Violação vira política em Israel, diz ex-soldado

Hélène Sallon

Na esplanada do Teatro Habima, no coração de Tel-Aviv, algumas centenas de israelenses se reuniram, na quinta-feira (17) à noite, em torno do pequeno palco no qual ex-soldados foram compartilhar suas experiências passadas na Faixa de Gaza. Enquanto Israel entrava em conflito aberto com o Hamas, a menos de cem quilômetros de lá, eles ouviam em um silêncio grave o relato das humilhações e dos crimes perpetrados por seu Exército contra a população de Gaza. Os campos arrasados por escavadeiras. Os pescadores afastados da costa pelos tiros. As famílias paralisadas de medo durante a revista em suas casas. A prisão de homens do vilarejo. O aniquilamento de qualquer figura suspeita que se arriscasse a sair. O bombardeio intensivo de bairros inteiros.

"Vinte anos atrás, houve alguns casos de violação. Hoje, se tornou uma política. Tudo é adaptado a isso. Da primeira vez, ficamos em estado de choque, da segunda vez um pouco menos e, ao final de uma semana, já fazíamos aquilo naturalmente", conta Yehuda Shaul, co-diretor da organização Breaking the Silence, que organiza o evento. Com o quipá grudado sobre seus cabelos pretos cacheados, ele conta sobre uma noite durante a Copa de 2002, quando ele e sua unidade trancaram uma família palestina dentro do quarto para poderem assistir tranquilamente ao jogo na sala da casa.

Nadav, 28, que esteve em missão em Gaza no ano de 2008, conta como foi difícil falar, uma vez que voltou. "Demorei dois anos para falar sobre isso, para dizer que eu havia sido parte daquilo. Minha família teve dificuldades em aceitar que eu falasse sobre o que aconteceu lá e que eu criticasse o Exército". Jovens, velhos, intelectuais e estudantes vão chegando para mergulhar, através desses depoimentos, em um caos muito distante do clima leve que domina nessa cidade que é apelidada de Ha-Buah, "a bolha". "Estamos muito preocupados com essa loucura geral. Sabemos o que aconteceu lá. Não vai ajudar em nada ir lá, e muita gente perderá a vida", diz Yonathan Kich, um arquiteto de 50 anos. Iris, uma escritora de 54 anos, está lá por seus filhos, que estão na idade de cumprir o serviço militar.

"Fascismo"

"Eu devo a meus filhos essa conscientização sobre o fascismo que estão impondo aos palestinos", ela explica. "Ninguém mais critica a ocupação, isso se tornou uma norma em nossa sociedade", lamenta Ira, um músico de 23 anos. Ele diz não estar conseguindo julgar se é necessário, desta vez, enviar o Exército para dentro de Gaza. Ele só sabe que seus amigos reservistas convocados não querem ir.

Um pouco mais adiante, na entrada do bulevar Rothschild, atrás dos cordões de polícia, dezenas de jovens de bairros populares e membros de um movimento da extrema direita religiosa gritam a plenos pulmões seu ódio contra esses "esquerdistas malditos", esses "traidores" que conspurcam seu Exército. "Estamos apoiando nossos soldados que defendem nosso país", explica Yossi, um estudante de 19 anos. Ele não é a favor de uma operação terrestre, mas ele considera inconcebível criticar o Exército em tempos de guerra. Outros já elaboram planos para contornar a impressionante barreira de policiais e irem bater no "esquerdista" que eles querem ver "morto".

No sábado, alguns deles haviam atacado no mesmo lugar pessoas que protestavam contra a guerra em Gaza, causando três feridos. Na quinta-feira à noite, a situação novamente quase degringolou quando uma sirene de alerta anunciando o tiro de um foguete dispersou manifestantes e policiais. "Isso dá medo, sentimos que eles querem brigar. Eles vão acabar matando alguém", comenta um homem do bairro, alarmado com as incitações à vingança que ele ouve.

Alguns minutos depois, todos retomaram suas respectivas posições. Mas entre os "esquerdistas" só restavam alguns irredutíveis que não queriam ceder diante dos baderneiros. Os outros voltaram para casa com pesar no coração, para acompanhar pela televisão o início da ofensiva terrestre que acabava de anunciar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Tradutor: UOL

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