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Mulheres dos candidatos à presidência dos EUA não são modelos de feminismo

Barack Obama e primeira dama, Michelle Obama - Kevin Lamarque/Reuters
Barack Obama e primeira dama, Michelle Obama Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

Jamie Stiehm

19/08/2012 06h00

A discussão para determinar se o feminismo norte-americano está de fato morto – ou se ele encontra-se apenas ferido e acuado – sempre desperta interesse. De fato, nos Estados Unidos nós não conseguimos deixar de falar, escrever e ler sobre isso. Até setembro, esse tópico deverá esquentar à medida que Michelle Obama e Ann Romney fizerem as suas intervenções de campanha – embora 2012 seja diferente de 2008 no que se refere a sacudir antigos paradigmas relativos às mulheres na política.

Quatro anos atrás, quando a então senadora Hillary Clinton esteve perto de conquistar a vaga de candidata democrata à presidência dos Estados Unidos, 18 milhões de eleitores a apoiaram e acreditaram em um sonho: a geração “baby boom” (geração composta por indivíduos nascidos entre 1946 e 1964, um período de elevada taxa de natalidade) poderia produzir a primeira mulher presidente da história do país. Hillary Clinton, que agora é a secretária de Estado, tem o seu lugar na história garantido, mesmo que ela decida passar o resto dos seus dias observando pássaros.

Vista em retrospectiva, a eleição de 2008 dá a impressão de ter sido ainda mais singular e histórica. Nós falávamos a todo momento sobre a primeira mulher ou o primeiro negro que poderiam se tornar presidentes. A corrida presidencial teve de tudo: cor, gênero e diferenças de geração.

Já a eleição de 2012 carece daquele mesmo clima eletrizante e ocorre em um cenário político desolado. A população não parece estar querendo uma eleição que implique em “mudança”. Tudo o que esperamos é que a situação não piore ainda mais. A “guerra contra as mulheres” desfechada na área de direitos reprodutivos é um motivo de preocupação para os eleitores que defendem o direito ao aborto. E a questão da busca do “equilíbrio da família trabalhadora” para as mulheres que trabalham continua a ganhar ímpeto político, mas isso está longe de ser uma pauta dos manifestos feministas.

Nenhum dos quatro candidatos que disputam a eleição nas duas chapas se caracteriza por uma posição feminista. Não há dúvida de que o presidente Barack Obama simpatiza com legislações que ajudam as mulheres, e ele recentemente indicou que defenderá ferrenhamente os direitos reprodutivos. Mas a verdade é que, neste ano, grande parte da discussão sobre mulheres e trabalho irá girar em torno de Michelle Obama e de Ann Romney, as mulheres dos dois candidatos que disputam a corrida presidencial.

  • Win McNamee/Getty Images/AFP

    Candidato Mitt Romney e sua mulher Ann Romney

É possível que Michelle Obama e Ann Romney sejam empurradas para o debate que procura determinar se as mulheres norte-americanas estão perdendo terreno em 2012. Mas as duas com certeza irão se restringir mais fielmente aos seus roteiros do que a tagarela ex-governadora do Alasca, Sarah Palin, que polarizou ainda mais a eleição de 2008.

Michelle Obama e Ann Romney têm muita coisa em comum. Ambas são mulheres de personalidade forte e confiantes, nativas da região do Meio Oeste dos Estados Unidos e que gostam de criar a sua própria personalidade política. Elas têm duas vidas políticas: a de mulher do presidente, uma função “pública”, e a de assessora particular do candidato sobre estratégia e tom de campanha. Elas apreciam os dois papéis. É óbvio que tanto o presidente quanto Mitt Romney dependem das suas mulheres. Até o mês passado, quando Ann Romney cometeu um erro primário (ao referir-se à imprensa que corria atrás das declarações de imposto de renda do seu marido como “essa gente”), ambas davam a impressão de serem um enorme trunfo político para os seus respectivos parceiros.

As “mulheres políticas” dos candidatos presidenciais, se convocada a fazer comentários sobre o status das mulheres norte-americanas, poderão revelar diferenças fascinantes – mas nem sempre. Ann Romney disse que criar cinco filhos homens foi considerada a tarefa mais difícil na sua família. “Eu sempre desejei que Mitt pudesse entender a gravidez, e uma campanha política é a coisa mais próxima da sensação de estar grávida”, disse ele em 1994, quando o seu marido disputou uma eleição em Massachusetts com o senador Edward M. Kennedy. De forma similar, Michelle Obama afirmou no site da Casa Branca que ela é “acima de tudo” a mãe de duas filhas, Malia e Sasha.

