Análise: Saída do Reino Unido da União Europeia seria um tiro no escuro

Martin Wolf

  • Matt Dunham/AP

O ano de 2016 será o da "renegociação" das relações do Reino Unido com a União Europeia (UE) e do referendo sobre a possível saída britânica do bloco. O primeiro-ministro, David Cameron, tem razão em ao menos um ponto: "Talvez seja a decisão mais importante que teremos de tomar em toda nossa vida".

A seguir, sete reflexões sobre essa escolha estratégica.

1 -Nenhuma mudança na relação entre o Reino Unido e a UE estava planejada. O mais sensato para um conservador teria sido deixar as coisas como estão. O primeiro-ministro britânico o fez por questões de gestão interna de seu partido e agora, devemos enfrentar suas consequências.

2 -A premissa da chamada renegociação é tola. A posição de Cameron foi de que "o melhor futuro do Reino Unido está em uma UE reformada". O que significa implicitamente que o futuro do Reino Unido não está na UE tal como ela é hoje, mas que uma renegociação radical remediaria isso. Uma posição pouco convincente, como observaram os eurocéticos.

Isso porque as mudanças desejadas por Cameron são, na melhor das hipóteses, modestas, e aquilo que ele conseguirá será quase que certamente menos que suas demandas. Ainda que ele as obtenha, as modificações, sobretudo quanto ao pagamento das alocações sociais, quase não afetarão a imigração, a questão mais delicada.

Será fácil para os eurocéticos dizerem que, como a UE permanece fundamentalmente não reformada, a lógica da premissa do primeiro-ministro é de sair dela. Infelizmente, eles terão razão. 

3 -O debate se perderá nos detalhes técnicos. Só que a decisão é essencialmente estratégica. A questão é saber se o melhor futuro para o Reino Unido é ser um Estado soberano independente pelo menos na teoria, ou ser membro de uma parceria desordenada de Estados europeus.

O grande argumento para justificar a saída é dizer que o Reino Unido vem se autogovernando há muito tempo de maneira democrática e que nenhuma adaptação poderia ter a mesma legitimidade. O contra-argumento é que o Reino Unido, que representa menos de 1% da população mundial e menos de 3% de sua produção, pode realizar mais eficazmente aquilo que deseja do lado de dentro do clube europeu. Os principais aliados do Reino Unido estão convencidos disso, e eu também. 

Pedir por um status quo

4 - Ainda que a escolha seja estratégica, os detalhes do processo são complexos demais para que o público possa realmente julgar. Consequentemente, é inevitável que o referendo acabe sendo determinado pelo medo, pela esperança ou pela confiança.

A opinião pública provavelmente estará mais disposta a acreditar naqueles que enfatizam as vantagens que há em ficar e, portanto, pedem por um status quo com o qual os britânicos estão acostumados.

Além disso, é difícil afirmar que a UE infligirá coisas terríveis ao Reino Unido uma vez que até o momento ela não fez nada do tipo. Os supostos obstáculos à flexibilidade do mercado de trabalho não impediram, por exemplo, ajustes pós-crise extraordinariamente eficazes. 

5 - Se a votação a favor de permanecer na UE equivale a prolongar um status quo desconfortável, a votação a favor da saída abriria uma via para o desconhecido. Os cidadãos ignoram quais serão os objetivos das negociações sobre as novas relações com a UE. E como é provável que o primeiro-ministro tenha saído até lá, eles ignorarão quem será o encarregado dessas negociações.

Eles não saberão como os membros restantes da UE e da Escócia reagirão, ainda que a saída da Escócia do Reino Unido tenha se tornado menos provável em razão da queda do preço do petróleo. Por fim, eles não saberão de que maneira reagirá o meio empresarial. Uma votação a favor da saída seria um tiro no escuro. 

6 - A escolha coerente da permanência na UE é de sair totalmente dela, ou seja, adotar um modo de relações internacionais regido pelas regras da Organização Mundial do Comércio. Todas as outras posições obrigariam o Reino Unido a aceitar uma grande parte das regras mais onerosas da UE, ao mesmo tempo em que reduziria consideravelmente seu papel em sua definição.

A Suíça e a Noruega, por exemplo, são ligadas pelas regras de livre-circulação das pessoas. A Suíça precisa estar em conformidade com 120 tratados bilaterais fechados entre parceiros desiguais. Se quiser ser plenamente soberano, o Reino Unido deverá renunciar a todos os privilégios da adesão.

7 - Se o resultado for apertado, o referendo pode acabar não resolvendo nada. Esse pode ser o caso se, o que é provável, a movimentação eurocética do partido conservador continuar. Mas o resultado a longo prazo também dependerá daquilo que acontecer no resto da UE, e isso também é cada vez mais imprevisível.

Portanto, sejam bem-vindos a um ano de debates dolorosos e inúteis.

Cameron apresenta demandas para permanecer na União Europeia

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Tradutor: UOL

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