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Suspeito de ataque terrorista em maratona espera em isolamento

Dzhokhar Tsarnaev, acusado de planejar e executar um ataque com bombas na Maratona de Boston em 2013 - Divulgação
Dzhokhar Tsarnaev, acusado de planejar e executar um ataque com bombas na Maratona de Boston em 2013 Imagem: Divulgação

Michael Wines e Serge F. Kovaleski com a colaboração de Susan C. Beachy e Alain Delaquérière

15/04/2014 12h29

Ele não pode se misturar com outros prisioneiros, nem falar ou orar com eles. Seus únicos visitantes são sua equipe de advogados, um psicólogo e sua família, que aparentemente o vê poucas vezes.

Ele tem permissão para escrever apenas uma carta - de três páginas, frente e verso - e fazer uma chamada telefônica por semana, e somente para sua família. Só pode ler jornais e revistas sem os anúncios classificados e as cartas ao editor, pois o governo os considera veículos potenciais para mensagens codificadas. Ele não vê televisão, nem ouve rádio. Ele sai de sua cela com pouca frequência, e somente para um pequeno espaço aberto.

Faz quase um ano desde que os policiais encontraram Dzhokhar Tsarnaev em um quintal suburbano de Boston, escondendo-se em um barco após ser ferido por tiros. Hoje, ele passa seu tempo em um centro médico federal seguro, à espera do julgamento de novembro, acusado de ajudar a planejar e executar um ataque com bombas na Maratona de Boston que matou três pessoas e feriu pelo menos 260, além de uma busca e sequestro que levaram a cidade inteira ao confinamento. O episódio fará um ano na terça-feira (15/04).

Hoje com 20 anos, é a sua vez de ficar efetivamente isolado do mundo exterior, preso sob “medidas administrativas especiais” aprovadas pelo procurador-geral dos EUA. Esse tipo de restrição é reservado para detentos considerados de grande ameaça para os outros – apesar de as autoridades federais dizerem, em particular, que há poucos indícios sugerindo que Tsarnaev e seu irmão Tamerlan fossem algo mais do que terroristas nacionais isolados. A ordem judicial proíbe seus advogados e familiares de divulgarem qualquer coisa que ele tenha dito ou escrito.

Documentos judiciais e um trecho de uma conversa por telefone com a família, divulgados antes da adoção das medidas restritivas, oferecem vislumbres de sua vida. Em maio passado, ele disse a seus pais no Daguestão que “está tudo bem”, que ele estava comendo refeições de frango e arroz e que pessoas que o apoiam tinham depositado cerca de US$ 1.000 (em torno de R$ 2.400) em uma conta bancária criada em seu nome.

E ele recebe cartas e cartões postais: pelo menos mil até agora, segundo seus advogados, muitos de pessoas pedindo-lhe para se converter ao cristianismo, mas outros de admiradores e apoiadores que acreditam em sua inocência.

Crystel Clary, uma mãe solteira de Wisconsin que completa 35 anos na terça-feira, é um deles. Ela conta que já escreveu dez vezes para Tsarnaev, a primeira vez um mês após o ataque do dia 15 de abril, oferecendo apoio moral e notícias sobre assuntos como o último álbum do rapper Eminem e novos filmes em cartaz. Os agentes carcerários devolveram os cartões de aniversário e do Dia dos Namorados, disse ela, lembrando que não tem permissão para escrever a Tsarnaev. Clary disse que as cartas não foram devolvidas, e ela não recebeu resposta alguma de Tsarnaev. Sua conta no Twitter, no entanto, apresenta fotografias de Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, que foi morto pela polícia durante a perseguição.

“Dá para dizer que ele não fez isso”, disse ela. “Há muita coisa suspeita acontecendo neste caso.”

Em documentos do processo, os promotores parecem ter acumulado um arsenal de provas a partir de milhares de páginas de documentos e terabytes de informações digitais, incluindo o que eles dizem ser uma confissão de Tsarnaev no leito do hospital e um apelo para que outros façam uma guerra santa contra os americanos.

Os documentos fornecem embasamento para as 30 acusações criminais contra ele. Dezessete delas podem levar à pena de morte. O tribunal federal de Massachusetts, raramente acusado de apressar um caso, deu aos dois lados 19 meses para se prepararem para um julgamento que a acusação diz que poderá durar três meses.

