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Desastre do voo MH17 na Ucrânia está à espera de uma investigação

Crianças passam por destroços do avião na vila Petropavlivka, perto de Donetsk - Dmitry Lovetsky/AP
Crianças passam por destroços do avião na vila Petropavlivka, perto de Donetsk Imagem: Dmitry Lovetsky/AP

Sabrina Tavernise e Thomas Erdbrink

Em Grabovo, Ucrânia

26/07/2014 06h00

As equipes de resgate já partiram e suas tendas se foram. O cordão de isolamento de plástico balança inutilmente ao vento. Os agricultores estão colhendo o trigo em um campo onde os corpos jaziam. O voo 17 de Malaysia Airlines foi explodido no céu há uma semana na quinta-feira, aprofundando as tensões entre a Rússia e o Ocidente e colocando pelo menos 10 países, cujos cidadãos estavam a bordo, no meio de uma guerra entre o governo da Ucrânia e rebeldes pró-Rússia, que as autoridades de inteligência ocidentais suspeitam ter abatido o avião. Mas, apesar de todo o frenesi diplomático que se seguiu ao desastre, não há sinal de uma investigação aqui.

No campo na Ucrânia onde caíram os restos mortais explodidos, não há guardas nem equipes de recuperação; não há policiais nem investigadores. No início da noite de quinta-feira, quase não havia ninguém –apenas duas meninas de 12 anos curiosas, olhando para parte da cauda do Boeing 777.

A falta de uma investigação no local –e de uma cena de crime demarcada– talvez não cause surpresa, dado que o avião caiu no que é basicamente uma terra de ninguém, onde rebeldes pró-Rússia declararam seu próprio Estado. Os rebeldes que têm poder nestas terras voltaram à sua guerra, desinteressados em um desastre que chamou a atenção do mundo.

Funcionários de inteligência americanos disseram que estes campos podem conter pistas importantes sobre o abate do avião, como pedaços da munição usada para abatê-lo ou os padrões dos danos que ela pode ter causado. Mas não está claro se os investigadores internacionais poderão voltar, e se o fizerem, se muito terá restado após o clima e o tempo deixarem sua marca.

Os campos não ficam distantes da zona de batalha, de modo que a segurança também é um problema. Um grupo de 25 investigadores liderado pela Holanda, de onde partiu o voo, está ávido para chegar ao local, mas preocupações de segurança os deixam aguardando em Kiev, Ucrânia, desde sexta-feira.

"Não há ninguém aqui", disse Michael Bociurkiw, um porta-voz da Organização para Segurança e Cooperação na Europa. cuja missão de monitoramento comparece ao local todo dia desde sexta-feira. Quanto à chegada de peritos internacionais, "está longe de haver movimento à nossa porta".

A investigação provavelmente ficará atolada na mesma política que adiou a remoção dos corpos dos 298 passageiros e tripulantes do leste da Ucrânia. Os rebeldes se recusavam a lidar com o governo pró-Ocidente da Ucrânia, o deixando incapaz de responder. Então restou o problema de lidar diretamente com separatistas que estão em guerra com o governo da Ucrânia.

O primeiro-ministro da Austrália, Tony Abbott, descartou na quinta-feira negociar com os rebeldes pró-Rússia, dizendo que "nós reconhecemos a autoridade do governo da Ucrânia sobre o território ucraniano", assim como a autoridade da ONU. (Especialistas da Malásia, cujo governo lidou com os rebeldes diretamente, foram os primeiros no local da queda do avião.)

Sara Vernooij, uma porta-voz do Birô de Segurança Holandês, a agência encarregada da investigação, disse que os especialistas "estão investigando imagens por satélite, fotos e vídeos e entrevistaram aqueles que estiveram no local".

Na quinta-feira, o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, anunciou que 40 policiais holandeses desarmados acompanhariam os investigadores ao local. Mas não ficou claro como esses policiais protegeriam a equipe em uma zona de combate, onde agentes de segurança de um país da OTAN poderiam ser vistos com suspeita.

