Chineses compram vinhedos e investem na venda de vinhos de Bordeaux para 700 milhões de internautas na China

Jordan Pouille

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    Vinhedo do Château Monlot, de propriedade da atriz chinesa Zhao Wei

    Vinhedo do Château Monlot, de propriedade da atriz chinesa Zhao Wei

As recepcionistas do château de Sours, na Gironda, estão exaustas. Uma delas, de blusa branca, corre atrás do visitante: "O senhor não viu a placa? Estamos bem no meio de uma obra!"

A longa fila de caminhonetes de prestadores de serviços estacionadas no caminho de pedregulhos é prova disso. O château e seus 80 hectares de vinhas plantadas no território de Saint-Quentin-de-Baron formam o primeiro dos três vinhedos de Bordeaux adquiridos em menos de seis meses por Jack Ma, fundador do Alibaba, número um do comércio online na China, e detentor da segunda maior fortuna do país.

"Nunca se sabe quando ele vai nos visitar", diz a recepcionista. "O sr. Ma nos pediu para afastar a imprensa, mas como saber quem é cliente e quem é paparazzo?".

Na última segunda-feira (23), Jack Ma esteve em Bruxelas para se encontrar com o rei dos belgas e anunciar a abertura próxima de uma sucursal europeia do Alibaba. Depois disso ele assinou a compra do Château Pérenne, em Saint-Genès-de-Blaye, e do Château Guerry, em Tauriac, do magnata do vinho francês Bernard Magrez, por 12 milhões de euros.

No vilarejo liliputiano de Saint-Hippolyte, com suas ruas tomadas pelas escavadeiras, reina a mesma agitação. É lá que fica o Château Monlot, um vinhedo de denominação Saint-Emilion, comprado em 2011 pela atriz e diretora Zhao Wei, grande amiga de Jack Ma e casada com Huang Youlong, um empresário cingapuriano.

Na época, a imprensa francesa cobriu o fato como a compra de um "mimo" por uma artista glamourosa, sem saber de suas ambições. No entanto, na China a estrela de "Mulan" (2009) e de "Lost in Hong Kong" (2015) é descrita pela imprensa como a "Warren Buffet do show-business", referência ao bilionário americano que construiu sua fortuna com base em suas lendárias sacadas. De smartphones até leite de coco, 120 marcas já usaram a bela atriz de 40 anos em suas propagandas.

No verão de 2014, Zhao Wei e seu marido, que faz parte do conselho administrativo do Alibaba, investiram US$400 milhões (R$1,3 bilhão) no Alibaba Pictures, mais uma estrela na constelação de Jack Ma, especializada desta vez na produção de longas-metragens hollywoodianos e europeus.

Depois de somente seis meses de uma cotação eufórica na Bolsa, o casal dobrou sua aposta. No final de 2015, a estrela acrescentou à sua lista o Château Senailhac, em Tresses, e seus 57 hectares de Bordaux supérieur.

"A chinesa quer algo maior"

É verdade que o Château Monlot pecava por sua modéstia, com menos de 6,7 hectares de vinhas espremidas entre uma estrada interdepartamental e uma ferrovia. Dezenas de operários portugueses estão trabalhando duro para dar vida a uma gigantesca residência, com torres e muros de pedra ocre, no lugar de uma mansão mais modesta.

O Château Monlot será concluído em maio de 2017. Para Bernard Lauret, prefeito de Saint-Emilion, "a chinesa, muito respeitada aqui, quer algo maior. Ela está comprando terrenos de vinhas em todo o território de Saint-Emilion, para aumentar sua produção. Ela deverá atingir cerca de vinte hectares em breve. Zhao está procurando uma boa base fundiária."

