Falar sobre política? Nos EUA, só se for bem longe do trabalho

Caroline Talbot

  • Scott Audette (L)/Javier Galeano (R)/Reuters

    Donald Trump e Hillary Clinton, oponentes na disputa pela Casa Branca

    Donald Trump e Hillary Clinton, oponentes na disputa pela Casa Branca

Em plena campanha presidencial norte-americana, liberdade de expressão de funcionários de empresas pode ser ameaçada

Os americanos acreditam piamente nas virtudes da liberdade de expressão, garantida pela Primeira Emenda. Então, eles deveriam poder debater sem restrições no local de trabalho sobre as qualidades dos candidatos à eleição presidencial, que será realizada em novembro. Hillary Clinton ou Bernie Sanders? Qual democrata deverá enfrentar o temível Donald Trump?

Na verdade, é melhor não dizer nada. "Não se deve falar sobre isso no trabalho", diz Ken Paulson, reitor da faculdade de mídia na Universidade de Middle Tennessee e ex-editor do jornal "USA Today", especialista na Primeira Emenda. "A liberdade de expressão deve nos proteger das interferências do governo", ele explica. "Esse princípio não tem nada a ver com a esfera privada."

"Não ataque seus colegas"

Falar no trabalho sobre o pré-candidato republicano, Donald Trump, ou sobre seus adversários é correr o risco de "interromper o trabalho, desmoralizar a equipe e vender menos produtos", diz o reitor. "Quando eu estava no 'USA Today', era proibido ter adesivos nos carros e mais ainda pagar contribuições financeiras aos candidatos."

"Quando crescemos, aprendemos que religião, política e dinheiro são assuntos tabu", concorda Todd Fredrickson, do escritório de advocacia Fisher Phillips. "O trabalho deve permanecer um espaço neutro."

O direito à expressão política é muito pouco protegido pela lei. É o que Nannina Angioni, do escritório Kaedian, de Los Angeles, sempre repete a seus clientes empresários. Com a aproximação das eleições, os empresários lhe fazem cada vez mais perguntas sobre a abordagem a se adotar. "As conversas podem logo sair de controle", ela diz. "Às vezes não é possível escapar delas."

"Não faça disso uma questão pessoal, não ataque seus colegas", aconselha a advogada aos funcionários. E, ainda melhor, ela repete aos empregadores, "renove seu regulamento interno para eliminar as fontes de conflitos. Fale com os chefes de departamento. Eles estão na linha de frente e podem agir rápido e parar uma discussão antes que ela fique realmente complicada".

Paula Brantner, diretora da associação Workplace Fairness, também recomenda "bom senso" aos funcionários. O código de vestimenta, por exemplo, pode banir bonés, bótons e camisetas que remetam a um candidato. Até o discreto adesivo no carro pode se revelar perigoso. Em 2004, lembra Brantner, uma funcionária do Alabama tinha um adesivo pró-John Kerry em seu carro. Seu chefe preferia George Bush e a demitiu. Felizmente, quando John Kerry soube do caso, o candidato democrata a contratou para sua campanha.

O empregado pode falar... fora das horas de trabalho e durante os intervalos. Ele também tem direito de assistir a comícios... depois do trabalho. É claro, as redes sociais estenderam o campo das possibilidades.

"Se você escreve no Facebook à noite, em sua casa, seu empregador não deverá intervir", afirma Angioni. Em compensação, "se fizer isso no trabalho, poderá ter problemas". "Não seja amigo de seu chefe ou de seus colegas no Facebook", diz Brantner.

A expressão política é muito pouco protegida nas empresas. O empregador pode demitir ou voltar atrás em uma promoção, e na maior parte das vezes não haverá nenhum recurso possível em nível federal. No entanto, existem algumas exceções. Certos Estados (Nova York, Califórnia, Wisconsin, Colorado, Dakota do Norte) são mais protetores do que outros. Na Califórnia, por exemplo, incitar um empregado a votar em determinado candidato é ilegal. No Colorado, um patrão não poderá demitir um funcionário que esteja concorrendo nas eleições.

O conteúdo das conversas também pode se tornar motivo de litígio. "Quando um funcionário diz que apoia Donald Trump, isso é política e tudo bem", explica Fredrickson. Mas ele complementa: "Trump é o candidato dos homens, não o das mulheres. Seu interlocutor poderá então mencionar a lei da discriminação dos sexos." Cada vez que uma conversa política derrapa para a questão de gênero, raça ou idade, pode ter início um processo judicial por discriminação. Mas Fredrickson admite: "Há pouquíssimos litígios nesse setor, as duas partes são prudentes."

O funcionário que tenha aprendido com eleições anteriores raramente irá brigar em seu local de trabalho. Em compensação, certos empregadores ousam pedir a seus empregados que votem no candidato que eles achem o certo. Culpa do caso "Citizens United", julgado pelo Supremo Tribunal em 2010, segundo a associação Workplace Fairness. Os juízes haviam permitido que empresas e sindicatos gastassem à vontade com seu candidato preferido. Eles aceitaram que empregadores se comunicassem diretamente com seus funcionários sobre as eleições. Isso caiu bem para Bob Murray, presidente das minas de carvão Murray Energy, que era um republicano fervoroso. Em 2012, ele insistiu para que seus funcionários fossem ao comício do candidato republicano Mitt Romney. O presidente fechou a mina e, como era um feriado, não pagou seus empregados. Os mineiros protestaram, em vão.

Ainda hoje, um empregador pode ameaçar uma demissão, pedir por contribuições voluntárias para seu candidato, e a lei não verá nada de errado. A American Gaming Association, que representa os cassinos de Nevada, aproveitou para dar a 200 mil funcionários um guia sobre a melhor maneira de se votar: sim para Hillary, amiga dos cassinos. Não para Bernie, um voto arriscado demais.

Tradutor: UOL

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos