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Afeganistão tem onda de mortes de policiais traídos por colegas ligados ao Taleban

27.dez.2012 - Policiais participam de cerimônia de formatura no centro de treinamento da Polícia Nacional Afegã, em Jalalabad - Rahmat Gul/AP
27.dez.2012 - Policiais participam de cerimônia de formatura no centro de treinamento da Polícia Nacional Afegã, em Jalalabad Imagem: Rahmat Gul/AP

Rod Nordland*

Em Cabul (Afeganistão)

28/12/2012 06h01

Uma onda de traições deixou pelo menos 17 policiais afegãos mortos nos últimos 10 dias. Todos eles foram mortos enquanto dormiam, pelas mãos de pessoas próximas a eles.

Nas primeiras horas da manhã de quinta-feira, um policial afegão abriu a porta do posto onde trabalhava, na província de Oruzgan, e deixou seus amigos do Taleban entrarem. Com facas e armas de fogo, eles o ajudaram a matar quatro e ferir oito de seus colegas que dormiam.

Domingo passado, na remota província de Jawzjan, localizada ao norte do Afeganistão, um comandante da polícia local matou a tiros, em suas camas, cinco dos homens que estavam sob seu comando. Em seguida, o atirador fugiu e se juntou ao Taleban.

E em 18 de dezembro, um adolescente que aparentemente era mantido para fins sexuais por um comandante afegão da Polícia de Fronteira, no sul da província de Kandahar, drogou o comandante e os outros 10 policiais do posto, fazendo-os dormir. Em seguida, ele atirou em todos; oito policiais morreram e três ficaram feridos.

Na crise gerada pelos assassinatos de policiais por outros policiais ou por pessoas próximas a eles, que se ampliou no último período de 12 meses, quando as forças de segurança afegãs se voltaram contra seus aliados, as mortes têm atingido mais os próprios afegãos --pelo menos 86 deles foram assassinados, em uma contagem feita pelo jornal New York Times este ano, mas é provável que o total seja ainda maior --do que as forças dos Estados Unidos e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que perderam pelo menos 62 homens até agora, sendo que a morte mais recente ocorreu em Cabul, na segunda-feira.

Ao contrário da maioria dos atentados realizados por pessoas com acesso privilegiado contra forças estrangeiras, conhecidos como assassinatos “verde contra azul”, a maioria dos ataques ocorridos entre os afegãos, ou “verde contra verde”, consistiram claramente de casos de infiltração por insurgentes do Taleban ou de ataques desferidos por “vira-casacas”.

Tal como aconteceu nos três ataques mais recentes, as mortes têm atingido com mais força unidades policiais e vem seguindo um padrão familiar: o Taleban infiltra alguém em uma unidade ou conquista a confiança de alguém que já atua em uma unidade, e essa pessoa, posteriormente, mata seus companheiros durante o sono. Frequentemente, primeiro as vítimas são envenenadas ou drogadas durante o jantar.


“Eu digo para a minha cozinheira que não permita a entrada de nenhum policial na cozinha”, disse Taaj Mohammad, comandante do posto de fiscalização da polícia de fronteira próximo do posto de Kandahar que foi atacado em 18 de dezembro passado. “Esse tipo de incidente realmente cria desconfiança entre companheiros, o que não é bom. Agora, eu não confio em ninguém, nem mesmo nos colegas que estão há anos no posto.”

A mais recente traição ao estilo “verde contra verde” ocorreu na quinta-feira, mais ou menos às 3h, na cidade de Tarin Kowt, capital da província de Oruzgan, no sul do Afeganistão. De acordo com Fareed Ayal, porta-voz do chefe de polícia da província, um policial chamado Hayat Khan, que mantinha contato regular com os talebans para obter orientação religiosa, esperou até que os outros policiais de seu posto de fiscalização adormecessem e, então, ligou de seu celular para combatentes do Taleban e os deixou entrar no posto. Primeiro, os combatentes esfaquearam o policial que vigiava o local, mas ele conseguiu disparar o alarme a tempo de despertar alguns dos policiais que dormiam.

No tiroteio que se seguiu, quatro policiais foram mortos e oito ficaram feridos, enquanto Khan e seus aliados talebans conseguiram escapar, segundo o relato de Ayal.

