Dilma Rousseff não convence os operários do Estado de São Paulo

Nicolas Bourcier

  • Moacyr Lopes Junior/Folhapress

    Candidata à reeleição, Dilma e Lula fizeram campanha no início do mês em São Bernardo do Campo, berço político do PT

    Candidata à reeleição, Dilma e Lula fizeram campanha no início do mês em São Bernardo do Campo, berço político do PT

Eles chegaram cedo, acompanhados de uma tropa de militantes. Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva subiram em uma picape e a caravana partiu. Debaixo de sol, a longa rua comercial de São Bernardo do Campo, cidade industrial de 800 mil habitantes na periferia de São Paulo, quase parecia estar em festa.

A atual presidente, de pé, apertando mãos e distribuindo beijos e abraços, junto com seu antecessor e mentor passam a imagem de uma dupla política em forma. Pela primeira vez desde o avanço de sua rival socialista, Marina Silva, Dilma acaba de registrar uma ligeira vantagem em uma pesquisa sobre o primeiro turno da eleição presidencial, marcada para o dia 5 de outubro. Mas a atual presidente ainda sairia derrotada pela ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula no segundo turno, no dia 26 de outubro.

Como de costume o ex-presidente Lula estava à vontade, até um pouco mais do que em outros lugares: ali ele estava em casa, em seu berço político. Foi ali que ele chegou em um dia de 1952, como todos esses filhos desarraigados do Nordeste, pobres de tudo, que foram tentar a sorte nas grandes cidades do Sul na esperança de galgar a íngreme escada social brasileira. Foi ali que Lula começou sua carreira como operário sindicalista. Ali que ele fundou o Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda), que está no poder há doze anos. E é ainda ali que ele mora até hoje.

"O bem do país"

Então Lula, mais uma vez, com seu dom da oratória, parecia estar feliz de empolgar sua plateia, sobretudo com sua candidata em dificuldades: "Não existem duas escolhas nessas eleições, nem uma escolha e meia: pelo bem do país, votem na presidente!", disse ele diante de 1.500 apoiadores reunidos a seus pés. "Enquanto na Europa fecharam 62 milhões de empregos, a Dilma garantiu 11 milhões deles aqui no Brasil", completou. Depois, em um tom profético, com o dedo apontado para o chão, antes de passar a palavra para Dilma, declarou: "Nunca uma pessoa que pisou nesta praça perdeu uma batalha eleitoral".

Isso foi há alguns dias, e São Bernardo do Campo voltou à normalidade. Reduto do PT, a cidade manteve alguns cartazes da passagem de suas duas figuras de proa. Alguns poucos militantes continuam a agitar as bandeiras nas ruas. No entanto, assim como em outras cidades do cinturão "vermelho" de São Paulo, a cidade de Lula também registra um avanço da candidata Marina Silva. Assim como em outros lugares, o eleitorado do PT tem dado sinais de fragmentação.

O Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil com 22% do eleitorado, coloca Marina Silva amplamente na liderança com 40% das intenções de voto. Dilma Rousseff mal chega a 26%, ou seja, dez pontos a menos que no primeiro turno da eleição presidencial de 2010. Em São Bernardo do Campo, os números das duas candidatas quase se invertem, mas a tendência é a mesma.

Descontentamento

"As pesquisas de intenção de voto mostram que Marina Silva conseguiu captar aqui parte da classe média baixa, que são famílias de trabalhadores com renda de dois a cinco salários mínimos e que compõem uma categoria tradicionalmente fiel ao PT", observa Antonio David, pesquisador de ciências políticas na Universidade de São Paulo (USP). "Além das elites brancas e dos jovens instruídos, o eleitorado da Marina está começando a formar uma base extremamente ampla."

Desgaste, corrupção, desaceleração da economia… São Bernardo do Campo, assim como outros lugares, repercute o descontentamento atual. "Sempre votei no PT, mas não consigo mais, a imagem dele se deteriorou, as pessoas querem outra coisa e o discurso do Lula não vai mudar nada", desabafa Nilton Ferreira da Silva, ex-operário sindicalizado da Volkswagen, hoje motorista de caminhão. Repetindo o refrão ouvido nos mercados, nos restaurantes, nas lojas, ele diz: "Precisamos de uma mudança."

O historiador do PT e professor da USP Lincoln Secco reconhece que o partido não entendeu "a lenta erosão" que vem sofrendo há alguns anos: "Houve uma fratura durante as manifestações de junho de 2013. O PT não entendeu ou não quis entender que um novo ciclo político estava emergindo. Hoje ele aparece como um velho partido, como qualquer outro. Isso se sente até mesmo entre seus redutos tradicionais."Aos 36 anos, Denis G. se diz "cansado do PT". Pequeno artesão, ex-mecânico, nascido e residindo em São Bernardo do Campo, sem nunca ter saído de lá, ele ainda hesita entre Aécio Neves, o candidato socialdemocrata, e Marina Silva. "Reconheço que o PT fez coisas, como os postos de saúde, ou certos auxílios para as pessoas desfavorecidas, mas isso não é mais com a gente. O dinheiro público é injetado nas regiões mais pobres como o Nordeste e aqui nos postos de saúde faltam medicamentos", ele afirma.

"Uma mudança de verdade"

Assim como muitos, Denis critica o custo – R$ 18 milhões – do Museu do Trabalho e dos Trabalhadores, apelidado "Museu do Lula", situado no centro da cidade e ainda em obras: "Tanto dinheiro, sendo que as montadoras de automóveis reduziram o número de funcionários e seus fornecedores mudaram suas produções de lugar. Até a Villares, onde o Lula trabalhava como torneiro mecânico, não existe mais, deu lugar a um shopping center!". Ele acrescenta, direto: "Não quero saber se a Marina é evangélica, votarei nela porque espero uma mudança de verdade."

Ronaldo dá de ombros, como um eco distante dessa "fratura popular" provocada pelo duelo das duas candidatas e mencionada por André Singer, professor da USP. Operário aposentado, com 32 anos de fábrica em São Bernardo do Campo, ele assistiu ao comício de Lula e Dilma: "Sempre votei no PT e continuarei votando. Mas hoje tenho medo. Caso a Marina vença, tudo vai mudar." Ele cita as conquistas sociais, os investimentos públicos, o aumento dos salários, os direitos trabalhistas: "Ainda há muito a ser feito, mas se o PT for derrotado podemos dar adeus às políticas de distribuição de renda."

Ao lado das obras do "Museu do Lula", a imponente Igreja Universal do Reino de Deus, evangélica, não para de atrair gente. A rua comercial e suas bandeiras do PT estão logo ao lado. Mafalda se prepara para subir a grande escada do templo. A jovem olha e fala: "Já chega, o povo está cansado de tantas promessas."

Tradutor: UOL

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