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Niemeyer injetou nova sensualidade no modernismo e arrebatou imaginação de arquitetos de todo o mundo, analisa NYT

Oscar Niemeyer em seu escritório no Rio de Janeiro, em dezembro de 2004 - Folha Imagem
Oscar Niemeyer em seu escritório no Rio de Janeiro, em dezembro de 2004 Imagem: Folha Imagem

Nicolai Ouroussoff (*)

06/12/2012 06h27

Oscar Niemeyer, o célebre arquiteto brasileiro cujos projetos fluentes injetaram uma nova sensualidade no modernismo e arrebataram a imaginação de gerações de arquitetos por todo o mundo, morreu na quarta-feira (5), no Rio de Janeiro. Ele tinha 104 anos.

A equipe médica do Hospital Samaritano no Rio, onde ele estava internado, informou pela televisão que ele morreu devido a uma infecção respiratória.

Niemeyer estava entre os últimos de uma longa lista de modernistas convictos, que vão de Le Corbusier e Mies van der Rohe até os arquitetos que definiram a arquitetura do pós-guerra no final dos anos 40, 50 e 60. Ele é mais conhecido pelo projeto dos prédios do governo em Brasília, a ampla nova capital erguida no cerrado brasileiro, que se transformou em símbolo tanto do salto da América Latina para a modernidade quanto, posteriormente, dos limites das aspirações utópicas do modernismo.


Suas formas curvas, líricas e hedonistas ajudaram a moldar uma arquitetura nacional distinta e uma identidade moderna para o Brasil que rompeu com seu passado colonial e barroco. Mas sua influência se estendeu muito além de seu país. Até mesmo seus trabalhos menores serviram como contraponto para as noções redutivas da arquitetura modernista como suavemente funcionais.

“O Brasil perdeu hoje um dos seus gênios”, disse a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, em uma nota oficial na noite de quarta-feira. “Poucos sonharam tão intensamente e fizeram tantas coisas acontecer como ele.”

Aliado à extrema esquerda durante grande parte de sua vida, ele sofreu reveses na carreira durante a ditadura militar do Brasil dos anos 60 e 70 e foi impedido de trabalhar nos Estados Unidos durante grande parte da época da Guerra Fria. Quando o modernismo posteriormente foi atacado por sua abordagem às vezes dogmática à história, suas obras foram marginalizadas.

Mesmo assim, Niemeyer nunca deixou de trabalhar. Ele continuou realizando novos projetos ao longo de seus 80 e 90 anos. E assim que a divisão da Guerra Fria e as antigas batalhas ideológicas da arquitetura desapareceram da memória nos últimos anos, uma geração mais jovem de arquitetos começou a abraçar sua obra, intrigada pela consistência de sua visão e sua capacidade de conseguir efeitos voluptuosos em uma escala heroica.

Por sua vez, Niemeyer nunca abriu mão da convicção de que, como ele colocou, “quando uma forma cria beleza, tem na beleza sua própria justificativa”.

Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares Filho nasceu no Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1907, um dos seis filhos de um tipógrafo e sua esposa. Seu pai era dono de uma tipografia e um avô foi juiz do Supremo Tribunal Federal.


Um talento precoce, Niemeyer estudou na Escola Nacional de Belas Artes, onde logo chamou a atenção de seu diretor, Lúcio Costa. Costa estava no centro de um pequeno grupo de arquitetos que trabalhava para trazer a mensagem da arquitetura modernista ao Brasil.

O momento era ideal. Costa estava projetando na época a sede do Ministério da Educação e Saúde no Rio e convidou Niemeyer para trabalhar em seu escritório como desenhista. Em 1936, o ministério contratou o arquiteto franco-suíço Le Corbusier como consultor no projeto. Le Corbusier já era uma lenda na arquitetura e o prédio se tornaria o primeiro grande projeto público por um arquiteto modernista na América Latina.

Um dos vários desenhistas envolvidos no projeto, Niemeyer absorveu a visão de Le Corbusier de um mundo moderno moldado pelo mito da máquina, e se baseou na crença do mestre em uma arquitetura de formas abstratas, animadas pelo uso sensível da luz e do ar.

Surge uma visão

Mas Niemeyer também era um aprendiz confiante com uma visão própria; sob a supervisão de Costa, ele promoveu mudanças significativas no projeto de Le Corbusier. As colunas que sustentavam o bloco principal de escritórios do prédio apresentavam quase o dobro de altura, dando à estrutura um perfil mais esguio. Um auditório, que Le Corbusier concebeu como uma estrutura separada, foi inserido debaixo do bloco de escritórios, criando uma composição urbana mais compacta.

Protegido do sol atrás de fileiras elegantes de “brise soleil” (quebra-sol), o prédio tinha um estilo limpo e despojado que o tornou um exemplo notável do modernismo clássico, anunciando ao mesmo tempo a ascensão do Brasil como centro vibrante de experimentação.

