Jovens da periferia de Beirute ainda sonham com tempos melhores na Alemanha

Laure Stephan

  • Marcel Vincenti/Colaboração para o UOL

    Mulher síria pede esmolas com criança de colo em avenida à beira do mar Mediterrâneo de Beirute. Há pelo menos 1,2 milhão de refugiados sírios vivendo no Líbano atualmente

    Mulher síria pede esmolas com criança de colo em avenida à beira do mar Mediterrâneo de Beirute. Há pelo menos 1,2 milhão de refugiados sírios vivendo no Líbano atualmente

Moustapha D. se sente um desmancha-prazeres quando conta a seus amigos, sob os tetos miseráveis de Bir Hassan, no subúrbio da zona sul de Beirute, sobre seu sonho com a Alemanha que não deu certo. Junto com a mulher, as filhas e seu bebê de dez meses, com passaportes libaneses em mãos, eles avançaram até a fronteira entre a Sérvia e a Croácia, mas depois voltaram, pois viram que a realidade era outra e que passar pelas fronteiras havia ficado mais complicado.

O jovem de 30 anos, que voltou no fim de outubro para as ruelas perto da embaixada do Kuwait, descreve os coiotes turcos e os intermediários sírios em Izmir, no oeste da Turquia: "bandidos, mentirosos, que cobram até os coletes salva-vidas". Ele conta sobre as horas assustadoras passadas em mar, a caminhada sob chuva, os ônibus lotados, as brigas entre os imigrantes, o racismo dos policiais ou dos comerciantes "que não gostam dos árabes".

Moustapha fala ainda sobre o drama vivido em outubro pela família Safwan, originária de Ouzai, um subúrbio vizinho, no qual nove pessoas morreram na travessia entre Turquia e Grécia. Mas Hoda C. se recusa a duvidar. "Cada experiência é diferente", comenta essa mãe de família, coberta pelo véu. Enquanto seu vizinho fala, ela separa os últimos pertences em seu apartamento de um quarto, que vendeu para pagar a viagem: um calendário de uma associação de caridade, sapatos de salto roxo, pastas de crianças. Quando Hoda, 25, partir com sua família, eles não levarão nada. "Meu marido continuará sendo mecânico na Alemanha, mas terá um salário decente, e nossos filhos terão um pouco de dignidade, terão uma boa educação."

"Instabilidade permanente"

Seus quatro filhos a olham com olhos tristes, segurando sacos de salgadinho. Eles não se matricularam mais na escola medíocre que frequentavam, a única que cabia no bolso da família, desde que seus pais decidiram deixar para trás as ruelas de asfalto quebrado de Bir Hassan. Além disso, afirma Hoda, "há os jovens do bairro que se drogam e a pobreza agravada pela concorrência dos refugiados sírios, 1,2 milhão deles no Líbano."

Quando as imagens dos fluxos de sírios fugindo da guerra em direção à Europa invadiram as TVs durante o verão, Hoda as olhava "sem dar muita bola". Depois o rumor se espalhou pelas partes mais decadentes de Bir Hasan, de que jovens da periferia teriam chegado à Alemanha, esse "paraíso" onde uma geração antes deles se instalou. Os vídeos enviados por WhatsApp por seus vizinhos quando eles chegaram mostraram o que os aguardava, e dessa vez o marido de Hoda disse: vamos também.

Mahdi, 16, é um desses jovens que chegaram à Alemanha. Em um dos raros cafés de Bir Hassan, um lugar sem alma e com uma mesa de pebolim, Ali, 20, com a expressão séria e a voz cheia de raiva, explica que seu irmão caçula está desde outubro em um abrigo em Dortmund. Enquanto ele avançava pela rota dos imigrantes, seus pais choravam, esperando o telefone tocar.

"Eu gostaria que as pessoas não pensassem mais em imigrar, que houvesse uma solução para suas dificuldades. Mas o que esperar de dirigentes que não são nem capazes de resolver uma crise [de gestão] do lixo que já dura mais de quatro meses?", diz Ali, um dos poucos universitários da periferia. Ele não quer ir embora, ainda que o Líbano viva essa "instabilidade permanente."

Desde setembro, foram centenas os que deixaram as casas miseráveis de Bir Hassan, Ouzai, Jnah, no subúrbio da zona sul de Beirute. A prefeitura de Ghobeiry diz não ter números e "não poder segurar esses pobres coitados". Também há quem tente sair a partir de outras cidades, como Trípoli, no norte. O número de partidas é difícil de estimar porque a maioria desses libaneses, dentre os quais alguns jogam fora seu passaporte uma vez na Europa ou obtêm documentos sírios falsos, traficados em Izmir, chegam legalmente à Turquia, onde eles não precisam de visto. Mas embarcações clandestinas também foram interceptadas ao largo da costa libanesa, levando a bordo libaneses, palestinos do Líbano ou sírios.

Apesar das tensões na Europa em relação aos refugiados, após os atentados de Paris e a passagem de dois dos terroristas através da rota da Grécia, e das restrições impostas pelos países dos Bálcãs, habitantes de Bir Hassen começaram a partir em meados de novembro para a Turquia. Mas os crescentes obstáculos poderão desencorajar esses planos.

Contudo, o sonho da Alemanha continua intacto para Hoda. Em breve começará a passar por sua casa o cortejo dos parentes e amigos chegando para se despedir. Moustapha se cala diante de sua determinação, guardando para si a culpa que o atormenta por ter exposto seus filhos ao perigo do mar. Depois de sua breve viagem ele perdeu o emprego de chofer, pelo qual recebia US$ 600 (R$ 2.245) por mês. Assim como outros jovens que voltaram, ele terá de recomeçar do zero sua vida em Bir Hassan.

Tradutor: UOL

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