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Prefeito do Rio transforma a cidade e dá sinais de tensão e estresse

Eduardo Paes em visita às obras do Museu do Amanhã, em construção no pier Mauá, na zona portuária da capital fluminense - Tânia Rêgo/Agência Brasil
Eduardo Paes em visita às obras do Museu do Amanhã, em construção no pier Mauá, na zona portuária da capital fluminense Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Simon Romero

No Rio

04/03/2014 09h56

Em seus acessos de raiva, Eduardo Paes, o prefeito do Rio de Janeiro, atirou um grampeador contra um assessor e um cinzeiro em outro. Ele repreendeu uma vereadora em seu gabinete na Câmara, chamando-a de vagabunda. Surpreendendo os clientes em um restaurante japonês lotado onde ele foi criticado por um eleitor, cantor de uma banda de rock, o prefeito deu um soco na cara do mesmo.

Paes, 44, pediu desculpas aos alvos de sua ira depois de cada episódio, mas acrescenta que está sofrendo muito estresse. Normalmente trabalhando 15 horas por dia na demolição e reconstrução de partes do Rio, na mais extensa renovação da cidade em várias décadas, Paes está descobrindo que o consenso sobre seus planos é ilusório.

"Nunca na sua vida faça uma Copa do Mundo e uma Olimpíada ao mesmo tempo", disse Paes recentemente em um debate sobre a transformação do Rio, fazendo uma tentativa de humor sobre os protestos que tomaram a cidade no ano passado. "Isso tornará sua vida quase impossível."

Paes tem uma tese válida. Os líderes políticos de todo o país podem ter pensado que abrigar esses megaeventos abriria caminho para amplas comemorações da ascensão do Brasil como locomotiva do mundo em desenvolvimento, com o Rio brilhando em sua ressurgência. Mas, como admite Paes, as coisas não funcionaram exatamente assim.

"Não sou do tipo masoquista, que gosta de ser insultado e ofendido", ele disse em uma entrevista, referindo-se ao modo como alguns de seus críticos mais veementes o tratam nas ruas do Rio.

"Mas esse processo reflete a democratização, o desenvolvimento dos cidadãos do Brasil", acrescentou. "Não acho que os protestos terminaram."

Em vez de alegria generalizada, o Brasil está enfrentando atrasos embaraçosos na conclusão de estádios, aeroportos e sistemas de transporte antes do início da Copa do Mundo, em junho. Os manifestantes questionam por que estão dando verbas pródigas para as instalações esportivas quando escolas e hospitais continuam sem fundos. A expulsão de moradores de favelas alimenta o ressentimento sobre grandes projetos de obras.

Enquanto isso, o explosivo Paes, cujas fortunas políticas estavam em ascensão antes dos protestos de rua, se encontra no centro de disputas cada vez mais ferozes sobre que tipo de cidade o Rio está se tornando.

"Eu acho que esse cara é 171", disse Gilva Gomes da Silva, 40, dono de uma borracharia na Favela do Metrô, onde sua casa foi demolida. A expressão "171" é a gíria para alguém que faz trapaças, uma referência ao número no Código Penal para o crime de fraude. Enquanto Gomes da Silva dizia que sua nova unidade de moradia pública era inaceitável, queixou-se de que o projeto pelo qual sua casa foi destruída, uma grande área comercial para consertos de carros, nem sequer se materializou. "Ele está nos enganando", disse o borracheiro sobre o prefeito.

Há mais de uma década, o Brasil é presidido por dois esquerdistas famosos por suas lutas. A presidente Dilma Rousseff é uma ex-guerrilheira urbana que foi presa e torturada durante a ditadura militar. Seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou à presidência depois de ganhar nome como líder sindical, nasceu em uma família de pequenos agricultorese nunca passou da escola elementar.

Paes contrasta acentuadamente com eles. Nascido no privilégio e criado nos bairros exclusivos do Rio, formou-se em direito na melhor universidade particular da cidade antes de entrar na política.

Paes se destacou no início dos anos 1990 como assessor do prefeito César Maia e esteve em cinco partidos ao longo de sua carreira, finalmente pousando no PMDB, de centro.

Depois de períodos como vereador e deputado, ele derrotou Fernando Gabeira, um líder icônico do PV, na disputa para prefeito em 2008. E apesar de a esquerda do Rio ter-se unido em torno de Marcelo Freixo, um ativista dos direitos humanos, em oposição a Paes em 2012, o prefeito conseguiu se reeleger com 65% dos votos.

Mas no espaço de alguns meses a vitóriaarrasadora deu lugar a cenas em que Paes foi vaiado por manifestantes. Apesar de enfrentar críticas frequentes, Paes, um fã de cigarrilhas, dá poucos sinais de se abalar.

Atacando os manifestantes mascarados chamados de black blocs por causa das roupas pretas e dos lenços que escondem seus rostos, ele os chamou de imbecis. Defendeu empreendimentos caros como o Museu do Amanhã, de US$ 100 milhões, um projeto ambicioso desenhado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, dizendo: "Precisamos de ícones". E insistiu em colocar em contexto sua agressiva reorganização do Rio.