O nome de Niemeyer logo se tornou sinônimo da nova arquitetura brasileira. Em 1939, ele colaborou com Costa no Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova York. Três anos depois, ele concluiu sua primeira casa, uma caixa simples e moderna descansando sobre colunas finas em uma encosta, com vista para a magnífica Lagoa Rodrigo de Freitas.

Nesses e outros projetos iniciais, Niemeyer começou a desenvolver uma arquitetura distinta de linhas fluentes, leveza estrutural e um relacionamento aberto com o ambiente natural ao redor.

Ao mesmo tempo, ele dava início ao seu ativismo político. Criado em um tranquilo bairro de classe média-alta do Rio por seus avós maternos, Niemeyer ingressou no Partido Comunista.

Quando o governo brasileiro soltou centenas de presos políticos, incluindo os comunistas, como um gesto de boa vontade nos anos 40, Niemeyer cedeu ao partido o primeiro andar de seu escritório no Rio para usá-lo como sede.

Para ele, o impacto social da arquitetura tinha seus limites.

“A arquitetura exprimirá sempre o progresso técnico e social do país em que é realizada. O importante, se desejarmos lhe dar o conteúdo humano que falta, é participar da luta política”, ele disse.

Resistindo às restrições

Mas o projeto que o estabeleceu como uma grande força da arquitetura foi basicamente um playground para os novos ricos em um bairro rico nos arredores de Belo Horizonte. Encomendado em 1940 pelo então prefeito local, Juscelino Kubitschek, que posteriormente, como presidente do Brasil, contrataria Niemeyer para projetar os principais prédios de Brasília, o projeto incluía um cassino, um iate clube, uma casa de baile e uma igreja dispostos ao redor de um lago artificial.

O cassino era particularmente notável. Uma concha de concreto e vidro, ele foi concebido como parte de um passeio público arquitetônico que fundia o complexo com a paisagem natural ao seu redor. A casa de baile se distinguia por sua marquise sinuosa moldada em concreto, com seus contornos sugerindo os movimentos do samba.

Esse projeto nunca funcionou como planejado. O cassino foi transformado em um museu de arte pouco depois da proibição dos cassinos pelo governo brasileiro em 1946. E as autoridades católicas romanas se ofenderam pela forma curvilínea incomum da igreja e se recusaram a consagrá-la até 1959.

As linhas ousadas do complexo e as passarelas que serpenteiam, imitando gentilmente as colinas ao redor, sugeriam um hedonismo subconsciente que contrariava a imagem pública da corrente principal do modernismo, como determinantemente funcional e emocionalmente fria. O projeto também anunciou a guerra de Niemeyer contra a linha reta, cuja rigidez ele via como uma espécie de restrição autoritária.

O status internacional de Niemeyer foi confirmado pela exposição “Brazil Builds” (Brasil Constrói) no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1943, uma exposição que também apresentou sua obra para o público americano. Quatro anos depois, ele se juntou novamente a Le Corbusier, desta vez como um igual, quando os dois foram escolhidos para participar do projeto do complexo da ONU, em Nova York.

Supervisionado por Wallace K. Harrison, o projeto da ONU foi uma colaboração que também incluiu luminares internacionais como o arquiteto soviético Nikolai D. Bassov e Max Abramovitz de Nova York. O projeto final foi uma espécie de meio-termo entre os conceitos de Niemeyer e os de seu ídolo, Le Corbusier.

Situados em meio a jardins e praças, a torre esguia de vidro do Secretariado e o prédio escultural da Assembleia Geral, em concreto, permanecem testamentos da crença no racionalismo como meio para solução das disputas e disparidades internacionais.

Harmonia encontra a dissonância

Em seus projetos para Brasília, a capital construída no vasto cerrado não desenvolvido da região central do Brasil, Niemeyer teve a oportunidade de criar sua própria visão poética do futuro em uma escala monumental.

O plano piloto em forma de cruz da cidade, com filas repetidas de imóveis residenciais situadas em torno de um centro administrativo formal, foi projetado por Lúcio Costa, o antigo mentor de Niemeyer. Mas foi Niemeyer que deu a Brasília sua identidade escultural.

A velocidade com que a cidade foi criada, entre 1956 e 1960, reforçou sua imagem como um sonho utópico que brotou de forma mágica na paisagem primitiva. Suas formas abstratas pareciam resumir as aspirações de grande parte do mundo em desenvolvimento: a crença de que a arquitetura moderna e a fé no progresso tecnológico que ela representava poderiam ajudar a criar uma sociedade mais igualitária.

