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Aproximação com Cuba atiça interesse de empresas dos EUA por negócios na ilha

Mulheres acompanham o discurso do presidente cubano, Raúl Castro, sobre a retomada das relações diplomáticas com os EUA - Yamil Lage/AFP
Mulheres acompanham o discurso do presidente cubano, Raúl Castro, sobre a retomada das relações diplomáticas com os EUA Imagem: Yamil Lage/AFP

Julie Creswell

19/12/2014 06h02

A PepsiCo tem a intenção. Assim como a Caterpillar e o Marriott International.

Poucas horas após a medida histórica do presidente Barack Obama de restaurar relações diplomáticas plenas com Cuba, as empresas nos Estados Unidos começaram a pesar como introduzir seus produtos e serviços em um mercado no qual estiveram de fora por grande parte dos últimos 50 anos –se é que já estiveram.

Apesar do aparente interesse de muitas empresas, consultores e outros alertaram que ainda há muitos detalhes a serem resolvidos para se fazer negócios em Cuba e que nem todas as empresas seriam bem-vindas ou encontrariam uma clientela robusta em Cuba.

"Para uma empresa como o McDonald's, o governo cubano vai perguntar, 'Como a entrada do McDonald's e a venda de hambúrgueres ajudarão a economia de Cuba?", disse Kirby Jones, fundador da Alamar Associates, que presta consultoria a empresas sobre fazer negócios em Cuba desde 1974. "Não será como outras regiões, onde há um McDonald's em cada esquina."

Empresas que vendem produtos industriais ou serviços que possam ser vistos como reforços à produção doméstica de Cuba ou de ajuda no desenvolvimento de seus recursos provavelmente terão maior facilidade para entrar do que empresas de bens de consumo, que poderiam competir com as marcas de Cuba ou desviar parte da limitada renda disponível da população.

E apesar da longa estagnação e do isolamento de Cuba da economia global, as oportunidades comerciais potenciais podem seguir nas duas direções. Enquanto alguns americanos estarão ansiosos pela oportunidade de obter mais facilmente os famosos charutos cubanos, o país tem um robusto setor de biotecnologia que produz algumas vacinas não disponíveis nos Estados Unidos.

Outra área significativa da economia de Cuba poderia ser a mineração: o país tem um dos maiores depósitos de níquel do mundo.

“Ianques” já são maiores exportadores
Apesar de a decisão de Obama de abrir as relações entre os Estados Unidos e Cuba pela primeira vez em 54 anos ter sido vista como uma sinalização de retomada do comércio, na verdade os norte-americanos já são o quarto maior exportador para o país, atrás da China, Espanha e Brasil.


A Lei de Aprimoramento das Exportações e Reforma das Sanções Comerciais de 2000 permitia a venda de produtos agrícolas não processados e matérias primas florestais brutas por produtores americanos para Cuba, com restrições rígidas.

Os produtores não podiam estender qualquer tipo de crédito ou financiamento a Cuba e os pagamentos precisavam ser feitos por meio de uma terceira parte, um país ou banco, geralmente um localizado na Europa.

No ano passado, os Estados Unidos exportaram US$ 359 milhões em bens para Cuba, uma queda em comparação ao pico de US$ 711 milhões em 2008, segundo estatísticas do governo americano.

Os produtores do Alabama fazem bons negócios vendendo frango congelado ao país e Dakota do Norte vende feijão. Mas as vendas iniciais robustas de arroz e soja americanos rapidamente perderam espaço para países concorrentes como Vietnã e Brasil, que ofereciam produto mais barato ou permitiam compra a crédito.

Assim, enquanto empresas como Home Depot, Caterpillar e Deere & Co. provavelmente seriam recebidas de braços abertos pelo governo cubano, ainda não se sabe se poderão oferecer financiamento ou crédito para seu maquinário industrial caro.

"Cuba é um mercado potencial para os produtos e serviços John Deere", disse Ken Golden, um porta-voz da empresa com sede em Illinois, por e-mail.

"Há uma necessidade em Cuba, como há por todo o mundo, de maquinário produtivo, moderno, para ajudar a alimentar, vestir e abrigar a população em rápido crescimento do mundo."

Uma dúvida muito maior paira sobre as empresas voltadas à venda de bens de consumo –dos salgadinhos Frito-Lay aos iPads da Apple– à população cubana, cuja maioria conta com uma renda disponível limitada. Analistas e consultores dizem que será quase impossível para as empresas americanas com modelos baseados em franquia, incluindo muitos dos maiores restaurantes de fast food do mundo como McDonald's, Subway ou Dunkin' Donuts, estabelecer uma cabeça de praia ali.

Setor de viagens e hotéis em alta
Em vez disso, a maior oportunidade para muitas empresas de bens de consumo pode estar na venda para o crescente número de estrangeiros que deverão visitar Cuba, caso as restrições de viagem sejam plenamente suspensas.

Se isso acontecer, o número anual de visitantes ao país poderia saltar de 3 milhões para 4 milhões praticamente da noite para o dia, dizem os analistas. E os viajantes americanos buscarão o conforto de marcas conhecidas, como Coca-Cola, Pepsi e Bud Light.

As empresas hoteleiras americanas, barradas da atraente ilha caribenha por décadas, também estão avaliando rapidamente as oportunidades em Cuba, mas os analistas alertam que elas também podem enfrentar várias barreiras.

Apesar de o governo cubano poder acolher empresas de ponta à procura de estabelecer um resort de luxo na ilha –algo para atrair grandes gastadores ao país– ele provavelmente seguirá seu atual caminho de oferecer apenas contratos de gestão a muitos dos hoteleiros. Isso porque o governo em Havana prefere ser dono do imóvel e do empreendimento. Esse é o arranjo que a rede espanhola Meliá Hotel International fez para suas propriedades em Havana, disseram dois consultores.

Mas empresas como a Marriott parecem não se intimidar com os desafios.

"Nós estamos muito empolgados pela população de Cuba e com as oportunidades e empregos que serão criados quando as relações com os Estados Unidos forem abertas, especialmente para viagem e turismo", disse Arne M. Sorenson, o presidente-executivo da Marriott International, por e-mail. "Nós apresentaremos nossas sugestões ao governo americano, mas aguardamos poder abrir hotéis em Cuba, como empresas de outros países já fizeram."

Aqueles que anseiam por um retorno da época das noites cheias de rum e jogatina em um elegante resort cinco estrelas poderão ter que esperar. Mesmo nas melhores circunstâncias, resorts desse tipo podem exigir até uma década de planejamento para construção.

Além disso, Cuba provavelmente enfrentará obstáculos adicionais para atualização de sua infraestrutura e para treinar sua população para fornecer serviços de ponta aos grandes gastadores, disseram os consultores. Além disso, a ilha poderá enfrentar disputas legais envolvendo os imóveis confiscados durante a tomada comunista.

"O que você terá é uma experiência de duas ou três estrelas de um hotel remodelado em Havana, que será bacana para alguém de Nova York ou Charlotte que deseja experimentar uma volta à época de Hemingway", disse Rick Newton, um sócio fundador da Resort Capital Partners, uma consultoria de investimento imobiliário que se concentra em pequenos imóveis de luxo no Caribe.

"Mas para uma verdadeira experiência cinco estrelas que atrairá clientes cinco estrelas, que gostam de confortos cinco estrelas e serem servidos por funcionários cinco estrelas, ainda levará no mínimo uma década", acrescentou.