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Bactérias podem controlar nosso comportamento - e nos fazer de 'marionetes'

Em nossos intestinos, as bactérias produzem algumas das mesmas substâncias químicas que nossos neurônios usam para se comunicar uns com os outros, como a dopamina e a serotonina - AFP
Em nossos intestinos, as bactérias produzem algumas das mesmas substâncias químicas que nossos neurônios usam para se comunicar uns com os outros, como a dopamina e a serotonina Imagem: AFP

Carl Zimmer

25/08/2014 06h00

Seu corpo é o lar para cerca de 100 trilhões de bactérias e outros micróbios, conhecidos coletivamente como microbioma. Os naturalistas descobriram os nossos habitantes invisíveis pela primeira vez no século 17, mas foi só nos últimos anos que passamos a conhecê-los melhor.

A pesquisa recente tem dado ao microbioma a fama de ser algo fofinho. Nós passamos a apreciar como nossos micróbios podem ser benéficos, ajudando a digerir nossa comida, lutando contra infecções e fortalecendo nosso sistema imunológico. É um lindo jardim invisível do qual devemos cuidar para o nosso bem-estar.

Mas na revista BioEssays, uma equipe de cientistas levantou uma possibilidade mais assustadora que essa. Talvez o nosso zoológico de germes influencie também o nosso comportamento para alcançar seu próprio sucesso evolutivo – fazendo com que tenhamos vontade de comer certos alimentos, por exemplo.

Talvez o microbioma seja o manipulador e nós sejamos a marionete.

"Uma das formas em que comecei a pensar sobre isso foi a da perspectiva de romance criminal”, disse Carlo C. Maley, biólogo evolucionista da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e co-autor do novo estudo. "Quais são os meios, motivos e oportunidades para os micróbios nos manipularem? Eles têm todos os três."

A ideia que um simples organismo poderia controlar um animal complexo pode parecer ficção científica. Na verdade, há muitos exemplos bem documentados de parasitas que controlam seus hospedeiros.

Algumas espécies de fungos, por exemplo, infiltram-se nos cérebros de formigas e as persuadem a subir nas plantas e se fixarem na parte inferior das folhas. Os fungos então brotam de dentro das formigas e soltam uma chuva de esporos para infectar as formigas sadias que estão abaixo.

Como os parasitas controlam seus hospedeiros continua sendo algo misterioso. Mas parece que eles “podem liberar moléculas que influenciam direta ou indiretamente o cérebro do hospedeiro”.

O nosso microbioma tem o potencial bioquímico para fazer a mesma coisa. Em nossos intestinos, as bactérias produzem algumas das mesmas substâncias químicas que nossos neurônios usam para se comunicar uns com os outros, como a dopamina e a serotonina. E os micróbios podem jogar essas moléculas neurológicos na densa rede de terminações nervosas que reveste o trato gastrointestinal.

Uma série de estudos recentes demonstraram que as bactérias do intestino podem usar esses sinais para alterar a bioquímica do cérebro. Em comparação com ratos comuns, aqueles que foram criados sem germes se comportaram de forma diferente sob vários aspectos. Eles são mais ansiosos, por exemplo, e têm problemas de memória.

Bactérias no comando

O acréscimo de certas espécies de bactérias ao microbioma do rato comum revelou outras maneiras pelas quais elas podem influenciar o comportamento. Algumas bactérias diminuem os níveis de estresse no rato. Quando os cientistas cortam o nervo que transmite sinais do intestino para o cérebro, esse efeito de redução do estresse desaparece.

Alguns experimentos sugerem também que as bactérias podem influenciar a forma como seus hospedeiros se alimentam. Ratos sem germes desenvolvem mais receptores para os sabores doces em seus intestinos, por exemplo. Eles também preferem beber líquidos mais doces que os ratos normais.

Os cientistas também descobriram que as bactérias podem alterar os níveis de hormônios que controlam o apetite nos ratos.

Maley e seus colegas argumentam que os nossos hábitos alimentares criam um forte motivo para os micróbios nos manipularem. "Da perspectiva do micróbio, o que comemos é uma questão de vida ou morte", disse Maley.

Diferentes espécies de micróbios prosperam com diferentes tipos de alimentos. Se eles podem nos levar a comer mais do alimento do qual dependem, eles podem se multiplicar.

A manipulação de micróbios pode solucionar algumas partes do quebra-cabeça na nossa compreensão sobre o desejo por comida, disse Maley. Os cientistas têm tentado explicar os desejos por comida como a forma que o corpo tem para armazenar nutrientes depois de um período de privação ou como um vício (parecido com o vício em drogas como tabaco e cocaína).

Mas ambas as explicações são insuficientes. Tome o chocolate como exemplo: muitas pessoas têm uma vontade enorme, mas ele não é um nutriente essencial. E o chocolate não faz com que as pessoas tenham de aumentar a dose para conseguir o mesmo efeito. "Você não precisa de mais de chocolate a cada vez que consome para conseguir apreciá-lo”, disse Maley.

Talvez, ele sugere, certos tipos de bactérias que se desenvolvem bem com o chocolate estejam nos persuadindo a alimentá-las.

John F. Cryan, neurocientista da University College Cork, na Irlanda, que não esteve envolvido no novo estudo, também sugeriu que os micróbios podem nos manipular de formas que beneficiem tanto a nós quanto a eles. "Provavelmente não se trata de um simples cenário parasitário", disse.

Uma pesquisa feita por Cryan e outros sugere que um microbioma saudável ajuda os mamíferos a se desenvolverem socialmente. Os ratos sem germes, por exemplo, tendem a evitar o contato com outros ratos.

Essa ligação social, boa para os mamíferos, também pode ser boa para as bactérias.

“Quando os mamíferos estão em grupos sociais, eles têm mais chances de passar micróbios um para o outro”, disse Cryan.
"Eu acho que é uma ideia muito interessante e convincente", disse Rob Knight, microbiólogo da Universidade do Colorado, que também não esteve envolvido no novo estudo.

Feitiço contra o feiticeiro

Se os micróbios que de fato nos manipulam, diz Knight, nós poderíamos ser capazes de manipulá-los para nosso próprio benefício – por exemplo, tomando iogurte cheio de bactérias que nos fazem ter desejo por alimentos saudáveis.

"Isso obviamente teria uma enorme importância prática", disse Knight. Mas ele alerta que a pesquisa sobre os efeitos do microbioma sobre o comportamento "ainda está nos estágios iniciais”.

A coisa mais importante a fazer agora, disseram Knight e outros cientistas, é realizar experimentos para ver se os micróbios estão realmente nos manipulando.

Mark Lyte, um microbiólogo do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Texas Tech que foi pioneiro nesta linha de pesquisa na década de 1990, está realizando algumas dessas experiências. Ele está investigando se determinadas espécies de bactérias podem mudar as preferências que os ratos têm por certos alimentos.

“Isso não é uma certeza”, disse Lyte. “Precisa de fortes provas científicas.”