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O Château Guerry, comprado pelo magnata chinês Jack Ma por 12 milhões de euros

Um hectare de vinha em Saint-Emilion pode ser negociado hoje por até 2 milhões de euros, tornando o retorno de investimento totalmente irrisório, a menos que o comprador tenha uma estratégia comercial feroz. Em Senailhac e seus 57 hectares, Yves Blanc, 79, viticultor e corretor imobiliário especialista na região, não teria apostado muito.

"Eu pensei que a atriz nunca ia querer um terreno atravessado por um enorme linhão de alta tensão. Não me atrevi a oferecê-lo a ela, nem a ninguém", ele diz. Supersticiosos, os chineses temem as construções erguidas ao redor de um cemitério, mas não se importam com torres de transmissão.

Hoje, as garrafas de Senailhac são distribuídas pelo Tmall, o site de venda de produtos de beleza, de moda e de gastronomia de Jack Ma, com o nome de "Monlot Bordeaux". Cada rótulo vem decorado com o croqui do futuro Château Monlot, embora se situe a 30 km de Senailhac, e vem acompanhado de um autógrafo da atriz. Nessa loja virtual, disponível para os 700 milhões de internautas chineses, o cliente se deixa inebriar pela história de uma estrela gourmet, que se apaixonou pelo trabalho com os vinhedos e pelo estilo de vida francês. 

Os mais ricos optarão por uma garrafa de Château Monlot Grand Cru Saint-Emilion por 150 euros (R$ 540). Os outros preferirão o Monlot Bordeaux por 32 euros (R$ 115) a garrafa, ou seja, o simples Bordeaux supérieur que o antigo proprietário vendia em sua época por aproximadamente 11 euros, com o nome de Excellence Senailhac. É uma arte e tanto...

Yves Blanc se orgulhava de ter sido o primeiro a fechar uma venda de vinhedo de Bordeaux a um chinês. Em 1997, ele ofereceu um saint-émilion, o Château Haut Brisson, situado em Vignonet, para Steve Kwok, um rico banqueiro de Hong Kong.

"Desde então, o perfil do comprador chinês mudou muito", constata hoje o corretor imobiliário. "Eles são cada vez mais jovens, dormem 35 horas por semana e andam com um iPhone em cada mão. Eles entenderam que deveriam se cercar das pessoas certas para valorizar seu vinho. Zhao Wei procurou Jean-Claude Berrouet, o ex-enólogo do Château Petrus, mas eles querem sobretudo ir mais longe. São comerciantes formidáveis."

Em 2012, a companhia Açúcar, Cigarros e Vinho de Xangai (SSCW) comprou 70% da revendedora francesa Diva Bordeaux e lhe prometeu facilitar a distribuição de vinhos de Bordeaux na China. Quatro anos mais tarde, os investidores chineses se livraram dos intermediários. Também com Jack Ma e dois outros bilionários, Zhao Wei acaba de lançar a Cellar Privilege, sua própria distribuidora.

A empresa vende pela internet garrafas de cerca de 60 châteaux de Bordeaux, entre eles as 14 propriedades de seus fundadores. Estes estarão em lugar de destaque no "Salão do Vinho e da Cerveja Online", anunciado por Jack Ma para o dia 9 de setembro.

Na grande sala de eventos de Senailhac, na terça-feira (28), uma centena de pequenos produtores assistiriam a uma palestra inédita de Huang Ai Zhu, a responsável pelas "mercadorias importadas" da Tmall.

Essa aproximação operada pela Cellar Privilege poderá permitir que esses viticultores administrem suas próprias lojas online, destinadas ao mercado chinês, e até mesmo ao mercado ocidental. No início de maio, a empresa chinesa montou um estande na Wine Fair de Londres.

"Não queremos depender inteiramente do mercado chinês. As oportunidades de crescimento são muitas no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Canadá", explica Sophie Baron, executiva da Cellar Privilege, formada na Ásia.

Dois meses atrás, em Grignols, a 75km de Bordeaux, uma outra ambiciosa chinesa na faixa dos 40 anos, Kuang, também comprou uma pequena propriedade, o Château de Fontalem, por quase 2 milhões de euros. O vendedor, Claude Renaud, tem 94 anos.

