Jovem "troll" que fingia ser terrorista pode pegar até 20 anos de prisão nos EUA

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  • Jared L. Christopher/AFP

    "Troll" de 20 anos pode ter incentivado ataque que deixou os dois atiradores mortos em Garland, no Texas, em maio

    "Troll" de 20 anos pode ter incentivado ataque que deixou os dois atiradores mortos em Garland, no Texas, em maio

Joshua Goldberg não é nem jihadista, nem blogueiro neonazista, nem ativista em busca de justiça social. Joshua Goldberg é só um jovem americano de 20 anos, que até alguns dias atrás vivia na casa de seus pais em Orange Park, na Flórida, a maior parte do tempo enclausurado em seu quarto.

Preso pelo FBI no dia 11 de setembro, ele pode pegar até 20 anos de prisão. Isso porque Joshua, ao longo de vários anos, ultrapassou com seu computador um nível jamais visto em matéria de "trolling", a arte de colocar lenha na fogueira no espaço da internet, e hoje é suspeito de atos de terrorismo.

Com o pseudônimo "Australi Witness", Golberg conseguiu se passar por um suposto simpatizante do Estado Islâmico residindo em Perth, na Austrália, que vários especialistas consideravam até algumas semanas atrás como um experiente recrutador virtual. Há suspeitas de que através do perfil no Twitter desse personagem totalmente inventado, hoje deletado, ele possa ter incentivado o ataque terrorista de Garland, no Texas, no dia 3 de maio, quando dois homens abriram fogo contra o centro cultural onde estava sendo realizado um concurso de caricaturas do profeta Maomé, e foram mortos pela polícia.

A conexão logo foi feita entre o grupo do Estado Islâmico e os dois homens, mas demorou um pouco mais para estabelecer a ligação entre os atiradores e Joshua Goldberg. Dois dias antes do ataque, o falso jihadista postou um tweet convocando "seus irmãos do Texas" a irem até o local "com suas armas, suas bombas ou suas facas" e revelou o endereço exato do evento. Uma vez anunciada a morte dos dois jovens agressores, Goldberg, usando o nome de Australi Witness, chegou a declarar: "Que Alá possa recompensar os mujahidin [guerrilheiros jihadistas] de Garland reservando-lhes um assento à direita do profeta no paraíso."

Apenas outro pseudônimo

Mas a persona de jihadista de Goldberg foi só mais uma dentre outras, tanto que ainda é difícil determinar quais eram suas verdadeiras motivações ao tomar parte, artificialmente, de todos os tipos de causas.

Hoje se sabe que ele começou a ser notado nos fóruns do Reddit e do 4chan, com o pseudônimo European88, com muitos posts antissemitas e racistas. No papel de neonazista, ele agiu mais seriamente com o nome de Michael Slay, a quem o site de extrema direita Daily Stormer concedeu vários artigos. Depois que foi preso, o administrador do site Andrew Anglin se apressou para publicar um artigo denunciando a farsa.

Foi através de sua conta no Twitter @MoonMetropolis, que até o momento continua ativa, que Joshua Goldberg forneceu falsas informações para um dos autores do blog de política Daily Kos, a respeito de Shaun King, um ativista do "Black Lives Matter", movimento pela defesa dos negros americanos. Suas conversas foram o ponto de partida de uma série de artigos questionando as origens "negras" de Shaun King, que por fim levaram-no a desmentir publicamente seu passado doloroso. Tanya Cohen, uma ativista dos direitos humanos autora de diversas publicações na mídia americana, também revelou-se como mais uma invenção do jovem nerd.

Usurpador de identidades reais

Goldberg não se divertiu somente forjando identidades falsas de ativistas de todos os gêneros ou de informantes anônimos. Ele também roubou identidades bem reais, e aliás Josh Bornstein, um advogado australiano, pagou bem caro por isso. No dia 9 de abril, ao acordar, ele descobriu várias mensagens de ódio dirigidas contra ele.

A razão desse surto foi um texto escrito em seu nome no site de notícias israelense "Times of Israel", no qual o impostor defendia "o extermínio rápido e impiedoso dos palestinos". Logicamente o perfil @MoonMetropolis foi o primeiro a postar o link para o texto, acompanhado de uma frase que hoje revela a extensão de seu jogo duplo: "Essa é a coisa mais repugnante e doente que já li. Leiam até o fim. Sério, vocês não vão acreditar." Logo depois Bornstein acusou a farsa e o "Times of Israel" deletou a página.

A ativista feminista australiana Caitlin Roper também foi vítima de um falso perfil no Twitter feito em seu nome, através do qual Goldberg fez com que fossem atribuídas a ela declarações raivosas contra transexuais e uma oferta de serviços sexuais. Quem também teve o perfil roubado foi o pregador muçulmano Junaid Thorne, também australiano, e suspeito de ter conexões com membros do EI. Na verdade, em falsas conversas, Goldberg também fez o papel de "falsos jihadistas" dirigindo-se regularmente ao pregador.

Goldberg cometeu seu primeiro erro justamente com Thorne, depois de ter criado uma última conta falsa no Facebook, dessa vez atribuída a Elise Potaka, uma jornalista australiana freelancer. Enquanto Goldberg se preparava para entrar em contato com ela fazendo-se passar por Junaid Thorne, Potaka já havia sido contatada pelo verdadeiro Thorne, curioso por ver que os dois perfis falsos tinham em comum um único "amigo": "Joshua Goldberg", cuja URL da conta não é nada menos que "facebook/moonmetropolis"...

"Um troll sofisticado"

 Elise Potaka e um de seus colegas, Luke McMahon, logo decidiram descobrir mais sobre esse internauta no mínimo perturbador. Suas conversas duraram meses. Pouco a pouco Goldberg foi lhes revelando suas múltiplas identidades, quase sempre ligadas à conta @MoonMetropolis através de retweets ou de comentários.

Ele chegou a contar a Luke McMahon que não sabia o número exato de jornalistas e de especialistas que foram enganados através do perfil Australi Witness, "um número alto para serem listado". Para McMahon, entrevistado pela BBC, não restaram dúvidas de que Goldberg "era um clássico troll de internet, mas um troll obviamente sofisticado", cujas motivações iam além de uma "cruzada ideológica". Se é que ele tinha algum tipo de ideologia, ela não iria além de uma "interpretação extrema da liberdade de expressão" da parte de um indivíduo "muito isolado socialmente", diz McMahon.

O segundo erro de Goldberg pode lhe custar bem mais caro do que a elaboração de tais "hoaxes". Uma declaração oficial do FBI revela que Goldberg teria, entre os dias 19 e 28 de agosto, "divulgado informações sobre a fabricação de explosivos, aparelhos de destruição ou armas de destruição em massa".

Na verdade, segundo o procurador do Middle District da Flórida, ele teria tido conversas sem querer com uma "fonte confidencial" e teria lhe dado vários conselhos de como fabricar uma bomba artesanal.

Ao mesmo tempo, ele enviou em ameaças de atentado um e-mail endereçado à redação da BBC: "Quero que vocês saibam que no próximo 11 de setembro uma bomba explodirá em uma grande cidade do meio-oeste dos Estados Unidos". Naquele 11 de setembro, Joshua Goldberg foi detido em sua casa, diante de seus pais perplexos, e está sendo tratado por "desequilíbrio psicológico", de acordo com seu advogado.

Tradução: UOL

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