Na verdade, as diferenças entre essas duas mulheres, cuja diferença de idade é de 15 anos, são bastante pronunciadas. Ann Romney e Michelle Obama representam dois polos opostos da condição da mulher nos Estados Unidos.

Mas as posições das mulheres dos candidatos democrata e republicano em relação ao feminismo podem ser mais próximas do que muita gente acharia. Conforme sempre ocorre na política, aquilo que elas não dizem é tão importante quanto aquilo que falam.

Michelle Obama poderia entrar facilmente nesse diálogo com os seus pontos de vista e experiências obtidos a duras penas sobre a questão da mulher no local de trabalho. Ela poderia também fazer comentários sobre a tendência retrô de “ser mulher dona de casa” entre as suas colegas de alto nível educacional já que ela, também, interrompeu a sua própria carreira em nome da glória do homem com o qual se casou.

Afinal, Michelle Obama teve vários empregos poderosos em Chicago, na prefeitura da cidade, em um escritório de advocacia e em um hospital universitário. Isso após ter se graduado pela Escola de Direito da Universidade Harvard e pela Universidade de Princeton. Mas ela raramente fala sobre esse currículo brilhante diante das suas plateias. Os seus diplomas ficam escondidos nas gavetas da Casa Branca.

As causas que essa mulher de 48 anos de idade defendeu são reveladoras: uma horta na Casa Branca para uma alimentação saudável, a luta contra a obesidade infantil e o apoio às famílias de militares. Todas essas iniciativas são louváveis, mas elas revelam o quanto ela é cautelosa. Como primeira-dama extremamente bem-sucedida na sua carreira, ela evitou habilmente chamar atenção para o seu treinamento profissional e as suas realizações educacionais. Se Michelle Obama continuar seguindo essa rota, ela não subirá a patamares mais elevados nem energizará o enfraquecido movimento de defesa dos direitos das mulheres nos Estados Unidos.

Ann Romney, por outro lado, não tem nenhuma dívida para com o feminismo. A história dela é inteiramente tradicional. Tudo se resume a uma compatibilidade amorosa quando ela era adolescente. Ela namorou Mitt Romney quando os dois frequentavam escolas particulares próximas, converteu-se ao mormonismo antes do casamento e criou cinco filhos. Ela sempre foi rica e jamais teve qualquer profissão além de dona de casa.

Mas, se não fosse pela eleição que faz com que ambas fiquem sujeitas ao escrutínio público, os caminhos de Michelle Obama e de Ann Romney dificilmente se cruzariam. Sem dúvida seria meio difícil julgar a situação em que se encontra o feminismo apenas comparando e contrastando as duas. A vida de Ann Romney é pautada por uma fé e uma prática mórmons rigidamente patriarcais. Embora Michelle Obama pretenda assumir um papel visível e vocal na campanha, enfatizando mais determinadas políticas, o seu retorno cuidadosamente coreografado à política nacional poderá não ser tão divertido de se observar como certas disputas congressuais acirradas que estão em andamento.

No entanto, não se iludam. O sonho feminismo não morre aqui. Embora eu desejasse que houvesse um debate público entre Michelle Obama e Ann Romney, pelo menos nós podemos observar a eleição pelo senado, na qual há um número recorde de 12 mulheres concorrendo pelo Partido Democrata. Seguindo uma estratégia elaborada por Barbara Mikulsky uma proeminente senadora do Estado de Maryland, elas elaboraram uma agenda conjunta que poderia implicar no renascimento eleitoral do feminismo.

Um senso de justiça e de compaixão é o que conta mais em tempos difíceis, quando as pessoas que “respeitam as regras do jogo” sentem-se vulneráveis. As mulheres que disputam uma cadeira no congresso neste ano poderiam mostrar o caminho para uma quantidade muito maior de mulheres parlamentares do futuro. Mas nem Michelle Obama nem Ann Romney farão isso. Elas nos fazem lembrar que as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer – e que o pioneirismo de Hillary Clinton não foi suficiente.

(*) Jamie Stiehm é colunista do Sindicato de Criadores. Ela escreve sobre política, cultura e história