Uma 'escola de Babel' dá chances a jovens refugiados na Alemanha

Frédéric Lemaître

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    Alunos da SchlaU, em Munique (Alemanha), comemoram o fim das provas

    Alunos da SchlaU, em Munique (Alemanha), comemoram o fim das provas

Em Munique, a escola SchlaU permite que jovens refugiados aprendam o alemão e integrem o sistema escolar do país. O estabelecimento, fundado há 16 anos, hoje é visto como referência

São 8h55. Os restaurantes turcos, as sanduicherias, as sex shops e as LAN houses que pipocam em torno da ferroviária de Munique (Alemanha) estão fechados. Nessas ruas por onde homens desocupados passam o tempo, dois jovens africanos andam com passo determinado e a mochila escolar nas costas. Ao chegarem ao número 2 da rua Schwanthaler, eles entram no saguão de entrada de um prédio genérico, cumprimentam seus colegas que terminam seus cigarros e sobem até o terceiro andar, sem nem olharem para o elevador.

"No meu país, a Uganda, quando você marca um compromisso para as 9h você pode chegar às 10h. Mas aqui, na Alemanha, aprendi a ser pontual", explica Susan, de 17 anos.

Nos dois anos que passou em Munique, ela aprendeu muitas outras coisas, como falar o alemão bem o suficiente para recepcionar viajantes na estação durante um estágio efetuado na Deutsche Bahn. E se, em junho, ela passar no exame para o qual está se preparando, poderá exercer a profissão de seus sonhos: "Trabalhar no aeroporto de Munique". "Desde criança, sempre quis trabalhar em um aeroporto", ela explica.

Já Omid, de 20 anos, um afegão que cresceu no Irã, se prepara para ser pintor na construção civil. Ele já encontrou uma empresa onde poderá estagiar junto com os estudos, assim como Joris, que veio da República Democrática do Congo e espera se tornar eletricista.

Nas paredes em torno deles, vemos as fotos emolduradas de alguns "veteranos". É impossível não reparar em Lena, uma bela morena que posa com um livro de física na mão em uma foto e abraçada com um europeu em outra. Sua história ficou conhecida em toda a escola. Em dois anos e nove meses, essa afegã não somente aprendeu o alemão como também passou na Abitur (prova de conclusão do ensino secundário alemão).

Reprodução/Facebook
Um dos estágios oferecidos pela SchlaU, escola para refugiados em Munique

"Espaço de proteção"

Lena, Omid, Susan e Joris não são exceções. Desde que foi criada há 16 anos, a escola SchlaU já permitiu que 1.500 refugiados, com idades entre 16 e 21 anos, integrassem o sistema escolar alemão. Criada em 2000, a escola hoje é vista como modelo. A cada ano, entre 97% e 100% de seus alunos passam nos exames aos quais se candidatam.

Pessoas vêm de toda a Alemanha para visitar o estabelecimento, e uma pedagoga austríaca chegou a ficar dois meses na capital da Bavária para estudar seu funcionamento. Seis meses depois, ela abriu sua própria escola em Viena (Áustria). Até a mulher do embaixador dos Estados Unidos em Berlim, Kimberly Emerson, membro do conselho de administração da Human Rights Watch, foi visitar esse bairro de má reputação. Desde então, ela vem constantemente promovendo a SchlaU (Schulanaloger Unterricht ou "Ensino análogo a uma escola"; "schlau" também significa "inteligente").

O sucesso da escola se baseia em dois pilares: uma extrema personalização dos currículos oferecidos e a instauração de um clima de confiança ou até de um ambiente familiar, que permite que esses jovens, muitas vezes traumatizados, voltem a ter uma perspectiva de futuro. "Nossa maior dificuldade é o medo que eles têm de serem expulsos. São pessoas muito vulneráveis. É preciso primeiro estabilizá-los e protegê-los antes de serem colocados em competição. Nós oferecemos a eles um espaço de proteção pelo tempo que for necessário", explica Antonia Veramendi, diretora pedagógica da escola.

O fato de o governo alemão estar pretendendo considerar o Afeganistão um país seguro o suficiente para poder mandar os refugiados de volta escandaliza toda a equipe. "Isso mina nosso trabalho pedagógico. Está sendo feito de tudo para que não haja integração", lamenta Veramendi. "Às vezes, os jovens nos dizem: 'Por que preciso aprender alemão? Nem tenho certeza de que poderei ficar aqui.' Cabe a nós sermos honestos, transparentes e darmos confiança a eles", resume Hubertus Radermacher, um dos pedagogos sociais.

A escola SchlaU nasceu em 2000 da indignação de Michael Stenger, na época professor de alemão para estrangeiros no Instituto Goethe e ativista de uma associação de ajuda a refugiados. Ele constatou que, na Baviera, os refugiados com mais de 16 anos raramente frequentavam a escola. No melhor dos casos, eles faziam aulas de alemão para adultos.

"Só que é justamente entre os 16 e 18 anos, quando o adolescente vira adulto, que tudo acontece. Basta ver o que está acontecendo em Molenbeek, na Bélgica, e em todos os bairros problemáticos da Europa para perceber", constata esse gigante carismático que pareceria tão deslocado nos palácios oficiais quanto um refugiado na Festa da Cerveja. Daí nasceu sua ideia de criar uma escola de verdade, e não somente cursos de língua para os refugiados com mais de 16 anos.