É improvável que algumas questões cruciais sobre o desastre sejam respondidas no local da queda do avião. Autoridades americanas disseram que com base nos cálculos de sua trajetória, o míssil foi disparado de dentro do leste da Ucrânia, e autoridades de inteligência suspeitam que a Rússia deu aos rebeldes o sistema de mísseis usado para abater o voo 17. Mas eles não sabem se alguma unidade militar russa ativa esteve envolvida na operação do lançador de mísseis.

Alguns poucos rostos novos estiveram presentes no local na quinta-feira. Três investigadores australianos trabalharam no campo, acompanhados por três malasianos. Antes de partirem na quinta-feira, os malasianos disseram que ficaram surpresos com a quantidade de acesso que tiveram ao local e que se sentiam seguros, disse Bociurkiw.

Foram muitos os relatos de saques, mas Bociurkiw disse que seu grupo de monitoramento, que já passou mais tempo no local do que qualquer outro, não viu nenhum. Os malasianos disseram que viram objetos de valor intocados nos campos, ele notou, incluindo um frasco de perfume, autopeças, mochilas cheias de pertences, um relógio e algumas joias.

O Birô de Segurança Holandês disse em uma declaração que um exame inicial mostrou que ambas as chamadas caixas pretas do voo 17 foram danificadas, mas que seus chips de memória estavam intactos. O birô acrescentou que "não há evidência ou indicação de manipulação" tanto do gravador de voz da cabine quanto do gravador de dados do voo, e que os dados de ambos foram baixados por especialistas da Divisão de Investigação de Acidentes Aéreos do Reino Unido, em Farnborough, Inglaterra.

O gravador de voz da cabine normalmente contém as duas últimas horas de conversas do piloto e outros sons da cabine, incluindo quaisquer alarmes que possam ter soado enquanto os sistemas de voo do avião falhavam. O gravador de dados registra centenas de estatísticas diferentes, incluindo a posição do avião, velocidade, altitude e direção. O birô holandês disse que os dados de ambos os gravadores seriam sincronizados e analisados, mas não indicou quando espera tornar públicos os resultados.

O birô holandês disse estar confiante que ambas as caixas pretas e os destroços em solo fornecerão "informação relevante suficiente" para determinar as circunstâncias do acidente. Mas como é comum em investigações técnicas, os investigadores disseram que sua meta não é determinar a culpa. O birô disse que realizaria uma investigação separada do processo que levou as autoridades de aviação a decidirem que a área no leste da Ucrânia, onde ocorreu a queda do voo 17, era segura como rota para aeronaves civis.

O avião caiu em meio a plantações de milho, trigo e girassóis, pontilhadas por aldeias minúsculas, onde os corpos e destroços choveram sobre casas e quintais. Em Petropavlovka, os aldeões tiveram sua rua principal bloqueada por um grande pedaço do compartimento de carga, e estavam colocando os pedaços do avião que encontravam, grandes e pequenos, dentro dele, disse Bociurkiw, o porta-voz da missão de monitoramento.

Os aldeões, ele disse, "se sentiram compelidos a virem nos contar sobre o que viram". O local estava sereno na quinta-feira, quase santificado. O vento farfalhava a plantação de trigo. Um bando de pássaros sobrevoou o local. Uma vaca mugiu ao longe. Havia marcas de formato humano na grama.

Leeza Kovalchuk, 12 anos, de short cor de rosa e camiseta preta sem manga com lantejoulas na forma de caveira e carregando uma bolsa branca, perambulava pelo local com uma amiga. Elas caminharam por um trecho de terra queimada pela fuselagem na direção de áreas mais verdes. "Eu vi algo com sangue aqui", ela disse para sua amiga, apontando para uma pilha de partes do avião. Elas caminharam mais adiante. "Foi aqui que a vovó encontrou a menininha", ela disse.