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Genes influenciam o contágio por ebola em camundongos, sugere estudo

Gina Kolata

31/10/2014 06h00

Algumas pessoas expostas ao vírus ebola adoecem rapidamente e morrem. Outras ficam gravemente doentes, mas se recuperam, enquanto outras reagem levemente ou são consideradas resistentes ao vírus. Agora os pesquisadores trabalhando com camundongos descobriram que esses animais de laboratório também podem ter uma variedade de respostas ao ebola, e que nos camundongos as respostas são determinadas por diferenças nos genes.

Esta é a primeira vez que os cientistas conseguiram procriar camundongos que desenvolveram infecções por ebola semelhantes as dos seres humanos.

Cerca de dois terços das pessoas que morrem pelo ebola nunca desenvolvem as hemorragias terríveis que aparecem em outras um dia ou dois antes da morte, nas quais os olhos ficam altamente vermelhos, as gengivas sangram, pontos vermelhos surgem na pele à medida que o sangue vaza pelos capilares, além de sangue aparecer no vômito e diarreia. Muitos camundongos também morrem por ebola sem hemorragias.

Os estudos com camundongos indicam que nos animais –e provavelmente nos seres humanos– que sofrem hemorragia e morrem, isso se deve a uma reação exagerada do sistema imunológico ao vírus. O resultado é uma resposta inflamatória que faz as células perderem fluidos e um jorro de células brancas, provocando a deterioração de tecidos e órgãos. Muitos morrem a essa altura. Nos camundongos –ou seres humanos– que sobrevivem tempo o bastante, propõe a pesquisa, o sangue acaba vazando dos vasos.

Apesar dos pesquisadores ainda não terem encontrado os motivos genéticos exatos para os camundongos variarem tanto em suas respostas ao vírus ebola, eles identificaram dois genes que parecem cruciais para determinar se um camundongo morrerá ou se o camundongo infectado ao menos adoecerá.

O estudo, publicado online na quinta-feira (30) pela revista "Science", é um "avanço significativo", disse o dr. James Musser, diretor do Centro para Pesquisa Molecular e Translacional de Doenças Infecciosas, no Instituto Metodista de Pesquisa de Houston. Usar camundongos nos experimentos, ele disse, pode mudar a natureza da pesquisa do ebola.

Até agora, os investigadores usavam principalmente macacos, cobaias e hamsters sírios, porque a variedade de camundongo usada habitualmente não sofre uma infecção por ebola semelhante à forma como os pacientes humanos reagem.

"Isso fornece uma tremenda oportunidade para obtenção de respostas a perguntas até então intratáveis", disse Musser, mencionando em particular a pergunta sobre o quanto a genética determina a suscetibilidade ou resistência ao ebola.

Ele acrescentou que os camundongos podem ser inestimáveis nos testes iniciais de vacinas e drogas potenciais.

O dr. Matthew Waldor, um pesquisador de doenças infecciosas no Brigham and Woman's Hospital que não esteve envolvido no estudo, expressou a mesma opinião, o chamando de um "excelente estudo".

O trabalho, por Angela L. Rasmussen e Michael G. Katze, da Universidade de Washington, e seus colegas, começou há três anos, antes da atual epidemia de ebola. Eles se inspiraram em seus estudos do vírus influenza (da gripe espanhola de 1918), que causou uma pandemia mundial letal.

Usando várias linhagens de camundongos, eles descobriram que a genética determinava se um camundongo adoeceria ou morreria devido à gripe, ou nem mesmo adoeceria. As pessoas também parecem ter respostas diferentes ao mesmo vírus de gripe. Katze, que estudou o ebola ao longo da última década, e Rasmussen, que optou por estudar doenças infecciosas quando estava na faculdade após ter lido "Zona Quente", um livro que contava uma história assustadora de ebola na África, queriam descobrir se os genes determinavam as respostas ao ebola.

Muito pouco se sabia –e ainda se sabe– sobre a doença, disse Katze.

"Tudo o que sabemos é que nem todo mundo tem febre hemorrágica, nem todo mundo adoece", ele disse. "Há milhões de artigos sobre o ebola, mas muito pouca literatura científica sobre o vírus", ele acrescentou, explicando que grande parte do que foi publicado é artigo de opinião, observações epidemiológicas e clínicas.

Ele e Rasmussen decidiram estudar o ebola não apenas na variedade padrão de camundongo, que provou ser inadequada para pesquisa sobre a doença, mas em 47 variedades genéticas. Os camundongos foram desenvolvidos por um consórcio de pesquisadores que criou os camundongos de laboratório para se assemelharem à diversidade genética encontrada naturalmente nos camundongos.

Mas estudar o ebola não foi fácil. Os camundongos infectados precisavam ser observados e dissecados em um laboratório de biocontenção seguro, dirigido pelo governo federal em Hamilton, Montana.

A primeira pergunta que intrigou Rasmussen foi, por que alguns camundongos, e seres humanos, morrem devido ao ebola?

Os estudos com camundongos mostraram que os animais que morriam após sangramento tinham uma resposta inflamatória exagerada ao vírus. Eles também apresentavam baixa atividade de dois genes, Tie1 e Tek, que tornava os vasos sanguíneos deles mais permeáveis. Os vazamentos nos vasos sanguíneos permitiam às células brancas do sangue jorrarem, aumentando a resposta inflamatória e causando uma reação em cadeia de substâncias químicas danosas do sistema imunológico que destroem os órgãos. A mesma coisa aconteceu nos camundongos que morreram da gripe, apesar daqueles genes, Tiel1 e Tek, aparentemente não estarem envolvidos nas mortes pela gripe, disse Rasmussen.

Ela disse que "a grande lição do estudo" é que a genética exerce um grande papel na determinação do resultado de um contágio por ebola nos camundongos. Por dedução, ela disse, a genética provavelmente exerce o mesmo papel nos seres humanos.

Mas ainda restam muitas perguntas e, mesmo com camundongos, o trabalho é lento e difícil. Há apenas meia dúzia de laboratórios americanos equipados para estudar o ebola com segurança, e o trabalho nesses laboratórios é tedioso, com os pesquisadores vestindo trajes lunares. "É preciso anos de treinamento apenas para estar preparado para o trabalho em um desses laboratórios", disse Katze.

Os cientistas querem investigar os genes que determinam a suscetibilidade nos camundongos e esperam poder examinar tecido dos pacientes com ebola para saber se há variantes genéticas análogas. Mas isso é difícil, disse Katze. Muitos laboratórios querem amostras de tecido e, com os pacientes no Oeste da África, pode ser difícil obter uma descrição precisa do curso da doença. E há a questão de como transportar o tecido para os Estados Unidos.

"Ninguém deixará você colocá-lo em uma lata e levar consigo no avião", disse Rasmussen.

Agora há pacientes com ebola nos Estados Unidos, mas devido a questões de privacidade, disse Rasmussen, "o status das amostras de tecido e sangue desses pacientes não é claro".

Por ora, disse Katze, o campo está um tanto caótico. "Nós não sabemos quais são os genes nos seres humanos", ele disse, "mas quando descobrirmos quais são os genes nos camundongos, então teremos uma pista".