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Abrigos são poucos ou distantes para os palestinos na faixa de Gaza

Anne Barnard

Em Gaza

22/07/2014 08h21

Enquanto o número de civis mortos crescia no domingo (20) durante a invasão da faixa de Gaza, os militares israelenses lembraram ao mundo que tinham avisado aos moradores das áreas alvo para que saíssem. A resposta dos palestinos aqui foi unânime: para onde?

Os abrigos da ONU já estão cheios, e alguns palestinos temem que não sejam seguros: um abrigo foi bombardeado por Israel em um conflito anterior. Muitos moradores de Gaza têm procurado refúgio com parentes, mas com famílias extensas e comumente compostas por dezenas de pessoas, muitas casas nas áreas consideradas seguras –cada vez menores- já estão lotadas.

Mapa Israel, Cisjordânia e Gaza - Arte/UOL - Arte/UOL
Mapa mostra localização de Israel, Cisjordânia e Gaza
Imagem: Arte/UOL

Talvez o mais importante, a grande maioria dos habitantes de Gaza não pode deixar Gaza. Eles vivem sob restrições que tornam esta estreita faixa costeira, que as Nações Unidas considera ocupada por Israel, diferente de qualquer outro lugar.

Em 2010, o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, chamou Gaza de “uma prisão a céu aberto”, atraindo críticas de Israel. Mas, na realidade, a grande maioria dos habitantes de Gaza estão efetivamente presos, pois não conseguem obter o estatuto de refugiados nas fronteiras internacionais. (A maioria já é refugiada do que hoje é Israel.)

Um retângulo de 40 quilômetros de comprimento e poucos quilômetros de largura e um dos lugares mais densamente povoados do mundo, Gaza é cercada por muros de concreto e cercas ao longo de suas fronteiras norte e leste, com Israel, e de sua fronteira sul com o Egito.

Mesmo nas épocas ditas normais aqui, muito poucos habitantes de Gaza obtêm permissão para entrar em Israel, que alega preocupações de segurança porque os homens-bomba e outros militantes de Gaza mataram civis israelenses. As restrições ao longo dos anos custaram aos palestinos empregos, bolsas de estudo e viagens.

O Egito também restringiu severamente a capacidade de viagem dos habitantes de Gaza, abrindo sua passagem na fronteira com o território por apenas 17 dias deste ano. Durante a atual batalha entre Israel e os militantes do Hamas que controlam Gaza, só tiveram autorização para sair aqueles que tinham passaportes egípcios ou estrangeiros ou permissões especiais.

Nem mesmo o mar Mediterrâneo, a oeste, fornece uma rota de fuga. Israel restringe os barcos de Gaza a três milhas náuticas além da costa. Gaza não tem aeroporto, e seu espaço aéreo é controlado por Israel.

Assim, enquanto 3 milhões de sírios fugiram do país durante a guerra, uma parte cada vez maior dos 1,7 milhão de habitantes de Gaza vem se afastando das margens da faixa e lotando o centro já embolado da Cidade de Gaza.

A família al-Attar, do norte de Gaza, estava amontoada em uma sala de aula da ONU no domingo (20), 27 parentes ao todo. Suas roupas estavam penduradas nos ganchos para as mochilas das crianças. Eles haviam se mudado primeiro para a casa de um parente, onde 34 pessoas compartilhavam dois quartos. Depois, eles tentaram alugar um apartamento, mas não encontraram nenhum vago. Eles ansiavam por uma trégua para que pudessem ir para casa. Mesmo aqui, no centro de Gaza, houve vários ataques fatais durante o dia, incluindo um que matou quatro crianças.

“O problema é que, quando estamos fugindo do bombardeio, ainda temos o bombardeio ao nosso redor”, disse al-Attar Maissa, 21.


No domingo, famílias fugiram a pé das rodadas de artilharia, ou morreram em suas casas, enquanto os israelenses avançavam para a região de Shejaiya, em uma operação para localizar e destruir os túneis usados por militantes do Hamas para entrar em Israel e realizar ataques, segundo os militares israelenses.

O caos fez alguns observadores externos perguntarem por que as pessoas não saíram mais cedo, antes da ofensiva terrestre se aproximar. O Exército israelense disse ter dado aos habitantes de Gaza todas as oportunidades para evitar vítimas, pedindo que evacuassem os bairros que iriam atingir. Os moradores disseram que folhetos foram lançados sobre Shejaiya no sábado (19), mas um alto oficial militar disse que as advertências tinham começado dias antes.

“É muito pior ficar em casa quando você está 100% certo de que haverá batalha ali”, disse o oficial. “Fique fora por dois ou três dias; é melhor do que ficar no campo de batalha.”

Ainda assim, muitos fugiram apenas quando os tiros começaram a zumbir. As autoridades israelenses especulam que os militantes do Hamas ameaçaram retaliar as pessoas se elas partissem, para que servissem de escudo humano. Os moradores de Gaza não mencionam esse tipo de ameaça -embora alguns digam que não se sentem à vontade para criticar o Hamas.

Esses temores não pareceram deter 81 mil pessoas que fugiram para abrigos da ONU e dezenas de milhares que foram para casas de parentes.

Mas o Hamas pode ter dado às pessoas uma falsa sensação de segurança: proclamou no rádio e na televisão que as advertências israelenses faziam parte de uma operação psicológica e pediu às pessoas para ignorá-las. Alguns ficaram surpresos com a extensão de território coberto pelos israelenses no domingo, acreditando que apenas as áreas a oeste, mais próximas à fronteira, seriam seriamente ameaçadas e não as áreas a leste que também receberam advertências israelenses.

Outro fator é que as grandes famílias de Gaza às vezes incluem dezenas de pessoas -metade de todos os moradores de Gaza são crianças- e uma mudança não é tão simples quanto fazer uma mala e sair correndo. As famílias são profundamente enraizadas em seus bairros, e muitas não têm quem as receba em outros lugares.

A família al-Attar pensou em vender suas terras perto da fronteira com Israel e mudar para algum lugar mais seguro, mas não conseguia comprar apartamentos na Cidade de Gaza, onde a escassez de terra, especialmente perto do mar, impulsiona os preços elevados.

Além disso, os membros da família dependem da terra para ganhar a vida, cultivando hortaliças e criando frango. Al-Attar disse: “Não significa puramente vender uma casa e comprar outra; é a nossa vida e a vida dos nossos avós”.

Sob o fogo em Shejaiya, alguns moradores disseram que simplesmente não queriam acatar as ordens de um governo estrangeiro que consideram ocupante, e preferiram permanecer em suas casas. Um homem, no domingo, depois de ter acompanhado sua família para longe do bombardeio, declarou: “Eu vou voltar, não tenho medo”, e começou a marchar de volta para o bairro fumegante. Ele só reconsiderou depois que sua irmã correu atrás dele implorando para que não fosse.