No início, a escola tinha somente duas salas de aula, mas hoje ela possui oito e recebe até 300 alunos. Quase todos eles chegaram à Alemanha sem os pais, e são sobretudo afegãos, mas também somalis e eritreus. Em compensação, há pouquíssimos sírios, pois em geral eles são enviados a outras regiões da Alemanha.

Um terço dos alunos é de meninas. "Como elas têm mais dificuldades, recebem mais ajuda implicitamente. Pode acontecer de elas estarem grávidas ou de terem um filho, e evidentemente isso é levado em conta quando se vai organizar sua formação", explica Björn Schalles, diretor-geral da escola.

Com o seu sucesso, a SchlaU chegou a criar uma filial em 2012, a ISuS (Integration durch Sofortbeschulung und Stabilisierung, ou seja, "Integração pela escolarização imediata e pela estabilização"), para permitir que os jovens, alguns deles nunca tendo frequentado uma escola na vida, aprendam alemão durante um ano (ou até dois) antes de entrar para a SchlaU, onde eles permanecem em média de dois a três anos.

Durante essa formação, eles aprendem não somente o alemão, mas também matemática, um pouco de ciência, de física e de ética. "Como conviver com as outras pessoas? Quais são suas necessidades? O que é o luxo? Quais são os valores importantes na Alemanha e nos países de onde eles vêm?", resume Miriam Herrmann, diretora do ISuS. Na prateleira ao seu lado, vemos folhetos pedagógicos sobre educação sexual e uso de preservativos. Mas nada é tão simples. "Às vezes, há conflitos entre as etnias ou mobbing, que é o assédio moral. Uma jovem afegã que foi aos poucos deixando de usar o véu teve problemas com os rapazes", lembra Herrmann.

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Alunos da SchlaU, na Alemanha, se preparam para as provas

"Um verdadeiro desafio político"

Mas não seria contraditório defender a integração e não misturar os refugiados com outros alunos? "É claro que nos perguntamos isso. Mas estamos convencidos de que as vantagens superam os inconvenientes. Em uma escola normal, os jovens refugiados não têm apoio suficiente. Muitas vezes recebemos pedidos de assistentes sociais que querem que acolhamos um jovem que não tenha dado certo em uma outra escola. E favorecemos os intercâmbios. Cada classe passa cerca de uma semana em uma outra escola", explica a diretora do ISuS.

Um sinal de que foi criado um laço entre os refugiados e a SchlaU é o fato de que a maior parte deles mantém algum contato com a escola, mesmo os que já se formaram e mesmo aqueles que conseguiram um estágio ou começaram a trabalhar. "Não é necessariamente fácil começar a trabalhar e ganhar a vida. Alguns são enganados pelo primeiro vendedor de celular que aparece", constata Björn Schalles.

Para ajudá-la nesse trabalho extracurricular, a escola conta com uma rede de 250 voluntários. "Quando houve as manifestações da extrema-direita contra os refugiados em Munique, tivemos 400 pessoas que se voluntariaram para nos ajudar. Mais do que o número de estudantes. Tivemos que verificar suas motivações", ele diz.

Isso se deve ao fato de que a escola, criada em meio à indiferença geral e, no início, sem subsídios públicos, foi tornando-se aos poucos uma referência. Sua equipe é composta por 60 pessoas. A formação de um aluno custa o mesmo tanto que em uma escola "normal", ou seja, cerca de 8.000 euros por ano ou até mesmo 10 mil euros, se forem levados em conta os custos estruturais. A Prefeitura de Munique arca com 35% do orçamento, a Baviera com 25% e o governo federal com 15%. Há vários anos empresas e até mesmo pessoas comuns também fazem doações.

Evidentemente, a chegada maciça de refugiados desde o outono de 2015 --Munique sozinha abriga mais de 4.000 menores de idade não acompanhados--tornou ainda mais gritante a necessidade de instituições como a escola SchlaU. Mas Michael Stenger se recusa a abrir novas salas de aula. A escala humana do estabelecimento é uma dimensão essencial para o sucesso de seu projeto.

Em compensação, o conceito da escola tem se expandido. A Prefeitura de Munique abriu em 2012 uma escola pública baseada nos mesmos métodos. A SchlaU agora treina aos sábados professores vindos de toda a Alemanha, e uma de suas pedagogas está preparando um manual escolar adaptado. "Os manuais que mostram crianças jogando tênis não são realmente adaptados a nossos alunos. E em nosso país a família é um assunto tabu", explica Herrmann.

Para Stenger, "criar uma escola para refugiados é um verdadeiro desafio político. Nós tivemos o privilégio de frequentar a escola, mas metade de nossos alunos não teve acesso a elas. Em um mundo globalizado, a pátria não pode mais ser unicamente a de um povo, mas deve ser aberta a todas as populações. A adaptação é indispensável. O resto é só anacronismo."

A algumas dezenas de metros dali, na sala de computação, os alunos mais avançados preparam a redação que apresentarão em junho para a conclusão do curso. O tema é livre. Samir escolheu as mídias sociais, Susan escolheu Angela Merkel e Mustafa, os casamentos no Afeganistão. Já Ali escolheu a vida de Gandhi, Hansi, a Somália no tempo da colonização, e Joris, Martin Luther King. Quanto a Somaya, uma afegã que passou a maior parte de sua vida no Irã, quer estudar o triângulo das Bermudas.

Tradutor: Lana Lim

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