Síria e Iraque: os pontos cegos do presidente Barack Obama

Gilles Paris

  • Evan Vucci/AP

    Ao se opor à guerra contra Saddam Hussein, Barack Obama muitas vezes se viu isolado na questão do Oriente Médio

    Ao se opor à guerra contra Saddam Hussein, Barack Obama muitas vezes se viu isolado na questão do Oriente Médio

A maldição do Oriente Médio persegue Barack Obama. No dia 13 de novembro, a emissora de TV ABC exibiu uma entrevista com o jornalista George Stephanopoulos. Com base nos avanços registrados em campo, sobretudo no norte do Iraque, o presidente dos Estados Unidos afirmou que o grupo Estado Islâmico agora estava "contido". Algumas horas mais tarde, os atentados de Paris desencadearam uma onda de críticas contra ele.

Três dias depois, em paralelo à cúpula do G20 em Antalya, na Turquia, Barack Obama --que iria se encontrar com François Hollande na terça-feira (24)-- foi questionado sobre as limitações de sua estratégia para conter os jihadistas. Ele afastou os críticos friamente, com uma irritação cada vez mais evidente. No dia 2 de outubro, ele já havia considerado como "conversa fiada" as propostas vindas de militares, além de figuras republicanas e democratas, para reforçar a pressão sobre os jihadistas.

Obama esteve muitas vezes isolado quanto à crise que vem abalando o Oriente Médio há mais de uma década. Quando ele discursou em Chicago, no dia 2 de outubro de 2002, o jovem senador de Illinois já estava sozinho. O candidato democrata às presidenciais de 2004, John Kerry, atual secretário de Estado, votou a favor da intervenção no Iraque. Foram necessários cinco anos de apuros para que a opinião pública americana reconsiderasse os opositores do início.

Quando Obama entrou na Casa Branca, no dia 20 de janeiro de 2009, em um país assolado pela crise dos subprimes, ele pretendia colocar um fim aos conflitos no Iraque e no Afeganistão. Estabilizado a duras penas nos últimos meses da presidência de George W. Bush através do envio temporário de reforços ("surge") e de uma estratégia contra-insurrecional que contava com tribos sunitas, o Iraque não era mais uma prioridade, ao contrário do Afeganistão, para onde foram enviados reforços. Washington pensou que o braço iraquiano da Al-Qaeda havia sido esmagado.

Essa estabilização permitia que o presidente americano mantivesse o cronograma de retirada das tropas americanas, considerada por seu antecessor, até o final de dezembro de 2011. Mas será que os Estados Unidos deveriam deixar no local uma força extra residual? Uma divergência quanto ao status jurídico desses militares foi usada por Obama para anunciar, no dia 21 de outubro de 2011, a partir da sala de imprensa da Casa Branca, a retirada total das tropas americanas até o dia 31 de dezembro de 2011. "Deixamos para trás um Estado soberano estável, autossuficiente, com um governo representativo eleito por seu povo", comemorou o presidente americano diante dos soldados, no dia 15 de dezembro, em Fort Bragg. Não teria a execução de Osama Bin Laden, seis meses antes, no dia 2 de maio, já dado um golpe fatal contra a Al-Qaeda?

"Assad atravanca o caminho"

Com essa retirada, Obama ficou sem visibilidade sobre o Iraque enquanto não tinha quase nenhuma sobre a Síria. Após cinco anos de ausência, um embaixador americano, o diplomata Robert Ford, voltou a Damasco em 2010. Alguns meses mais tarde, em março de 2011, Damasco testemunhou suas primeiras manifestações que prenunciavam uma guerra civil.

A Síria entendeu a extensão do caos iraquiano ao acolher em seu território centenas de milhares de refugiados, e depois foi sua vez de mergulhar no caos, com a militarização do levante desejado pelo regime e provocado por sua repressão brutal. Em outubro de 2011, Robert Ford, que corajosamente percorreu um país em revolta apesar das ameaças, foi evacuado. Dois meses antes, em 18 de agosto, Obama havia decidido: "O futuro da Síria deve ser determinado por seu povo, mas o presidente Assad está atravancando seu caminho. (...) Chegou a hora de ele sair."

