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Opinião: Novo papa impressiona e pode recuperar a igreja em crise

David Brooks

17/03/2013 06h00

A Igreja Católica no norte da África estava em crise no início do século 4. O imperador romano Diocleciano havia perseguido os cristãos, e muitos bispos e padres haviam colaborado com o regime. Sacerdotes entregaram cristãos aos magistrados pagãos. Bispos entregaram escrituras sagradas para serem queimadas em praça pública. Um ar de corrupção e devassidão pairava sobre a igreja.

Dois movimentos de reforma rivais surgiram para restaurar a integridade do catolicismo. Os do primeiro movimento, os donatistas, acreditavam que a igreja precisava se purificar e voltar à sua identidade essencial.

A missão da igreja, na visão donatista, era fornecer uma alternativa sagrada para um mundo profano. Os donatistas queriam expulsar os traidores do sacerdócio.

Depois que eles reduziram seus membros, os donatistas queriam fechar a hierarquia para criar uma comunidade de fiéis comprometidos. Eles iriam se separar da impureza, restabelecer seus princípios fundamentais e defendê-los contra as forças hostis.

Os donatistas acreditavam que, em tempos difíceis, a primeira tarefa era defender a lei cristã de modo que ela não fosse diluída por concessões. Com essa postura defensiva, os donatistas ao menos construiriam uma arca resistente para todos aqueles que queriam ser cristãos.

Esta tendência donatista --de fechar a hierarquia e voltar defensivamente aos princípios originais-- pode ser vista hoje sempre que um movimento enfrenta uma crise. Os donatistas da atualidade emergem sempre depois de cada derrota republicana: conservadores que acham que a principal tarefa é limpar e purificar. Há donatistas modernos em departamentos de ciências humanas, que se fecham à medida que perdem relevância no campus.

É possível vê-los no movimento sindical em decadência: pessoas que apostam pesado na história e em suas tradições. Você pode vê-los na Igreja Católica Romana atual, que se sente cercada num mundo hostil. Você pode identificar os donatistas modernos porque eles sentem que a história está escapando deles, e quando eles fazem fofoca é sempre sobre rivalidades comunitárias com as quais ninguém de fora do seu mundo se preocupa.

No século 4, outro movimento de renovação se levantou, abraçado por Agostinho, que foi bispo de Hipona. O problema com os donatistas, argumentou Agostinho, é que eles são muito estáticos. Eles tentam lacrar uma arca para enfrentar a tempestade, mas acabam se fechando dentro dela. Eles se isolam de novas circunstâncias e do crescimento.

Agostinho, como seu magistral biógrafo Peter Brown coloca, "estava profundamente preocupado com a ideia da unidade básica da raça humana". Ele reagiu contra qualquer esforço de dividir as pessoas entre os que estavam dentro da igreja e os que estavam permanentemente fora.

Ele queria que a igreja partisse para a ofensiva e engolisse o mundo. Isso envolveria engolir as impurezas bem como o que era puro. Isso significaria utilizar aqueles que são imperfeitos. Esse era o preço a ser pago para ter uma igreja ativa convivendo com os pecadores, disciplinando-os e repreendendo-os.

De acordo com essa visão, a igreja exerceria atração porque estava faminta e sedenta por se desenvolver. Longe de ser uma arca estável, a igreja seria uma rede dinâmica em constante mudança, impulsionada para as ruas por suas próprias tensões. Agostinho tinha essa personalidade profunda e volátil. Sua igreja ideal era firmemente enraizada na doutrina, mas ansiosa por descobertas.

Essa segunda tendência também é encontrada em movimentos que estão em crise, mas é rara porque exige uma falta de defesa, e a confiança de que a sua identidade está segura mesmo em meio à crise.

Como a maior parte do mundo, eu não sei muito sobre o papa Francisco, mas é difícil não ficar impressionado com alguém que diz que prefere uma Igreja que sofre "acidentes nas ruas" a uma igreja que está doente porque se fecha em si mesma.

É difícil não ficar impressionado com alguém que se posiciona a favor do ensino católico tradicional, mas daí sai e visita Jeronimo Podesta, um ex-bispo que se casou para desafiar a igreja e que estava morrendo pobre e esquecido. É difícil não ficar impressionado com alguém que repreende ferozmente os sacerdotes que se recusam a batizar os filhos de mães solteiras.

É difícil não ficar impressionado com alguém que parece sentir uma necessidade compulsiva de andar de ônibus, que se recusa a viver nas residências oficiais, que envia os seus sacerdotes para as fronteiras e que uma vez disse que morreria se ficasse trancado no Vaticano.

Vou deixar para os católicos decidirem se Francisco é bom para a igreja. O assunto aqui é como reavivar um movimento em crise. O instinto natural é se transformar em donatista, construir uma arca e defender o que é precioso. A estratégia mais bem sucedida, porém, é seguir Agostinho e explorar um momento de fraqueza tornando-se ainda mais vulnerável, indo para fora em direção à complexidade, engolindo o puro e o impuro, contra-atacando a crise com um golpe de evangelização.