molenbeek (...), mas devo salientar que na maioria dos casos os jihadistas estão de passagem, porque é aqui que têm contatos. As pessoas se juntam e se conhecem nas ruas e nos cafés, porque não há trabalho."

Nós próximos três anos que restam de seu mandato, esta prefeita liberal quer prevenir o fundamentalismo desde seu nascimento nos colégios, uma das razões pelas quais seus filhos adolescentes estudam em outro bairro. "Nas escolas de Molenbeek não há variedade suficiente. Há uma maioria árabe e muçulmana."

A administradora vê a necessidade imediata de implantar os valores europeus neste bairro para que haja mais equilíbrio entre a cultura árabe e a belga. Na última quinta-feira (19), o primeiro-ministro belga, Charles Michel, anunciou 18 medidas restritivas para "garantir" a segurança dos cidadãos belgas e especialmente bruxelenses. Um dos pontos se refere à criação de um plano de "prevenção e repressão" em Molenbeek. "Isso é fumaça", explicam outras fontes do partido de Schepmans. "Não há um plano. Mas abrimos a porta a qualquer ajuda", reiteram.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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