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Cérebro de crianças autistas possuem sinapses demais, sugere estudo

Cerca de 90% dos brasileiros com autismo não recebem diagnóstico - Wagner Ávila/Divulgação
Cerca de 90% dos brasileiros com autismo não recebem diagnóstico Imagem: Wagner Ávila/Divulgação

Pam Belluck

22/08/2014 06h02

Lançando nova luz sobre o funcionamento do cérebro no autismo, um novo estudo sugere que há um excesso de sinapses em pelo menos algumas partes dos cérebros de crianças com autismo, e que a capacidade do cérebro de reduzir o número dessas sinapses é comprometida.

A descoberta fornece pistas sobre como o autismo se desenvolve a partir da infância e poderia ajudar a explicar alguns dos sintomas como a sensibilidade excessiva a ruído ou experiências sociais, assim como o motivo para muitas pessoas com autismo também terem ataques epiléticos. Também poderia ajudar os cientistas na busca por tratamento, se puderem desenvolver terapias seguras para consertar o sistema usado pelo cérebro para eliminar as sinapses excedentes.

O estudo, publicado na quinta-feira (21) na revista "Neuron", envolveu tecido dos cérebros de crianças e adolescentes que morreram com idades entre 2 a 20 anos. Cerca da metade das crianças tinha autismo, as outras não.


Os pesquisadores, do Centro Médico da Universidade de Columbia, olharam atentamente para uma área do lobo temporal do cérebro envolvido no comportamento social e na comunicação. Analisando o tecido de 20 dos cérebros, eles contaram os espinhos dendríticos nos neurônios e encontraram mais espinhos nas crianças com autismo. Os espinhos se ramificam de um neurônio e recebem sinais de outros neurônios por meio de conexões chamadas sinapses, de modo que mais espinhos indicam mais sinapses.

No desenvolvimento saudável do cérebro, há uma explosão de sinapses muito cedo e depois tem início um processo de “poda” (diminuição das sinapses). Esse processo é necessário para assegurar que diferentes áreas do cérebro possam desenvolver funções específicas e não fiquem sobrecarregadas de estímulos.

A equipe de Columbia descobriu que nas idades mais jovens, o número de espinhos não difere muito entre os dois grupos de crianças, mas os adolescentes com autismo possuem significativamente mais espinhos que aqueles sem autismo. Jovens saudáveis de 19 anos tinham 41% menos sinapses do que crianças pequenas saudáveis, mas os autistas no final da adolescência apresentavam apenas 16% menos do que as crianças pequenas com autismo.

Uma criança com autismo que tinha 3 anos quando morreu tinha muito mais sinapses do que qualquer criança saudável de qualquer idade, disse David Sulzer, um neurobiólogo e principal investigador do estudo.

Os especialistas disseram que o fato de as crianças pequenas de ambos os grupos apresentarem aproximadamente o mesmo número de sinapses sugere um problema de poda no autismo, não um problema de produção excessiva.

"Mais não significa melhor quando se trata de sinapses, e a poda é absolutamente essencial", disse Lisa Boulanger, uma bióloga molecular de Princeton, que não esteve envolvida na pesquisa. "Se fosse um crescimento excessivo, a expectativa é de que elas seriam diferentes desde o começo, mas como a diferença de sinapses ocorre posteriormente, trata-se provavelmente da poda."

A equipe de Sulzer também encontrou biomarcadores e proteínas nos cérebros com autismo, refletindo mau funcionamento nos sistemas de remoção de células velhas e degradadas, um processo chamado autofagia.

"Eles mostram que esses marcadores de autofagia diminuem" nos cérebros afetados pelo autismo, disse Eric Klann, um professor de ciência neural da Universidade de Nova York. "Sem a autofagia, essa poda não pode ocorrer."

As descobertas são as mais recentes em uma área da pesquisa do autismo que está atraindo crescente interesse. Há anos os cientistas debatem se o autismo é um problema de cérebros com conectividade insuficiente ou excessiva, ou alguma combinação.

Ralph-Axel Müller, um neurocientista da Universidade Estadual de San Diego, disse que há crescente evidência de conectividade excessiva, inclusive a partir dos estudos de imagens do cérebro que ele conduziu.

"As deficiências que vemos no autismo parecem ocorrer em diferentes partes do cérebro, conversando demais umas com as outras", disse. "É preciso perder parte dessas conexões para um desenvolvimento ajustado do sistema das redes cerebrais, porque se todas as partes do cérebro conversarem com todas as partes do cérebro, só se obtém ruído, não comunicação."

Mais sinapses também criam oportunidade para ataques epilépticos, porque há sinais elétricos em excesso sendo transmitidos no cérebro, prosseguiu Klann. Mais de um terço das pessoas com autismo tem epilepsia, segundo ele.