Topo

Com aumento das tensões, Ucrânia e Rússia aproximam-se de conflito direto

15.jul.2014 - Militante pró-russo fica de guarda em um posto de controle em Marinka, cidade a 25 km de Donetsk, na Ucrânia - Dominique Faget/AFP
15.jul.2014 - Militante pró-russo fica de guarda em um posto de controle em Marinka, cidade a 25 km de Donetsk, na Ucrânia Imagem: Dominique Faget/AFP

David M. Herszenhorn e Sabrina Tavernise

Em Kiev (Ucrânia)

16/07/2014 06h00

As acusações de hostilidades na fronteira entre Ucrânia e Rússia se intensificaram na terça-feira (15), aprofundando a guerra oculta de sabotagens e ataques reais que ameaça arrastar os dois países para um conflito direto.

Na terça-feira, oficiais militares ucranianos disseram suspeitar que a Rússia realizou um ataque aéreo que matou pelo menos quatro civis em Snizhne, uma cidade no leste da Ucrânia, a cerca de 20 quilômetros da fronteira.

Rebeldes separatistas pró-Rússia, por sua vez, disseram que as forças armadas ucranianas realizaram o bombardeio, que destruiu um prédio residencial.

O anúncio pelo gabinete do procurador-geral da Ucrânia de que estava coletando evidência do papel da Rússia no ataque aéreo ocorre um dia após o governo em Kiev dizer foi responsável pelo abate de um avião de transporte militar em Luhansk. Um dia antes disso, o Ministério das Relações Exteriores russo alertou sobre "consequências irreversíveis" após um homem ter sido morto e duas outras pessoas terem ficado feridas quando um disparo de morteiro atingiu a cidade de Donetsk, no lado russo da fronteira.

Anatoliy Matios, um vice-procurador-geral, disse em uma coletiva de imprensa em Kiev que o governo pretende documentar o envolvimento da Rússia no bombardeio de um prédio residencial em Snizhne. "Será provado, de acordo com os padrões internacionais, que um Estado vizinho usou equipamento e munição militar", disse Matios.

Apesar dos separatistas terem culpado o governo pelo ataque aéreo, as autoridades ucranianas insistiram que todos os voos militares foram suspensos na segunda-feira (14), após o abate de um avião de transporte militar em um ataque com foguete. A Rússia negou na terça-feira que o foguete que destruiu o avião foi disparado de seu lado da fronteira.

Com o risco de uma guerra aberta entre a Rússia e a Ucrânia parecendo aumentar a cada dia, os ministros das Relações Exteriores da Ucrânia, França e Alemanha falaram por telefone, na manhã de terça-feira, com o chefe do gabinete da presidência da Rússia, Sergei Ivanov, e novamente pediram pela retomada das negociações por um chamado grupo de contato, encarregado pela mediação de uma solução política.

Negociações paradas

As negociações estagnaram há mais de 15 dias, desde antes do presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, cancelar um cessar-fogo unilateral, e há pouco sinal de que um progresso ocorrerá rapidamente. Os ministros das Relações Exteriores, com Ivanov substituindo Sergei S. Lavrov da Rússia, disseram estar buscando arranjar uma videoconferência, na qual os negociadores poderiam concordar com um local para um encontro.

Com as recriminações a respeito dos ataques na fronteira aumentando a animosidade entre os países, o número de mortos continua crescendo na insurreição separatista no leste da Ucrânia e no esforço das forças armadas ucranianas de esmagar a rebelião.

Pelo menos mais seis soldados ucranianos foram mortos e 13 ficaram feridos nos combates ao longo da noite por todo o leste, disse Andriy Lysenko, um porta-voz do Conselho de Defesa e Segurança Nacional da Ucrânia em uma coletiva de imprensa na terça-feira.

A autodeclarada República Popular de Luhansk separatista disse que 15 civis foram mortos e mais de 60 ficaram feridos nos bombardeios e outros combates por toda a região.

