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Grupo de direitos humanos aponta uso pesado de bombas de fragmentação na Síria

Rick Gladstone

29/08/2014 06h00

As bombas de fragmentação, munições ilegais que matam e mutilam indiscriminadamente, causaram mais mortes na guerra civil síria do que no conflito no Líbano de 2006, quando o forte uso dessas armas por Israel promoveu a celebração do tratado que as proibiu, dois anos depois, segundo o relatório de um grupo de monitoramento desta quarta-feira (27).

O grupo, chamado de Cluster Munition Coalition, disse em seu relatório anual, “Monitoramento de Armas de Fragmentação de 2014”, que tinha documentado pelo menos 264 mortos e 1.320 feridos por bombas de fragmentação na Síria em 2012 e 2013, e que “centenas de outras vítimas foram registradas no primeiro semestre de 2014”.

Os civis são 97% dos mortos na Síria, segundo o relatório, e o número dessas vítimas dobrou em 2013 em relação ao ano anterior, o que sugere que as armas vêm sendo usadas em áreas mais densamente povoadas.

Embora o relatório não tenha especificado se as armas foram usadas pelas forças do governo ou pelos insurgentes, especialistas em munições disseram que apenas os militares sírios têm essa capacidade técnica.

“O uso de bombas de fragmentação neste ano mostra que, apesar dessas armas terem sido proibidas pela maioria dos países do mundo, alguns ainda desrespeitam a opinião e os padrões internacionais”, disse Mary Wareham, diretora da divisão de combate às armas do Human Rights Watch e uma das editoras do relatório, em um comunicado divulgado pela coalizão antes da divulgação do documento.

O grupo afirmou, em declaração: “As vítimas na Síria já são mais numerosas do que as do conflito de 2006 entre Israel e Líbano, que provocou indignação mundial e contribuiu para a criação da convenção de proibição."

As forças armadas de Israel foram muito criticadas em casa e no exterior pelo uso de bombas de fragmentação no Líbano, quando lançou centenas de milhares dessas armas, em particular nos últimos dias do conflito com o Hezbollah, que durou 34 dias. O jornal israelense “Haaretz” citou um comandante das Forças de Defesa de Israel, dizendo: “O que fizemos foi insano e monstruoso, cobrimos cidades inteiras com bombas de fragmentação.”

Jan Egeland, um estadista norueguês e diplomata que no momento do conflito no Líbano era a principal autoridade de ajuda humanitária da ONU, descreveu o uso das armas de Israel como “completamente imoral”. A crítica de Egeland ajudou a galvanizar os esforços para se fechar um tratado dois anos mais tarde, conhecido como Convenção das Munições de Fragmentação.

As bombas de fragmentação contêm centenas de pequenas munições explosivas, ou bombinhas, e geralmente são lançadas por uma aeronave ou disparadas por artilharia. Elas são projetadas para explodir em pleno ar e espalhar as bombinhas sobre uma vasta área, sem distinção entre alvos militares e civis. Muitas das pequenas bombas não explodem e podem permanecer dormentes por décadas. No Vietnã e no Laos, onde os Estados Unidos lançaram muitas bombas de fragmentação durante a Guerra do Vietnã, as bombas não explodidas ainda são uma ameaça.

Megan Burke, outra editora do relatório “Monitoramento de Armas de Fragmentação de 2014”, disse que os dados do conflito Israel-Líbano registram 249 vítimas de munições desse tipo entre 12 de julho de 2006 e 12 de abril de 2007. O período de tempo vai além do fim do conflito, pois reflete os efeitos das bombas israelenses não detonadas. A ONU disse que muitas das bombas de fragmentação israelenses no Líbano não explodiram e, assim, elas se transformaram em armadilhas que exigiram uma extensa operação de limpeza.

O Munition Coalition Cluster, uma união de grupos de direitos humanos e de promoção do desarmamento, opera em mais de 100 países e vem registrando as mortes por bombas de fragmentação desde 2009.

De acordo com os resultados compilados por outro grupo de desarmamento, o Handicap International, apenas três outros países sofreram mais baixas por bombas de fragmentação do que a Síria: o Laos, com 4.837 vítimas, o Vietnã, com 2.080, e o Iraque, com 2989. Mas as comparações diretas são enganosas porque os conflitos nesses países duraram muito mais do que a guerra civil da Síria, que começou em março de 2011.

Líbano, Laos e Iraque estão entre os 113 países que assinaram o tratado de proibição de bombas de fragmentação. Síria, Israel e Vietnã estão entre os 51 que não assinaram, um grupo que inclui China, Rússia e Estados Unidos.

Quase todos aqueles que ainda não assinaram o tratado cumprem suas determinações, o que é considerado um sinal de sua eficácia em estigmatizar o uso de bombas de fragmentação. Mesmo assim, o Munition Coalition Cluster informou no mês passado que não apenas essas armas tinham sido usadas na Síria, mas também nos conflitos do Sudão do Sul e da Ucrânia.

Egeland, que atualmente é secretário-geral do Conselho Norueguês de Refugiados, um importante grupo humanitário, disse em entrevista por telefone que o uso de bombas de fragmentação na Síria fazia parte do que ele descreveu como os efeitos desumanizantes mais amplos desse conflito.

“O uso de tais armas é um sinal da ausência de lei, e por isso não é surpresa que o pior lugar seja a Síria, porque é o conflito mais sem lei em nosso radar”, disse ele. “É um conflito onde não há mais princípios, onde não há normas.”