No atentado de domingo, no norte da província de Jawzjan, todas as vítimas faziam parte de uma unidade da polícia local afegã, cujo comandante tinha ligações prévias com o Taleban. Essas unidades de polícia local, que recebem um forte apoio como parte da política dos EUA para o Afeganistão, passam por um período de treinamento e recebem o aval de líderes comunitários e dos anciãos para assegurar que seus membros não tenham mais nenhum laço com os insurgentes do Taleban.

O general Abdul Aziz Ghairat, da Polícia Provincial de Jawzjan, disse que o comandante Dur Mohammad, que matou os homens enquanto eles dormiam, havia fugido, mas que seus parentes e um ancião da comunidade (que havia dado o aval para a atuação do comandante na polícia) haviam sido detidos e estavam sendo interrogados.

Em alguns casos de ataques de “verde contra verde”, querelas pessoais podem ter levado os autores dos ataques a se aliarem ao Taleban.

Isso foi, aparentemente, o que aconteceu no caso de Noor Agha, jovem que, segundo a polícia, em 18 de dezembro matou oito policiais da segurança de fronteira em seu posto de fiscalização, localizado na região fronteiriça próxima de Spinbaldak, principal ponto de cruzamento entre Kandahar e o Paquistão.

A polícia disse que Agha, cuja idade não foi revelada, mas a quem fontes policiais descreveram como “ainda imberbe”, tinha sido, durante vários anos, companheiro sexual involuntário de Agha Amire, comandante da polícia de fronteira desse posto de fiscalização. Outros comandantes de polícia que conheciam ambos disseram que havia claramente uma “relação imprópria” entre os dois.

Apesar de não dizer isso explicitamente, eles sugeriram que Amire usava Agha para uma prática comum, conhecida como bacha baazi, segundo a qual poderosos comandantes afegãos frequentemente mantêm meninos como servos pessoais, dançarinos e escravos sexuais.

A prática foi proibida durante os tempos do Taleban, mas nunca acabou, e até mesmo alguns governadores provinciais e outros altos funcionários do governo mantêm abertamente haréns de bacha baazi. A prática foi descrita no último relatório anual de direitos humanos do Departamento de Estado dos EUA. Mas, segundo o documento, “estatísticas críveis são difíceis de conseguir, pois o assunto gera vergonha”.

Na noite do ataque, Agha se ofereceu para fazer um jantar especial para os policiais no posto de fiscalização e convidou dois amigos para participar também. Ele e seus amigos colocaram drogas na comida dos policiais e, depois, atiraram em todos, incluindo Amire. Eles escaparam pela fronteira e se juntaram aos insurgentes do Taleban no Paquistão, de acordo com um oficial da polícia.

 

A família de Agha, que morava no distrito de Arghandab, antigo reduto do Taleban próximo de Kandahar, também fugiu de casa, deixando para trás o gado e bens pessoais, de acordo com autoridades policiais e parentes do comandante.

Apesar de um policial --que falou sob condição de anonimato-- ter dito que oito policiais foram mortos e três ficaram feridos no episódio, oficialmente, o general Abdul Raziq, chefe de polícia da província de Kandahar, disse que apenas quatro policiais foram mortos e três ficaram feridos. Raziq também negou que um jovem tenha colocado drogas na comida dos policiais.

A onda de assassinatos dos últimos 12 meses levou policiais de todo o Afeganistão a prestar mais atenção no que comem --e a ter um sono inquieto.

“Nós nos certificamos de que ninguém tenha a oportunidade de envenenar a comida”, disse Sharif Agha, 26, sargento da polícia que comanda um pequeno posto avançado na cidade de Khost, no leste do Afeganistão. Os dez policiais do posto se revezam para ajudar o cozinheiro, e se certificam de que pelo menos duas pessoas estejam na cozinha em todos os momentos. À noite, um terceiro guarda é designado para assistir os dois guardas que ficam de plantão normalmente.

“Eu não sei quanto ao restante dos caras”, disse ele, “mas eu não tenho dormido bem nos últimos meses.”

*Com reportagem de Taimoor Shah, de Kandahar, no Afeganistão, Habib Zahori e Jawad Sukhanyar, de Cabul, no Afeganistão, e Enayat Najafizada, de Mazar-e-Sharif.