No inverno de 1955, seu pai havia cedido o Château Couperie ao fabricante de aeronaves Marcel Dassault, que posteriormente obteve sua classificação de Saint-Emilion Grand Cru. Sessenta anos se passaram e desta vez é a China que bate à porta. Em Bordeaux, uma de cada duas vendas de propriedades agora é feita para investidores chineses.

"Em seis anos, nós vendemos uma dezena de propriedades a investidores chineses. Alguns deles amam vinho, outros têm capitais para tirar do país. Às vezes os dois", observa Marie Destang, nora de Claude Renaud, que administra junto com ele sua pequena corretora imobiliária em Grignols.

Ela diz que os chineses têm "grandes vantagens: eles têm recursos e não têm problemas com os bancos. Por aqui, estes são muito cautelosos quando não se trata de grandes vinhos como o Saint-Emilion."

"Uma obra fa-ra-ô-ni-ca!"

Em Fontalem, durante 26 anos, o ativo nonagenário, nascido no meio das vinhas, lutou com 40 hectares de terras indóceis. Ele replantou vinhas em 10 hectares, combateu o míldio, reformou uma edificação abandonada e voltou a dar vida à propriedade, até conseguir produzir 60 mil garrafas de Bordeaux supérieur por ano.

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O Château Monlot, de propriedade da atriz Zhao Wei

"Foi minha segunda vida, após a aposentadoria. E no ano passado, junto com minha mulher, começamos a pensar no futuro, em como será nossa vida", explica o ex-viticultor, que bebe uma taça de vinho em todas as refeições. "Meus dois filhos, um escritor e um marinheiro, seguiram por outro caminho e também estão idosos, então pensei que deveríamos vender antes de perder essa energia necessária para a manutenção do vinhedo".

Os primeiros interessados foram "franceses e belgas. Mas sabe o que os incomodava? A distância. A propriedade fica a 45 minutos de carro de Bordeaux. São empresários, donos de negócios, que querem instalar mulher e filhos no château. Mas a distância os desanima, sobretudo se as crianças precisam estudar na cidade."

Depois veio Kuang: "Essa encantadora senhora se apaixonou pela casa, por seus jardins sombreados e pelo lago. Ela me disse que 'foi paixão à primeira vista'."

A empresária de Xangai, que tinha sucesso na hotelaria e no setor de cosméticos, pretende parar em Fontalem só algumas semanas por ano, na época das vindimas.

"Mas ela promete investimentos pesados. As extensas construções que servem para guardar os tonéis e os tanques serão transformadas em apartamentos de luxo para visitantes ricos. E ela cavará subsolos para acomodar as adegas. Tem noção? Uma obra fa-ra-ô-ni-ca!", se empolga Claude Renaud, que enfim poderá desacelerar. Este verão, ele passará dias felizes em sua mansão em Teste-de-Buch, fumando seu charuto vespertino enquanto contempla a baía de Arcachon.

Em Bordeaux, corre o boato de que Li Wing-Sang, industrial do setor de iluminação por diodos emissores de luz (LED) e novo presidente do FC Sochaux, o clube de futebol comprado da família Peugeot, estaria de olho no Château Saint-Georges, uma propriedade de 45 hectares que contém uma suntuosa construção do século 17, de onde se vê a cidade medieval de Saint-Emilion. Não importa que nem todos os herdeiros concordem em vendê-la, o empresário chinês é paciente e se "contentaria" com uma participação... majoritária.

É uma hipótese impensável para Jean-Philippe Janoueix, já proprietário de três châteaux, co-proprietário deste há três anos e seu diretor desde outubro de 2015. "Se algum dia alguns acionistas vierem a ceder suas participações, eu exercerei meu direito de preferência", ele avisa.

 

Tradutor: UOL

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