Por sua vez, a equipe jurídica de defesa pública de Tsarnaev - cinco advogados, pelo menos dois investigadores, uma turma de estagiários e auxiliares - chamou 19 meses de correria, de pouco tempo para a defesa destruidora que parece estar reunindo. Os membros da defesa pediram diversas vezes acesso irrestrito aos arquivos da acusação e, de acordo com as queixas amargas dos promotores, ignoraram as ordens do tribunal obrigando-os a entregar consideravelmente menos informação do que a acusação está sendo obrigada a dar.

Os advogados de defesa fizeram uso até mesmo de pequenos incidentes para dizer que o governo é mesquinho e vingativo, acusando os promotores de distorcerem uma piada Tsarnaev sobre seu confinamento para usarem como evidência de sua falta de remorso.

E os dois lados travaram uma guerra em relação aos termos de prisão de Tsarnaev, as chamadas medidas administrativas especiais que são adotadas para suspeitos de terrorismo, mas que, segundo a defesa, são injustificadas no caso de Tsarnaev. As medidas especiais foram criadas em 1996, mas se tornaram mais duras e comuns contra os acusados de terrorismo após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Tsarnaev passa seus dias no Centro Médico Federal de Devens, Massachusetts, uma prisão hospitalar masculina que abriga 1.042 detentos e 131 outras pessoas em um acampamento de segurança mínima adjacente. Sua saúde é desconhecida, embora os documentos do tribunal sugiram que ele se recuperou dos ferimentos mais graves sofridos durante a perseguição que levou à sua captura em abril passado.

A localização e as condições de seu confinamento são definidas por agentes federais, e há alguma margem de manobra para o grau de isolamento imposto: por exemplo, as medidas administrativas tecnicamente permitem que Tsarnaev escreva uma carta por mês, mas na prática ele pode enviar uma por semana.

Além de estar segregado dos outros prisioneiros - para a sua segurança e a segurança deles, segundo o governo - Tsarnaev pode passar pouco tempo fora de sua cela.

Richard Reid, o “terrorista do sapato”, que tentou explodir um voo da American Airlines que ia de Paris a Miami em dezembro de 2001, ficava confinado durante 23 horas por dia e tinha acesso à luz do sol por uma hora, de acordo com Gerry Leone, que era assistente do promotor e coordenador de terrorismo em Massachusetts e supervisionou o caso. Tal como acontece com Tsarnaev, disse ele, todas as comunicações de ou para Reid eram apreendidas e analisadas para detectar mensagens codificadas.

As medidas têm como objetivo evitar que suspeitos de terrorismo promovam outros planos a partir de suas celas, disse Leone.

“Parte da razão é que os terroristas tentam recrutar outras pessoas”, disse ele. “Eles usam muitas formas diferentes de comunicação com os outros para tentar comprometer a segurança”.

Os promotores argumentam que Tsarnaev impõe exatamente esse tipo de ameaça: que ele conspirou para matar americanos; usou instruções de fabricação de bombas da Al Qaeda como modelo; não demonstra arrependimento e pode contar com conspiradores ainda desconhecidos, à espera de uma chamada em código para entrarem em ação.

Pouco depois de sua captura em abril passado, “Tsarnaev reafirmou seu compromisso com a jihad e expressou a esperança de que suas ações inspirassem outros a participar da jihad violenta”, declarou o Departamento de Justiça em um documento legal em agosto passado.

Os advogados de defesa afirmam em documentos judiciais, no entanto, que o Ministério Público não ofereceu nenhuma evidência de que Tsarnaev faz parte de uma rede estrangeira. A contratação de um psicólogo por parte da defesa pode sugerir que usará o argumento de doença mental – e que, talvez, tenha caído sob a influência de seu irmão mais velho, o agressivo Tamerlan, uma perspectiva levantada no tribunal no mês passado. A promotoria pediu à defesa na última sexta-feira (11) que revelasse se pretendia apresentar provas no julgamento que Dzhokhar Tsarnaev sofria de doença mental.

A American Civil Liberties Union se opõe a certos aspectos das medidas administrativas especiais, e sua filial de Massachusetts pediu ao tribunal que ouvisse seus argumentos, sem sucesso.

“O que nos aproximou do caso foi uma preocupação com o direito à defesa e a capacidade da equipe de defesa de fazer seu trabalho assegurado pela Constituição”, disse em uma entrevista Matthew R. Segal, diretor jurídico do grupo em Massachusetts.

No fim das contas, talvez seja isso que ocupe os dias de Tsarnaev: minúcias legais. Os membros de sua equipe jurídica se encontraram com ele em 80 dos primeiros 162 dias de seu confinamento, disseram os promotores em um documento em outubro passado.