Após 6 anos preso, blogueiro do Irã redescobre internet e reclama do que vê

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Como ele próprio admite, Hossein Derakhshan se sentia como um "rei" no Irã. Um rei da internet. Considerado o "pai do blog" no país --esses mesmos blogs que se multiplicaram para enfrentar a censura do governo no início dos anos 2000--, esse jornalista iraniano-canadense registrava quase "20 mil visitas por dia" a sua página, que era inicialmente dedicada à internet mas depois se tornou um espaço de críticas contra o governo iraniano.

E então acabou. Preso em 2008, Hossein Derakhshan passou quase seis anos nas prisões do regime por "colaboração com o inimigo", "propaganda contra o regime", "insulto ao sagrado", "criação de sites imorais" e "contatos com os Estados inimigos". Seis anos sem computador, sem internet, sem rede, até que foi perdoado em novembro de 2014.

Depois de recuperar sua liberdade e, junto com ela, a 'World Wide Web', ele fez um relato na plataforma Medium sobre a internet que descobriu ao sair da prisão. Uma internet que ele não reconheceu.

"Seis anos na prisão é bastante tempo, mas em termos de internet, foi uma era inteira que se passou", ele conta.

Hossein Derakhshan deixou o mundo livre em 2008, a "era de ouro dos blogs", que, segundo ele, eram "o melhor lugar para descobrir ideias alternativas, informações e análises". "As pessoas liam atentamente minhas postagens, deixavam comentários pertinentes, mesmo aqueles que eram ferrenhamente contra minhas ideias me liam, outros blogs linkavam o meu para discutir o que eu escrevia...", ele lembra.

"Recebi três 'curtidas'. E só!"

Ele conta que, ao sair do cárcere da República Islâmica, "explicaram para mim a importância que as redes sociais haviam adquirido durante minha ausência, e que se eu quisesse ser lido, precisava usar as redes sociais".

"Então tentei postar no Facebook um link para um de meus artigos. Mas, aparentemente, o Facebook não ligou muito. A postagem lembrava um anúncio pago chato. Sem descrições, sem imagens, nada. Recebi três 'curtidas'. Três! E só!"

O rei do blog havia sido deposto e estava "devastado". O blogueiro não faz disso uma questão de ego, mas percebe o sintoma de uma mudança preocupante dos usos da internet. "A escrita na internet não mudou", ele analisa, "mas a leitura, ou pelo menos a maneira de proceder para ser lido, se transformou drasticamente", o que poderia acabar traindo os ideais da internet que ele tanto amava, e até mesmo empobrecê-la.

Fim dos hyperlinks

Foi-se o tempo em que os internautas consultavam discretamente os websites. Hoje eles são "alimentados por um fluxo incessante de informações escolhidas para eles por algoritmos complexos e misteriosos".

"A consequência é que as páginas da internet que não são hospedadas por redes sociais estão em vias de extinção", ele observa, lamentando a perda de liberdade que isso implica para os autores, desde o simples fato de não poder escolher a aparência de sua página até a incerteza sobre a capacidade de arquivar publicações caso estas sejam apagadas.

Também ficou no passado a lógica dos hyperlinks como sua "moeda". "Eles representavam o espírito da abertura, da interconectividade característica da 'World Wide Web', uma visão que começou com seu criador, Tim Berners-Lee." Ele os compara com os parâmetros das redes sociais, nas quais "geralmente não é possível colocar mais de um link em um post", isso quando não é possível postar nenhum, no caso de determinados sites.

De uma internet-livro para uma internet-televisão

De forma mais geral, ele lamenta uma internet que mudou de natureza, onde "há cada vez menos texto e cada vez mais vídeos e imagens em movimento", marcando a "transição de uma internet-livro para uma internet-televisão".

"A Web não foi pensada como uma forma de televisão quando foi criada, mas quer você goste ou não, ela tem ficado cada vez mais parecida com uma (...). Quando me conecto ao Facebook, é como se eu ligasse minha televisão pessoal. Só preciso rolar para baixo com meu mouse para ver as novas fotos de perfil dos meus amigos, pequenos trechos de opiniões pessoais sobre as atualidades, links para artigos com breves legendas, propaganda e, é claro, vídeos que tocam automaticamente. Às vezes compartilho, leio os comentários das pessoas, deixo comentários, abro um artigo. Mas continuo dentro do Facebook, que continua mostrando conteúdos que eu poderia apreciar. Essa não é a internet que eu conhecia quando fui para a cadeia. Esse não é o futuro da Web. Esse é o futuro da televisão."

"É uma grande perda em termos de poder intelectual e de diversidade", ele lamenta. "Antes a Web tinha poder e influência suficientes para me mandar para a prisão. Hoje, o que se encontra ali tem se parecido cada vez mais com entretenimento", ele conclui, "tanto que o Irã nem precisa mais bloquear certas redes sociais".

Tradução: UOL

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