Como o Uber burla o fisco francês

Jean Baptiste Jacquin

A startup californiana reduz suas atividades na França para não pagar impostos

Neste momento em que os países europeus estão começando a rastrear a subtributação das gigantes americanas do setor digital, o Uber bem que gostaria de não ser colocado no mesmo saco.

No entanto, o grupo californiano, cujo aplicativo móvel tem contra si taxistas do mundo inteiro, escolheu uma estratégia de registro de suas filiais muito parecida com a do Google, da Amazon e do Facebook.

O resultado desses circuitos monetários entre entidades de diferentes países é que os impostos muitas vezes são pagos, quando são pagos, em terras afastadas e mais clementes do ponto de vista fiscal que os países onde a atividade econômica está situada.

No caso da França, a filial comercial do grupo fundado e dirigido por Travis Kalanick declara um faturamento um tanto distante do volume de atividades realizado pelos motoristas que operam sob sua bandeira.

Para o ano de 2014, a empresa Uber France SAS ainda não apresentou suas contas ao tribunal de comércio de Paris, contrariando suas obrigações regulamentares, que determinam a data-limite para 31 de julho.

Mas Zac de Kievit, diretor jurídico para a Europa, apresentou números durante sua audiência na 31ª câmara do tribunal correcional de Paris, no dia 30 de setembro.

"A Uber France SAS realizou um faturamento de 6 milhões de euros [R$ 25 milhões] e um lucro líquido de 500 mil euros [R$ 2,11 milhões] em 2014", afirmou.

Matriz na Holanda

Esse faturamento de fato corresponde à remuneração das prestações de serviço que o Uber França realiza para sua matriz na Holanda, o Uber BV.

O dinheiro pago pelos clientes do Uber após cada corrida efetuada em veículo de turismo com chofer (VTC) ou com o UberPop (que operava em 2014) é coletado diretamente pelo Uber BV. Este repassa uma vez por semana aos motoristas, após descontar uma comissão de 20%, o produto de suas corridas.

Esses circuitos financeiros não passam em nenhum momento pelo Uber França, este sendo unicamente encarregado de realizar em nome dessa sociedade de direito holandês, que é a verdadeira operadora do Uber na França, atividades de marketing, assistência e treinamento de motoristas, adaptações técnicas da plataforma, relações públicas etc. Para isso, a estrutura francesa já conta com 70 funcionários.

O faturamento que o grupo californiano realiza na França, que corresponde à sua comissão de 20% sobre cada corrida, e seus lucros escapam do fisco francês pois são declarados na Holanda pelo Uber BV.

Segundo estimativas feitas pelo "Le Monde", as receitas reais do Uber na França em 2014 estiveram entre 15 e 20 milhões de euros, um tanto distante dos 6 milhões de euros que o Uber France SAS deverá declarar ao fisco.

"As contas serão apresentadas até o dia 30 de novembro", promete um porta-voz, que justifica esse atraso alegando a troca de administradores dentro da empresa, um motivo que surpreendentemente é aceito pelo fisco para conceder uma dispensa para o prazo de publicação das contas.

Mais uma prova de que o faturamento que o Uber declara na França não tem relação com sua real atividade é o fato de que ele passou de 2,1 milhões de euros em 2012 para 1,8 milhão de euros em 2013 e depois a 6 milhões de euros  em 2014, anos que deveriam ter tido um crescimento regular e forte.

Quanto aos 500 mil euros de lucros, eles também estão distantes da verdadeira margem do Uber na França, e não deverão ser tributáveis devido aos relatórios deficitários dos exercícios anteriores.

Ciente de estar exposto a críticas no terreno fiscal, o Uber assume que se implantou na Holanda.

"Queremos ser flexíveis em nosso crescimento europeu, decidimos implantar nossa principal filial em Amsterdã em função de nossos interesses", diz um porta-voz. "O Uber BV emprega no país 300 pessoas e não é uma empresa de fachada."

Para evitar as críticas, o Uber pretende exaltar os benefícios que a economia francesa ganha com sua presença. Thibaud Simphal, presidente da empresa na França, lançou uma série de estudos à qual ele pretende dar credibilidade com a ajuda de uma grande consultoria.

O principal elemento de sua demonstração é reafirmar que o primeiro nível de atividade econômica está bem preservado no território: 80% da receita das corridas são repassados a cada motorista, ainda que não se saiba seu montante global, uma vez que esses números são não divulgados.

O Uber vai mais longe ao afirmar que quase um quarto de seus 10 mil motoristas de VTC (contra 4 mil há um ano) estavam desempregados antes de irem trabalhar para o Uber, sendo que boa parte deles estava sem emprego há muito tempo.

"Isso representa uma economia de 75 milhões de euros para a coletividade", afirma a startup, baseando-se no custo do auxílio-desemprego estimado pela OCDE.

O grupo americano também afirma ser responsável pelo desenvolvimento de um ecossistema que envolve desde locadoras de carros até bancos e instituições de crédito, passando por montadoras de automóveis e seguradoras. O Uber afirma ter contribuído dessa forma "à criação de 200 milhões de euros em atividade econômica na França em 2015", que por sua vez gerou receitas fiscais.

Em suma, o Uber quer mostrar que a perda fiscal para a França ocasionada por seu exílio holandês é muito inferior em relação ao benefício fiscal da atividade que ele cria direta e indiretamente no território. Resta saber se isso será suficiente para convencer as autoridades, que não pretendem mais permitir que as gigantes americanas do digital deixem de pagar impostos.

Ainda mais pelo fato de que a Europa também poderá temer que a empresa americana reedite a operação em um nível superior, uma vez que a holding europeia do Uber paga taxas a uma empresa de fachada registrada nas Bermudas, o que diminui ainda mais a base de lucros tributáveis (ainda que a uma baixa alíquota) em Amsterdã, prova de que a otimização fiscal está integrada na estratégia dessas empresas internacionais desde que são criadas.

Tradutor: UOL

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