As cidades afetadas pelo movimento separatista na Ucrânia - Arte/UOL - Arte/UOL
As cidades afetadas pelo movimento separatista na Ucrânia
Imagem: Arte/UOL

Esse número não inclui pelo menos quatro civis mortos no ataque aéreo em Snizhne, que destruiu um prédio de apartamentos de cinco andares pouco depois das 6 horas da manhã.

"Um avião desconhecido bombardeou a cidade de Snizhne", disse Lysenko. "Bombas caíram diretamente nas ruas do centro, na Rua Lênin. Há informação sobre cidadãos locais mortos e feridos, prédios em ruínas. Nós declaramos que desde ontem, quando teve início uma operação de resgate visando encontrar os pilotos ucranianos do AN-26 abatido, aviões das forças armadas da Ucrânia não fariam nenhum voo."

Ele chamou o ataque de "uma provocação cínica e sangrenta visando desacreditar as forças armadas ucranianas".

Autoridades ucranianas disseram que o avião de carga abatido estava voando em uma altitude alta o bastante que sua destruição exigiria um míssil terra-ar mais sofisticado, fornecido pela Rússia. Elas também disseram que parece que o míssil foi disparado do lado russo da fronteira.

A Rússia negou a acusação na terça-feira, dizendo que o avião foi abatido longe demais da fronteira para ter envolvimento de um míssil russo, e que os Estados Unidos deveriam fornecer evidência mais conclusiva a partir de imagens por satélite.

"O local onde o avião caiu é conhecido e distante da fronteira russa", disse o coronel-general Yuri Solovyov, o ex-comandante do Comando de Missões Especiais da Rússia, responsável pela defesa aérea, segundo a agência de notícias "Interfax". "A Rússia não dispõe de sistemas de defesa aérea com tamanho alcance ao longo da fronteira com a Ucrânia."

O general Solovyov acrescentou: "Se as alegações ucranianas fossem verdadeiras, os Estados Unidos teriam produzido informação a partir do espaço há muito tempo, indicando que o sistema de defesa aérea da Rússia abateu o AN-26. Assim como nós, eles veem as coisas em tempo real e notam o que voa para onde e quem lança o quê."
 

Ele disse à "Interfax" que o avião ucraniano pode ter sido atingido por um míssil terra-ar Strela-10, que é de conhecimento que os rebeldes possuem.

Em Viena, onde autoridades ocidentais estavam reunidas para as negociações em torno do programa nuclear do Irã, um alto funcionário, que se recusou a ser identificado por estar discutindo relatos da inteligência, disse que a informação sobre o abate do avião ucraniano foi inconclusiva.

O funcionário disse que a conclusão inicial de alguns analistas do governo é de que o avião provavelmente foi destruído por um míssil terra-ar russo e não por um sistema antiaéreo portátil. O funcionário também disse que o míssil provavelmente foi disparado do lado russo da fronteira, uma afirmação impossível de verificar.

As autoridades ocidentais de modo geral foram rápidas em apoiar a versão ucraniana dos fatos, e repreenderam repetidamente o Kremlin por não fazer o bastante para impedir o fluxo de armas e combatentes pela fronteira com destino ao leste da Ucrânia.

Parte da estratégia do Ocidente parece ser construir um caso para sanções econômicas adicionais contra a Rússia, mas até o momento os Estados Unidos e seus aliados europeus fracassaram em ir além das ameaças de imposição de penas, que atingiriam amplos setores da economia russa.

Apesar do apoio da Rússia aos separatistas ser inegável, altos funcionários russos, incluindo o presidente Vladimir V. Putin, estão pedindo em voz alta por um acordo pacífico e insistindo que não há base para sanções adicionais. Os interesses de negócios ocidentais –particularmente na Europa, que seria mais duramente afetada do que os Estados Unidos– têm feito lobby pesado contra sanções adicionais, temendo perder receitas.

(Reportagem de David M. Herszenhorn, em Kiev (Ucrânia), e Sabrine Tavernise, em Luhansk (Ucrânia). Michael R. Gordon, em Viena (Áustria), contribuiu com reportagem adicional.)