"É triste um revolucionário virar ladrão", diz ex-rebelde sírio

Benjamin Barthe

Enviado especial a Gaziantep (Turquia)

  • Alaa Al-Faqir/Reuters

    Soldado do Exército Livre da Síria conversa por walkie-talkie perto de lançador de foguetes durante preparação de ataque às forças que apoiam Bashar al Assad

    Soldado do Exército Livre da Síria conversa por walkie-talkie perto de lançador de foguetes durante preparação de ataque às forças que apoiam Bashar al Assad

Bombardeios russos contra rebeldes moderados do Exército Livre da Síria (ELS) acentuam a desilusão dos combatentes

O Exército sírio não é o único a sangrar por dentro. O Exército Livre da Síria (ELS), o braço moderado da rebelião, também está sendo afetado pelas "deserções". Oficialmente, seus líderes afirmam que a intervenção militar russa aumentou muito a motivação de suas tropas. "Nossos combatentes estão mais determinados do que nunca a expulsar da Síria esses novos ocupantes", afirma Kotaiba Dougheim, o conselheiro político de uma brigada do ELS.

Mas em um café do centro antigo de Gaziantep, ao sul da Anatólia, três ex-rebeldes, que agora fazem bicos na construção civil, dizem o contrário. "Desde que começaram os bombardeios russos em outubro de 2015, o número de deserções disparou", conta Abou Islam, pseudônimo de um ex-soldado da revolução, de 32 anos de idade. "Nós conhecemos centenas de sírios que abandonaram o campo de batalha e emigraram para a Alemanha. O ELS está sendo obrigado a recrutar cada vez mais jovens inexperientes. Pessoas como nós entenderam e foram embora."

Ausência de qualquer perspectiva

Eles se conheceram em um dos emblemáticos combates da rebelião, a tomada da escola de infantaria de Aleppo, em dezembro de 2012. Foi a era de ouro do levante anti-Assad. O norte da Síria vinha caindo cidade por cidade nas mãos dos insurgentes, e os jihadistas ainda não dominavam o local. "Achávamos que a queda do regime era questão de um mês", conta Hussein Abou Louna, de 23 anos.

Todos os três, oriundos de meios populares sunitas, trabalhavam ou estudavam em Damasco quando as primeiras manifestações contra o regime estouraram em março de 2011. Após alguns meses de repressão, eles se juntaram à rebelião ao norte, onde grupos armados começavam a surgir, liderados por certos tipos insolentes e audaciosos que se improvisaram como comandantes de guerra.

Mohammed Khalouf, 25, que era gerente de uma loja de roupas no subúrbio da capital, entrou para a Brigada dos Mártires da Síria, comandada por Jamal Maarouf, um ex-operário da construção civil. Hussein Abou Louna, expulso de seu colégio por ter participado de uma passeata contra o regime, entrou para a Brigada Al-Tawhid, dirigida por Abdel Kader Saleh, um ex-comerciante de mel da região de Aleppo, situação semelhante à de Abou Islam, que antes da revolução tinha uma loja de acessórios para celulares.

"Na época de Abdel Kader Saleh estávamos bem. Ele era o mais respeitável de todos os comandantes do ELS", diz Abou Islam diante de seus companheiros, que concordam. "Ele era sempre o primeiro do front. Mas após sua morte, em novembro de 2013, durante um bombardeio aéreo, a anarquia se instalou na brigada", ele diz, ressaltando a fragilidade de muitos desses grupos armados, muitas vezes construídos sobre o carisma e a rede de contatos de um único indivíduo.

"Maarouf era inteligente, mas ganancioso e egoísta, guardava os espólios de guerra para si", emenda Hussein. "Do ponto de vista financeiro, a situação era muito difícil. Acabamos tendo de saquear casas abandonadas para ter o que comer. É triste um revolucionário virar ladrão".

A estagnação dos combates, a partir do final de 2013, e a ausência de qualquer perspectiva de resolução do conflito acentuaram rapidamente a angústia das tropas da insurreição. "Deixei a brigada após a batalha da base 80, em Aleppo, em janeiro de 2014", conta Abou Islam. "Eu era adjunto de um comandante e vi meus amigos de infância morrerem na minha frente. A morte também me esperava. Eu havia me tornado um simples peão, uma peça a ser queimada. Não conseguia mais aguentar."

Para Mohamed, a gota d'água veio com uma ferida na perna, quando ele entrou para a divisão 13, uma das unidades mais poderosas do ELS, comandada por Ahmed Saoud, um ex-coronel do Exército regular. "Tive a sensação de estar sendo descartado. Não recebi ajuda, nem uma única visita, nem recebia notícias. Além de tudo, quando não se tem uma perspectiva para o fim dos combates, fica realmente bem difícil de viver."

Os três rebeldes desiludidos, ao chegarem a Gaziantep há um ano e meio, seis meses e o mais recente há três meses, se espremeram em um quarto imundo, sem móveis nem janela, com um lavabo coletivo que faz as vezes de ducha. Eles esperam reunir dentro de alguns meses dinheiro o suficiente para trazer suas famílias e tomar o caminho da Europa, sem olhar para trás. Ou quase.

"A gente se sente um pouco culpado de abandonar o combate, mas a adversidade é muito grande", conta Abou Islam. "Os russos estão bombardeando sobretudo o ELS. Que podemos fazer contra todo esse poder?"

Kotaiba Dougheim, o conselheiro político, também foi atormentado pelo desejo de ir embora. Mas o "dever moral" venceu. "Se não ajudarmos a nós mesmos, como pedir para que a comunidade internacional nos ajude?"

Tradutor: UOL

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