Le Monde: Protestos sociais inflamam o Brasil

Nicolas Bourcier

Em Brasília

Uma maré humana acaba de inundar o Brasil. Até onde os manifestantes se lembram, o país não passava por um movimento como esse de protestos sociais desde o final da ditadura em 1985 e as marchas contra a corrupção do ex-presidente Fernando Collor de Mello em 1992.

Em quase todas as cidades médias e grandes, dezenas de milhares de pessoas, a maioria muito jovens, se reuniram na segunda-feira (17) contra o aumento da tarifa do transporte público e os gastos colossais investidos na organização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

Uma revolta social de reivindicações múltiplas que foi se ampliando ao longo de toda a noite, nas ruas e nas redes sociais. Algumas fontes falam em um número superior a 350 mil manifestantes em todo o território.

Foram quase 70 mil em São Paulo, a capital econômica do país, onde começou o movimento depois que as autoridades decidiram aumentar o preço da passagem de ônibus de R$ 3,00 para R$ 3,20, no dia 2 de junho. A indignação reuniu inicialmente algumas centenas de manifestantes, antes de atingir 10 mil pessoas na quinta-feira (13), durante uma manifestação reprimida de forma violenta pela polícia, o que suscitou uma onda de indignação em todo o país.

Na segunda-feira à noite, as forças policiais se mantiveram discretas e à distância dos manifestantes, a maioria estudantes e pessoas de 40 e poucos anos. Houve tumultos durante a noite diante do Palácio do Governo do Estado de São Paulo.

No Rio, mais de 100 mil pessoas, de acordo com a polícia, marcharam tranquilamente no final do dia pelo centro antigo da cidade. Foi uma participação recorde, em protestos contra o aumento geral dos preços e a corrupção. Pouco antes da meia-noite, um pequeno grupo violento e determinado com cerca de trinta pessoas, atirando coquetéis molotov e pedras contra a Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, entrou no prédio pelas janelas, surpreendentemente pouco vigiado pela polícia, enquanto o grosso da manifestação permanecia concentrado pacificamente diante do teatro municipal. As tropas de choque os dispersaram durante a noite. Vinte policiais e 7 manifestantes ficaram feridos durante os confrontos.

Manifestações menores também ocorreram em Salvador, na Bahia, na segunda-feira, onde 5.000 pessoas protestaram de forma pacífica. Em Belém, quase 10 mil pessoas saíram às ruas. Outros milhares ainda se manifestaram em Porto Alegre e em Curitiba. Em Belo Horizonte, onde acontecia uma partida da Copa das Confederações, um mini-ensaio geral da Copa de 2014, a manifestação terminou em confusão e bombas de gás lacrimogêneo. Um homem caiu de um viaduto.

Um dos pontos altos da noite certamente foi o instante em que uma multidão de jovens – cerca de 200 – subiu de repente no teto do Congresso Nacional, em Brasília, sob o olhar incrédulo dos policiais. Uma imagem forte e simbólica dessa noite de fúria, que ultrapassou em muito a questão do aumento da tarifa do transporte. A partir das rampas de acesso e do grande gramado que dá para as portas de entrada dessa construção futurista projetada pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, cerca de 10 mil pessoas vaiaram a noite inteira uma parte dos parlamentares, gritando suas palavras de ordem com estrofes do hino nacional. "O Brasil acordou", era possível ler em vários cartazes.

"Tanto dinheiro para esses eventos esportivos, enquanto precisamos de tanto em matéria de educação, de saúde e de moradia, simplesmente não dá mais", explica Thiago Ribeiro, 23, estudante de comunicações na Universidade de Brasília. Ele mesmo, assim como muitos aqui, conta ter votado no Partido dos Trabalhadores (PT), o partido da presidente Dilma Rousseff. "Mas eu não caio mais nessa, são o sistema e as instituições que precisam mudar. Nossa geração merece mais". Ao seu lado, uma jovem levanta um cartaz anunciando "o início do fim da era PT".

Pouco antes do início das manifestações, o governo e os parlamentares locais alternavam os posicionamentos, deixando transparecer uma hesitação pouco habitual. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, figura em ascensão do PT, se encontrou com representantes do movimento, explicando que o aumento era inevitável por razões "técnicas".

Em um tom nitidamente mais firme, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, advertiu que ele não "permitirá que manifestações perturbem os eventos que nos comprometemos a realizar".

Já o presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA), Sepp Blatter, afirmou que o futebol era "mais forte" que os protestos de rua, elevando um pouco mais a tensão.

Dilma Rousseff, por sua vez, quis se mostrar mais conciliadora. Em um comunicado, a presidente afirmou que "as manifestações pacíficas são legítimas e próprias da democracia".

"É próprio dos jovens se manifestarem", ela disse. Essas palavras foram as primeiras a serem pronunciadas pela presidente brasileira sobre essas manifestações.

Tradução: UOL

OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)

  • PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio

  • Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional

  • Milhares de manifestantes tomam a avenida Faria Lima, em SP

  • Após protesto calmo em SP, grupo tenta invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo

  • Manifestantes tentam invadir o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio

  • Um carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado

  • Jovem é detida pela Brigada Militar durante protesto realizado em Porto Alegre

  • Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes

  • Estudante é preso dentro diante do Congresso Nacional

  • Manifestantes levam faixa alusiva a 1964 em Porto Alegre

  • Protestos pelo mundo, como este em Berlim, manifestam apoio aos atos no Brasil

  • Fotógrafos protestaram contra a violência da PM em relação aos jornalistas

  • Manifestante preso no protesto no dia 11 é solto em SP

  • Policial atinge cinegrafista com spray de pimenta

  • PM agride clientes de um bar na avenida Paulista

  • Policial atira bombas contra manifestantes

  • Cartaz faz referência à música Cálice, de Chico Buarque, escrita durante a ditadura

  • Manifestantes se ajoelham para tentar se proteger de ação policial

  • Mulher anda de bicicleta em meio a confronto entre policiais e manifestantes

  • Garota segura flor enquanto usa orelhão pichado durante protesto

  • Mulher é ferida na cabeça ao passar por confronto entre polícia e manifestantes

  • Policial atira contra manifestantes em rua do centro de São Paulo

  • Vídeo mostra policial quebrando o vidro do próprio carro da polícia em SP

  • Manifestante faz sinal da paz para policiais

  • Policial Militar aponta arma para se defender de agressores

  • Manifestantes se ajoelham diante de PMs durante protesto na avenida Paulista

  • Policial tenta apagar fogo provocado por manifestantes

  • Manifestantes fazem fogueira durante protesto contra o aumento das passagens

  • Manifestantes tomam a avenida Paulista no segundo protesto

  • Multidão participa do primeiro protesto contra a aumento na tarifa de ônibus

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