Topo

Na China, proteção solar pode incluir uma máscara

Dan Levin

Em Qingdao (China)

04/08/2012 12h01

Foi o suficiente para fazer um trio de jovens altamente tatuados parar de jogar água uns nos outros e a levar um menininho a correr assustado para sua mãe: uma mulher se erguendo das ondas do mar com a cabeça envolta em uma máscara de esqui laranja neon.

Enquanto caminhava para a areia, mais pessoas olhavam. Um homem flutuando em uma boia amarela cutucou sua companheira, que murmurou a pergunta que muitos outros deviam estar se fazendo: “Por que ela está usando aquilo?”

“Eu tenho medo de me bronzear”, disse a usuária da máscara, Yao Wenhua, 58 anos, ao sair das águas desta cidade litorânea na província de Shandong, no leste da China. Ávida em mostrar o motivo para ter sacrificado a moda em prol da função, Yao, uma motorista de ônibus aposentada, retirou o náilon de sua testa para revelar um rosto claro, sem rugas.

“Uma mulher deve sempre ter pele clara”, ela disse com orgulho. “Caso contrário, as pessoas pensarão que você é uma camponesa.”

Para legiões de mulheres chinesas de classe média - e para aquelas que aspiram suas fileiras - a proteção solar é praticamente um fetiche, completa com equipamento próprio. Esse setor em boom atende uma cultura que preza a tez pálida, como sinal tradicional da beleza feminina intocada pelas indignidades do trabalho braçal. Há até mesmo uma expressão que mulheres jovens e velhas sabem de cor: “Pele clara esconde milhares de falhas”.

Com a busca por essa estética ideal ancestral em choque com o crescente interesse por frequentar a praia e outras atividades ao ar livre, as mulheres chinesas criaram uma série de formas de conciliar os dois. Máscaras como a de Yao são particularmente populares entre os moradores locais daqui.

Nas cidades, a sombrinha é um acessório mais familiar no verão, muitas adornadas como lantejoulas, fitas e imitações de diamantes (e às vezes todas as três). Aquelas que precisam de ambas as mãos livres preferem o escudo facial com película protetora, o acessório perfeito para andar de bicicleta. As preocupadas com a moda preferem envolver o rosto em uma echarpe de chiffon.

E quanto aos braços expostos aos raios solares? Uma busca no equivalente da Amazon na China apresentou 20 mil resultados para “luvas de proteção solar”. Elas variam de mangas com estampa de leopardo que terminam no pulso até luvas com o comprimento do braço feitas de renda preta.

Enquanto isso, as prateleiras das farmácias por toda a China estão repletas de cremes e máscaras cosméticas com nomes como Cisne Branco e Branca de Neve, prometendo um tom aristocrático de aparência natural.

Em uma tarde recente na Praia Número 1 de Qingdao, a areia e o mar estavam lotados. Além das fileiras de guarda-sóis cor de laranja, as pessoas erguiam dezenas de tendas de camping, ignorando os anúncios nos alto-falantes proibindo seu uso. Outras pessoas montavam abrigos compostos de múltiplos guarda-sóis ou apenas acumulavam camadas de panos.

Certamente não era South Beach. Alguns homens de meia-idade fumavam sem parar no raso, com suas amplas barrigas penduradas sobre sungas diminutas. Sob o olhar atento de seus pais, crianças peladas faziam castelos de areia e se refrescavam nos fossos. As pessoas mais velhas também desfrutavam a areia, algumas a usando para enterrar seus amigos.

Poucos adultos se sentiam totalmente à vontade nadando no oceano, a julgar pela ubiquidade de boias de braço infláveis, boias redondas e balsas. Flutuando entre elas, parecendo um bando de aves aquáticas coloridas, estavam várias mulheres com máscaras. Algumas até mesmo usavam roupas de mergulho para proteção total contra o sol.

 As máscaras, feitas de tecido elástico usado em trajes de banho, provocavam uma série de reações dos banhistas.

 “Isso é muito exagerado”, disse Sun Li, uma ginecologista de 43 anos da província de Henan, quando perguntada sobre as máscaras faciais. Mas a própria Sun estava sentada sobre um guarda-sol usando chapéu, óculos escuros, máscara cirúrgica de bolinhas, uma camisa de manga comprida e luvas. A camisa se estendia por sobre suas pernas por precaução.

 Perto dali, Li Benye lia o jornal sob a sombra de dois guarda-sóis. Apesar de seu compromisso com a palidez, ela ficou perplexa com as máscaras.

 “Elas são estrangeiras, né?” ela perguntou. “Russas, provavelmente.”

 Apesar da pele clara ser prezada por toda a Ásia, as mulheres eram realmente chinesas. As máscaras não apenas as deixavam imunes aos raios ultravioleta, mas também às vezes conscientes de sua aparência.

 “Parece que me importo com que os outros pensam?” gritou Su Ailing, 57 anos, usando uma máscara vermelha, óculos azuis e roupa de mergulho. “Os turistas ficam seminus, mas nós moradores locais sabemos como proteger nossa pele.”

 As máscaras são uma especialidade de Qingdao, uma colônia alemã antes da Primeira Guerra Mundial e que é lar da Cervejaria Tsingtao. Há poucas semanas, fotos das mulheres locais vestidas desse modo se espalharam pela Internet, provocando zombaria online, mas também uma corrida às lojas próximas.

 “Eu precisava ter uma”, disse Liu Jia, 32 anos, com o branco de seus olhos cintilando pelos buracos de uma máscara cor de rosa, que combinava com o sarongue de bolinhas amarrado em torno de seus ombros. Foi árduo encontrar a máscara, ela disse, com muitos lojistas se recusando a admitir que tinham máscaras em estoque. “Eu tive que implorar”, ela disse.

 A repentina escassez, se revelou, não era um simples caso de demanda maior que a oferta. Após as fotos chamarem a atenção do país, o governo local ordenou que as empresas parassem de vendê-las, segundo vários lojistas, que disseram que a proibição se devia a preocupações com o “controle de qualidade”.

 Uma vendedora, que não quis se identificar por temer enfurecer as autoridades, mantém seu estoque de máscaras escondido sob o balcão. Apenas após pedidos insistentes e a promessa de sigilo é que ela concordou em vender uma por 20 yuans, aproximadamente US$ 3. “Eu não entendo por que o governo está fazendo isso”, ela disse, olhando nervosamente para a entrada da loja. “As pessoas apenas não querem se bronzear.”

 Contatada por telefone, a Administração da Indústria e Comércio de Qingdao negou ter exercido o papel de polícia da moda. “Qualquer pessoa que quiser é livre para comprá-la em Qingdao”, disse um homem que se identificou como diretor He.

 Então o que explica o nervosismo de tantos comerciantes? “O único motivo para as pessoas acharem que não devem vender máscaras”, ele respondeu, “provavelmente é por temerem que bandidos possam usá-las para roubar bancos”.