Distribuídos ao longo de uma vasta esplanada gramada, os prédios de Niemeyer adquiriram certa grandeza em seu isolamento. O mais espetacular é o da Catedral Metropolitana, uma estrutura circular semelhante a uma coroa que se abre no topo, para permitir que a luz se espalhe dentro do santuário principal.

Mas grande parte da beleza de Brasília se deve ao equilíbrio arquitetônico. As torres gêmeas simples dos seus escritórios, por exemplo, contrastam com as semiesferas do Senado e da Câmara dos Deputados. Todo o complexo sugere um mundo em perfeita harmonia, mesmo que os políticos e burocratas que trabalham lá não estejam.

A sensualidade langorosa dos projetos de Niemeyer é ressaltada nos primeiros desenhos de Brasília. Eles frequentemente retratam mulheres jovens nuas tomando banho de sol na vasta praça vazia enquanto seus prédios ficam ao fundo. É uma imagem de alienação romântica que tem mais em comum com os filmes de Michelangelo Antonioni do que com as aspirações utópicas do modernismo inicial.

“Para mim”, disse Niemeyer anos depois, “a beleza vale mais do que qualquer outra coisa –a beleza que se manifesta em uma linha curva ou em um ato de criatividade”.

Brasília foi considerada seu maior triunfo, mas ele teve pouco tempo para se envaidecer com ela. Em 1964, após o golpe que deixou o país nas mãos de uma ditadura militar, ele foi repetidamente interrogado pela polícia militar a respeito de ligações comunistas. Apesar de nunca ter sido preso, novos projetos secaram.

Poucos anos depois, ele foi escolhido para projetar um centro de negócios em Claughton Island, perto de Miami. Mas os Estados Unidos, ainda envolvidos na Guerra Fria, lhe negaram o visto. (Por volta da mesma época ele projetou uma casa em Santa Monica, Califórnia, uma que ele nunca viu.)

Incapaz de encontrar trabalho no Brasil, Niemeyer foi para a Europa, onde foi contratado para projetar a sede do Partido Comunista em Paris, concluída em 1980, e o Centro Cultural Le Havre, na França (1982), com seu domo cônico baixo e uma rampa de concreto espetacular penetrando como saca-rolhas no solo.

O modernismo estava àquela altura perdendo espaço no establishment da arquitetura. Brasília logo se tornou um símbolo do fracasso do modernismo em cumprir suas promessas utópicas. As vastas praças vazias pareciam resumir a alienação social da sociedade moderna; cercados por favelas, os prédios monumentais do governo em seu centro exemplificavam as profundas desigualdades enraizadas do país.

Reputação restaurada

Niemeyer respondeu às críticas em um perfil de autoria do crítico Michael Kimmelman, na “The New York Times Magazine” em 2005. “Você pode não gostar de Brasília”, ele disse para Kimmelman, “mas não pode dizer que viu algo parecido. Talvez possa ter visto alho melhor, mas não igual. Eu prefiro o Rio, mesmo com os assaltos. O que se pode fazer?”.

Ele acrescentou: “Mas as pessoas que vivem em Brasília, para minha surpresa, não querem partir. Brasília funciona. Há problemas. Mas funciona. E do meu ponto de vista, a principal tarefa do arquiteto é sonhar. Caso contrário, nada acontece”.

Niemeyer deixa sua esposa, Vera Lúcia Cabreira, com quem se casou em 2006; quatro netos, 13 bisnetos e seis trinetos, segundo o jornal “O Globo”. Uma filha, Anna Maria, morreu neste ano aos 82 anos, e sua primeira esposa, Annita Baldo, morreu em 2004, após 76 anos de casamento.

Niemeyer viveu o suficiente para ver sua reputação internacional se recuperar e florescer. Ele voltou ao Brasil no início dos anos 80 e seu escritório logo foi tomado por novos projetos.

Seu Museu de Arte Contemporânea de Niterói, perto do Rio, que abriu em 1996, foi celebrado por sua forma ousada de disco voador, pairando sobre uma encosta com vista para a Baía de Guanabara. Uma década depois, em seu 99º aniversário, ele celebrou a inauguração de seu Museu Nacional e Biblioteca Nacional ao longo do Eixo Monumental em Brasília, perto de sua catedral.

Enquanto isso, um número crescente de pessoas tem começado a reexaminar o legado do modernismo no pós-guerra e a apreciar sua visão purista como um retorno a um tempo mais otimista.

Ao celebrar tanto os elementos formais quanto as metas sociais da arquitetura, sua obra se transforma em um lembrete simbólico de que o corpo e a mente, o sensual e o racional, não são necessariamente opostos. Mas ele também via a sensualidade e o brilho dos sonhos contra um fundo mais sombrio.

“A humanidade precisa de sonhos para suportar a miséria, nem que seja por um instante”, ele disse.

(*) Simon Romero, no Rio, contribuiu com a reportagem