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O mundo ficou só um pouco mais louco, doente e difícil de entender, diz Marcelo Tas

Raquel Mar’n/ The New York Times
Imagem: Raquel Mar’n/ The New York Times

Marcelo Tas*

31/12/2013 06h00

Em 2013 o mundo ficou só um pouco mais louco, doente e difícil de entender. O velho ditado irlandês nunca foi tão verdadeiro: "Quem não está confuso, está mal informado”.

Economistas, jornalistas, psiquiatras e outros pobres diabos que lidam com as questões difíceis do dia a dia – sem alívio à vista – não nos dão respostas fáceis.

Os especialistas mais respeitados não conseguem mais prever crises econômicas e de outros tipos antes que elas aconteçam, nem explicá-las em um piscar de olhos depois que já aconteceram. Por exemplo, passados cinco anos depois do estouro da famosa "bolha" imobiliária que causou estragos no mundo todo, faz pouquíssimo tempo que o ex-diretor do Banco Central dos EUA, Alan Greenspan, finalmente soltou algumas palavras para explicar o desastre, dizendo (mais ou menos) que o erro foi que os especialistas em economia trataram os humanos como seres racionais.

Seres humanos, racionais!? Até parece!

Com todo o respeito, Sr. Greenspan, permita-me continuar seu pensamento: Somos todos humanos e todos cometemos erros – até mesmo os superespecialistas em economia enfiados em seus ternos cinza chumbo.

Agora, meu ilustre camarada Alan, à medida que o fim do ano se aproxima, é chegado o momento de celebrar nossas imperfeições e irracionalidades tão humanas. Essa "Era de Turbulências", como você a chamou no título do seu livro, é um prato cheio para os comediantes do mundo.

Em um mundo deformado como o nosso no fim de 2013 – que ainda limpa a sujeira deixada pelo estouro da bolha em 2008, segue abalado pelas "revoluções" que acontecem por aí e resiste ao mau funcionamento de governos grandes e pequenos – as lentes distorcidas do humor frequentemente são a forma mais precisa, equilibrada e direta de contar nossa história e descobrir onde estamos e para onde queremos ir.

De que outra forma os egípcios serão capazes de entender seu mundo? Eles assistem Bassem Youssef, cirurgião cardíaco e comediante, em seu programa satírico semanal, "Al Bernameg". (Melhor dizendo, "assistiam", já que o programa foi cancelado no início de novembro por "violar a política editorial" do canal de TV.) "Nós passamos por tantas coisas nos últimos dois anos: uma revolução (ou melhor, duas); uma eleição (ou melhor, duas ou três)", explica. "Então, aqui vai mais uma revolução – Não! É um golpe. Não! É a escolha do povo".

Quem poderia explicar um evento mais maluco que o fechamento parcial do governo dos EUA em outubro? Muitas pessoas poderiam, ao que me parece, nos 140 caracteres ou menos do Twitter.

"Todos ficarão felizes em saber que o governo norte-coreano segue funcionando bem como sempre", relembrou o @TheUSAGovt, uma conta humorística do Twitter, a seus seguidores.

 

"A rainha revoga nossa independência, já que não somos capazes de fazer o país funcionar direito", escreveu Kevin Bradley em sua conta no Twitter, @KoderKey.

"97% da NASA está fechada. Acho que faria muito sentido se a primeira resposta humana a um contato alienígena fosse uma mensagem avisando que não há ninguém no escritório", sugeriu Dave Turner, escrevendo como @mrdaventurner.

Além disso Alfred Raouf, cuja conta é @Kemety, perguntou: "Se os #EUA podem #desligar, por que encrencaram com o #Egito quando querem o #reiniciar? :-) #30deJunho".

 

Se a economia é a ciência que estuda como os seres humanos se comportam quando são confrontados com a falta de recursos, a comédia é a arte que surge quando os humanos são confrontados com a falta de compreensão.

Às vezes a incompreensão dura muito tempo. Ann Lee, economista e pesquisadora, contou uma velha piada chinesa que voltou a circular este ano – ou que talvez nunca tenha deixado de ser contada. Foi uma autoridade chinesa que contou a piada para ela: Todas as noites quando os políticos dormem, suas almas caminham por uma rua chamada Progresso Econômico. Às vezes eles chegam a uma bifurcação onde encontram dois homens: um deles é Karl Marx, com uma placa que diz "vire para a esquerda". O outro é Friedrich Hayek, cuja placa diz "vire à direita". Certa noite, Deng Xiaoping chegou à bifurcação e resolveu escrever uma placa dizendo: "Olhe para a esquerda, vire para a direita".

Em Israel, o jornalista Gadi Lahav compartilhou um gracejo sobre futebol: "O futebol é um jogo simples; 22 homens correm atrás de uma bola por 90 minutos e, ao final, os alemães vencem". O comentário é atribuído a Gary Lineker em 1990, quando a Inglaterra perdeu a semifinal da Copa do Mundo para a Alemanha nos pênaltis. Porém, Lahav diz que isso ressoa nos cortes drásticos nos orçamentos, que sempre são feitos aos 45 do segundo tempo e sempre se refletem em um aumento no orçamento militar. "Essa piada fala sobre dois dos temas mais importantes para a discussão pública em Israel: a boa e velha obsessão pela segurança e a recente insatisfação com a estrutura econômica do país", afirmou Lahav. "Além disso, é um lembrete de nossa relação com a Alemanha – e nossa relutância em aceitar suas vitórias no futebol".

É provável que a maior prova até agora de que a compreensão nunca esteve tão deturpada é a seguinte: os comediantes estão sendo levados a sério

Marcelo Tas

Porém, é provável que a maior prova até agora de que a compreensão nunca esteve tão deturpada é a seguinte: os comediantes estão sendo levados a sério.

Eu sou apresentador de um programa semanal de TV no Brasil chamado "CQC – Custe o Que Custar", que mistura humor e eventos recentes em um resumo das notícias da semana. Fiquei assustado com um segredinho que alguns alunos do ensino médio compartilharam comigo: alguns professores usam trechos do nosso programa em aulas de história e ciências sociais. O que é pior, alguns desses jovens haviam parado de se importar com o jornal, mas quando começaram a assistir nosso programa, voltaram a se interessar pelas notícias.

Espere aí – essas crianças estão assistindo nosso programa como se fosse um jornal?

Será que devo ver isso como algo assustador ou encorajador? Tenho me disciplinado quase como um soldado da Prússia em minha busca por respostas a essas perguntas.

Há mais de um século, o filósofo (e, mais tarde, ganhador do Nobel) Henri Bergson chegou a uma definição preciosa do humor em: "O Riso: ensaio sobre a significação do cômico": ele é um atrito de inteligências.

Para Bergson, o riso sinaliza o exato momento em que percebemos ou compreendemos alguma coisa de uma forma totalmente nova. Graças à ele, eu descobri que "hahaha", como o riso pode ser representado hoje em dia, na verdade é o som do "Ah, entendi!".

Alguns anos depois, em 1905, Sigmund Freud, sempre armado com uma lâmina mental afiada, também dissecou a anatomia do humor em " A Piada e Sua Relação com o Inconsciente". O mestre da psicanálise afirmou que os comediantes eram profissionais de saúde com uma missão social: lembrar aos seres humanos o quão precários e imperfeitos somos.

Por favor, não se esqueça disso, Sr. Greenspan.

*Marcelo Tas é apresentador da versão brasileiro do "CQC – Custe o Que Custar", um programam satírico semanal, e tem mais de 4,7 milhões de seguidores no Twitter.
(Laura Mandel contribuiu com a reportagem.)