A palmada tem um valor educativo?

Gaëlle Dupont

O Conselho da Europa, o órgão europeu de defesa dos direitos humanos, acredita que a legislação francesa "não prevê uma proibição suficientemente clara, restritiva e específica sobre os castigos físicos". A condenação, esperada para quarta-feira (4), é somente simbólica, sem força restritiva. E o governo já descartou qualquer mudança na lei. Mas ela reacendeu um debate polêmico na França: tapas e palmadas são úteis para educar as crianças ou seriam perigosos? Vários especialistas em infância já se manifestaram sobre o assunto e são poucos os que recomendam sua utilização.

A favor da proibição

Para os partidários de uma proibição simbólica no código civil, nenhum ato de violência é educativo. "Quando os pais usam a violência, a criança se endurece", segundo Olivier Maurel, um ex-professor que é um dos pivôs da campanha francesa anti-palmadas. "O corpo não entende se a intenção é educativa ou não. A criança adquire o gesto, aprende a violência através do exemplo". Cerca de 50% das surras são dadas em crianças com menos de 2 anos, que não têm nenhum meio de entender seu significado.

Somente as punições leves são geralmente consideradas como aceitáveis pela população. Mas nem todos têm o mesmo conceito de leveza: um tapinha pode parecer muito para uma pessoa, e pouco para outra. As correções muitas vezes são dadas de acordo com o humor do pai, mais do que segundo os atos das crianças, e por isso podem servir mais como válvula de escape para os adultos do que ferramenta de aprendizagem. O tapa pode permitir com que se consiga obediência da criança em um primeiro momento, mas não a longo prazo, o que levará a uma repetição do gesto.

Contra palmadas

Os psiquiatras infantis não querem dramatizar, os pais que deram algumas palmadas ou tapas na cara não são abusivos. Mas eles não recomendam o seu uso. "Os pais de hoje fazem menos isso, porque progrediram muito", opina o psiquiatra infantil Marcel Rufo. "A palmada aparece mais como uma perda de controle. Se você bate, é porque você não entende mais."

Para a psicanalista Claude Halmos, "o intuito da educação é que a criança se submeta às regras por ter entendido o sentido delas. A palmada não ensina nada a ela. Pelo contrário, ela lhe dá o exemplo da lei do mais forte! Dar uma palmada é usar e abusar de uma relação de forças desigual entre o adulto e a criança".

Mesmo o pediatra Aldo Naouri, favorável ao "restabelecimento da autoridade parental", se diz "categoricamente contra os castigos físicos". "Eu reprovo até mesmo o tapinha na mão. Considero que esses gestos sinalizam a falência dos pais e, ainda mais grave, atentam contra a dignidade da criança".

"Não sou contra as punições", diz a psicanalista Caroline Eliacheff. "Mas o ataque corporal é humilhante, ele fere. É preciso exercer uma autoridade que não seja um adestramento."

Menos radicais

O psiquiatra infantil Maurice Berger é um dos poucos a recomendarem a palmada (mas não o tapa na cara, que ele considera "humilhante"), mas dentro de condições muito específicas e complexas de se reunir: ela deve ser rara, não impulsiva, nem forte e nem fraca demais, e deve acontecer em um contexto de "relações habitualmente carinhosas".

A psicanalista e terapeuta familiar Caroline Thompson não defende os castigos físicos, mas não é radical. "Receber um tapa na bunda seria uma grande violência, comparado com tantas outras coisas vividas pelas crianças?", ela questiona. "Em minha prática, esse não é o problema principal mencionado pelas crianças ou pelos adultos quando eles falam de sua infância. A violência psicológica, sobre a qual é impossível de legislar, vem bem à frente."

Em 2002, uma "meta-análise" (nova análise de dados) de 88 estudos, publicada na revista americana "Psychological Bulletin", evidenciou uma correlação entre o fato de ter recebido surras (excluindo casos de maus-tratos) e uma maior agressividade posterior, a degradação da ligação entre pais e filhos, um aumento de comportamentos delinquentes ou ainda uma maior propensão a maltratar seus filhos.

"É certo que, quanto mais frequentes são as surras, maior é o risco de ver essas situações surgirem", segundo Elizabeth Gershoff, professora de psicologia na Universidade de Austin, no Texas, autora do estudo. "Mas não determinamos o limiar aquém do qual a violência seria inofensiva. Sendo assim, é melhor se abster dela completamente."

Outros estudos evidenciaram o risco de que se passem para maus-tratos. No Canadá, três grandes estudos mostraram que 75% dos casos de maus-tratos graves ocorreram durante episódios de punição física.

O que deve substituir as surras?

Os psiquiatras infantis são unânimes: a autoridade e as surras podem ser dissociadas. Não bater em uma criança não deve impedir de lhe dar limites. "Quando é não, é não, a ideia não é explicar ou negociar indefinidamente", acredita Gilles Lazimi, médico e coordenador da campanha antipalmadas da Fundação para a Infância. "Não estabelecer limites também é uma espécie de maus-tratos."

"A autoridade deve ser exercida, mas por outros meios, sendo um guia e não um pequeno chefe", segundo Edwige Antier, pediatra favorável à proibição da palmada. "Uma criança 'reizinho' pode levar uma surra. Deixam ela fazer tudo e depois batem nela". As alternativas são a fala em todos os casos, desviar a atenção (no caso das crianças menores, para impedir que elas façam determinados gestos), o afastamento do pai bravo e o isolamento da criança em plena crise (no caso das maiores)…

Devem-se criar leis?

Embora as opiniões sejam relativamente unânimes sobre a ausência de valor educativo da palmada, elas o são muito menos no que diz respeito à oportunidade de criar leis. Nos países que o fizeram, o uso de castigos físicos caiu. Na França, eles foram proibidos na escola. Mas um texto, ainda que simbólico e sem sanções, seria visto como uma intrusão inaceitável nos lares, em um país que continua impregnado pela cultura da autoridade paterna.

As crianças não são vistas na França como sujeitos de direitos, mas sim como propriedade de seus pais. "Não se pode bater em seu vizinho, em sua mulher, em um animal, mas em seu filho, sim", observa Lazimi. Uma lei como essa também poderia ser vista como um meio de minar a autoridade parental, num momento em que esta já vem sendo considerada em crise.

O secretário de Estado para a Família recomenda que os pais sejam acompanhados por uma política de Apoio à Paternidade. A demanda dos pais é grande. As famílias estão cada vez mais fragmentadas, as relações em família mudaram, as fórmulas educativas estão sendo menos transmitidas entre gerações. Mas essa política de apoio ainda está engatinhando.

Tradução: UOL
 

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