"Não quero comparar minha cidade com Zurique. Graças a Deus não somos tão chatos", disse Paes durante o café da manhã servido por criadas de uniforme na imponente Prefeitura do Rio, uma torre comumente chamada de Piranhão, pois está em uma área onde as autoridades arrasaram um distrito de prostituição nas décadas de 1970 e 80.

"O Rio está avançando depressa", disse ele, "mas estamos em uma fase diferente em nossa civilização."

Poucas pessoas aqui discutem que Paes pôs em ação uma orgia de obras com poucos paralelos na história do Rio. Equipes de operários reconstroem febrilmente áreas em torno do porto, um bairro dilapidado de prédios decadentes que lembram a velha Havana, enquanto derrubava feridas urbanas como o elevado que cortava o centro velho.

Ao mesmo tempo, Paes supervisiona empreendimentos como a rodovia Transcarioca, que liga o aeroporto internacional à Barra da Tijuca, uma área extensa de torres residenciais, favelas e condomínios fechados, e uma série de novas instalações para a Olimpíada de Verão de 2016, quando deverá terminar seu segundo mandato.

Implosão da Perimetral

  • Parte do Elevado da Perimetral foi implodida em novembro, no Rio. Veja como foi a ação, clicando aqui

O frenesi imobiliário de Paes provocou comparações com a visão de Francisco Pereira Passos, o prefeito do início do século 20 que rasgou áreas do Rio para instalar prédios e bulevares no estilo "beaux-arts", inspirados em Paris.

Mas Paes insistiu que a era Pereira Passos foi diferente porque envolvia principalmente tentativas de europeizar áreas cobiçadas da cidade.

"Meus projetos não são nas áreas mais nobres", disse ele, alegando que os bairros exclusivos na orla litorânea em geral estão fora de seus planos.

A bonança para as empreiteiras e construtoras está acentuando as tensões nas ruas do Rio, com enormes manifestações sobre o aumento das tarifas de transporte e a insatisfação com os serviços públicos em 2013 evoluindo para uma série de protestos menores mas violentos entre manifestantes e a polícia.

DEU NO NEW YORK TIMES

  • Fernando Maia/UOL

    Logo após o encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres-2012, o New York Times criticou a cidade do Rio de Janeiro pelo planejamento mostrado para a Olimpíada de 2016.

    A publicação disparou duras críticas ao projeto de desapropriação de alguns bairros da cidade em nome da construção de uma infraestrutura para a recepção da competição olímpica. LEIA MAIS

Parte da animosidade se relaciona aos esforços das autoridades para controlar algumas favelas do Rio, com novos protestos irrompendo por causa da morte de moradores das favelas pela polícia. Bandos armados em algumas favelas enfrentaram agressivamente as forças policiais nos últimos semanas, apontando a erosão dos ganhos feitos na redução dos índices de criminalidade.

Paes afirma que certos acontecimentos estão além de seu controle. A responsabilidade pela polícia é do governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que talvez seja a única autoridade eleita do Rio de Janeiro que atraiu mais ira dos manifestantes que Paes.

De fato, Paes parece mais admirado no exterior que em casa. Em uma cúpula na África do Sul em fevereiro, ele sucedeu a Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, como líder do C40, uma rede de cidades que busca reduzir os efeitos das emissões do efeito estufa.

Paes insiste que está no melhor momento de sua vida como prefeito. Diz que aprecia a vibração da democracia brasileira e que ainda gosta de beber chope nos botecos do Rio, que são uma parte elementar do tecido social da cidade. Ele claramente aprecia as vantagens de seu trabalho.

Disse que a Mansão Gracie não temnada a mais que sua casa, comparando a residência do prefeito de Nova York com a Gávea Pequena, um luxuoso palácio com jardins tropicais onde Paes vive com sua mulher e dois filhos, e que durante 2013 teve manifestantes acampados à entrada.

Paes afirmou que a decepção com a classe política do Rio é generalizada, e não necessariamente dirigida a ele. Alguns dos moradores do Rio, incluindo os que se habituaram a ouvir que finalmente chegou a hora de a cidade brilhar, concordam.

"Não tenho nada contra ele", disse Gilmar Mello, 47, dono de uma pequena loja de equipamentos para motos na Favela do Metrô. Sua loja fica ao lado de uma pilha de borracha depois das recentes expulsões e demolições na favela, não longe do estádio de futebol do Maracanã, reformado. "Todo mundo que for prefeito fará a mesma coisa."

RIO PAGA ESTÚDIO PARA TV, MAS FAZ JOGO DURO COM FAN FEST

  • A realização das chamadas Fan Fests está envolta em um impasse em metade das cidades-sedes da Copa do Mundo. O custo para a organização das exibições públicas de jogos do Mundial de 2014, o temor de que os eventos acabem sendo alvo de protestos e até questões ambientais levaram prefeituras a repensar a montagem da estrutura exigida pela Fifa, contrariando os planos da própria entidade. Por conta disso, em seis das 12 sedes da Copa, a realização das Fan Fests ainda têm pendências a serem acertadas. Entre elas, o Rio.