No entanto, nenhuma resolução da ONU veio solenizar esse objetivo. A Rússia, que foi pega de surpresa alguns meses antes na Líbia, montou guarda para impedir qualquer mudança de regime, e a rebelião foi aos poucos sendo dominada pelos grupos jihadistas ou salafistas que podiam ter apoiadores no Golfo.

No Iraque, a situação não era muito melhor. O primeiro-ministro xiita, Nouri al-Maliki, incentivava os conflitos religiosos. A etapa primordial da contra-insurreição, que era conquistar "corações e mentes" da população sunita, foi perdida.

O ano de 2013, de ambos os lados da antiga fronteira entre Síria e Iraque, foi o da reviravolta. Abu Bakr al-Baghdadi, líder do EI no Iraque, herdeiro da Al-Qaeda, se aproveitou do caos na Síria para avançar seus peões. Sua intenção era menos combater Bashar al-Assad do que talhar um território contíguo ao Iraque no qual pudesse exercer sua férula. Essa divergência provocou a ruptura com os líderes históricos da Al-Qaeda.

Washington acompanhou essa dupla degradação à distância. No dia 31 de agosto de 2013, Barack Obama optou por não intervir, embora o regime sírio tivesse acabado de utilizar armas químicas contra sua população no subúrbio de Damasco. Só que essa era uma "linha vermelha" americana, que os jihadistas transformaram em um poderoso argumento de propaganda para denunciar o discurso ambíguo dos americanos sobre Bashar al-Assad.

A situação não era muito mais favorável no Iraque, onde o regime de Nouri al-Maliki foi perdendo espaço progressivamente nas províncias sunitas de Nínive e de Anbar. O primeiro-ministro iraquiano foi em novembro a Washington implorar por uma ajuda militar dos americanos, mas a confiança já havia sido abalada.

Miopia

No dia 27 de janeiro de 2014, a revista "The New Yorker" publicou um extenso perfil sobre Obama. Há alguns dias a bandeira negra dos jihadistas voltara a tremular sobre Falluja, no Iraque. Haveria um símbolo melhor do que esse para "acordar" Washington? "Não é porque você veste a camisa dos Lakers que você vira o Kobe Bryant", relativizou o presidente, em uma metáfora que até hoje lhe vale críticas. Ele comparava o poder da Al-Qaeda versão Osama Bin Laden, capaz de operações terroristas sofisticadas, com ao desses novos jihadistas "engajados em uma série de lutas pelo poder, disputas locais às vezes sectárias."

A miopia americana durou até a queda de Mosul, em junho. O presidente, que permaneceu em sua trajetória, alguns dias antes, em West Point, havia teorizado sobre os limites e os perigos do poderio militar americano, uma ferramenta que segundo ele podia provocar mais danos do que progressos. O avanço jihadista o obrigou a recorrer a ele no dia 7 de agosto, para proteger as províncias curdas. A aviação americana retomou seus bombardeios, que se estenderam um mês depois até o território sírio. Considerado corresponsável pelo fiasco, Nouri al-Maliki foi obrigado a renunciar e foi substituído por Haider al-Abadi, em troca de uma ajuda emergencial dos americanos.

Mas Obama continua sendo esse "guerreiro reticente" pouco à vontade com as forças armadas. "Ainda não temos uma estratégia", ele admitiu desajeitadamente no dia 28 de agosto, antes de elaborar uma às pressas, no dia 10 de setembro, com o objetivo de enfraquecer e por fim destruir o "EI e o califado" proclamado por Abu Bakr al-Baghdadi. E como ele faria isso? Como estava fora de questão enviar forças combatentes e voltar atrás na promessa feita como candidato em 2008, seria preciso se contentar com bombardeios aéreos, apoiando-se em tropas iraquianas que, no entanto, debandaram diante dos jihdistas e em uma improvável coalizão de rebeldes sírios, que teria de lutar contra os jihadistas sem se preocupar com o Exército sírio que prolongava o martírio do povo.

Mas não teria Obama zombado dos "fazendeiros e dos dentistas" que compunham essa oposição, que seus conselheiros, desde a secretária de Estado Hillary Clinton até o secretário da Defesa Robert Gates, queriam apoiar já no outono de 2011? Ele continuou se recusando a esboçar qualquer "mea culpa" sobre esse ponto. Desde então, o Estado Islâmico se tornou a força dominante da jihad mundial, agora diante do olhar alarmado dos Estados Unidos.

Tradutor: UOL

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