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Partes do corpo humano criadas em impressoras 3D ajudam médicos antes de cirurgias complexas

O médico John Meara corta modelo 3D de crânio de Violet Pietrok, que nasceu com uma fissura facial. O modelo do crânio foi baseado em imagens de ressonância magnética, e permite que os cirurgiões possam prever problemas, e não lidar com eles na hora da cirurgia - Katherine C. Cohen/Boston Children"s Hospital/The New York Times
O médico John Meara corta modelo 3D de crânio de Violet Pietrok, que nasceu com uma fissura facial. O modelo do crânio foi baseado em imagens de ressonância magnética, e permite que os cirurgiões possam prever problemas, e não lidar com eles na hora da cirurgia Imagem: Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times

Karen Weintraub

Em Boston (EUA)

27/01/2015 06h00

O cirurgião segurava uma órbita ocular de plástico branco translúcido em cada mão. Afastando gentilmente uma da outra, o médico John Meara mostrou a distância entre os olhos de Violet Pietrok ao nascer. Então ele aproximou as órbitas para demonstrar a posição delas 19 meses depois, após ela ter sido operada por ele.

Violet, agora com quase 2 anos, nasceu com um defeito raro chamado fissura facial de Tessier. Seus olhos castanho-escuros eram tão distantes, diz sua mãe, que a visão dela era mais semelhante a de uma ave de rapina do que a de uma pessoa. Ela não tinha cartilagem no nariz. Um grande tumor cresceu sobre seu olho esquerdo. Os ossos que normalmente se juntam para formar o rosto fetal não se fundiram de modo apropriado.

Os pais dela, Alicia Taylor e Matt Pietrok, procuraram Meara no Boston Children's Hospital, a milhares de quilômetros do lar deles no Oregon, porque o cirurgião plástico tinha realizado quatro cirurgias semelhantes nos últimos três anos.

Antes de operar Violet, Meara queria um entendimento mais preciso da estrutura óssea dela do que poderia a partir de uma imagem em uma tela. Assim, ele pediu ao seu colega, Peter Weinstock, para que imprimisse um modelo tridimensional do crânio de Violet, com base nas imagens de ressonância magnética.

Aquele primeiro modelo o ajudou a decidir o que precisava ser feito e a discutir o tratamento com a família dela. Três outras impressões 3D mais próximas da cirurgia permitiram a Meara realizar uma rotação do crânio em direções que não seria capaz com uma imagem e que não tentaria na paciente na mesa de operação. Então ele conseguiu cortar e manipular o modelo plástico para determinar a melhor forma de aproximar as órbitas dela em mais de 2,5 centímetros.

Esses modelos impressos em 3D estão transformando a medicina, ao dar aos cirurgiões novos pontos de vista e oportunidades para praticar, e aos pacientes e famílias um maior entendimento dos procedimentos complexos. Os hospitais também estão imprimindo ferramentas de treinamento e equipamento cirúrgico personalizado. Algum dia, os médicos esperam imprimir partes substitutas do corpo.

"Não há dúvida de que a impressão 3D mudará a medicina", disse o doutor Frank Rybicki, diretor do laboratório de imagens do Brigham and Women's Hospital, a poucas quadras do Boston Children's Hospital.

"Isso torna o procedimento mais curto, melhora a precisão", disse Rybicki, um radiologista que usa impressão 3D em seu trabalho de transplantes faciais. "Quando a bioimpressão realmente ocorrer, isso mudará tudo."

Por ora, a impressora expele uma camada de plástico líquido em vez de tinta. Ela adiciona uma segunda camada, depois outra, e um crânio ou uma caixa torácica - ou aquilo que o cirurgião escolher -, surge lentamente.

O mesmo processo também pode imprimir camadas de células humanas. Até o momento, os pesquisadores já imprimiram vasos sanguíneos, órgãos simples e pedaços de ossos. A vida de um menino em Utah foi salva no ano passado por uma peça plástica impressa em 3D que abriu sua traqueia.

Weinstock, o diretor do Programa Simulador Pediátrico do Boston Children's Hospital, vê os modelos 3D como parte de um programa maior para melhorar o ofício cirúrgico. No Children's e em uma dúzia de outros centros pediátricos ao redor do mundo, ele diz, o programa de simulação cirúrgica que ele desenvolveu melhora a comunicação da equipe e sua confiança, a elevando antes de operações complexas. Ele também acredita que reduz o tempo dos pacientes sob anestesia.

Se o programa de quase 2 anos tiver impedido um único grande erro médico  - e Weinstock está convencido de que preveniu muitos -, ele já se pagou e à impressora 3D de US$ 400 mil, que funciona quase ininterruptamente no porão do hospital.

Os modelos do crânio incomum de Violet permitiram a Meara prever exatamente o que encontraria sob a face que parava estranhos na rua.

Meara já tinha recebido modelos impressos de crânios de outros pacientes, mas apenas após esperar semanas ou meses por uma única réplica, ao preço de milhares de dólares. A impressora de Weinstock gerou quatro cópias idênticas em poucos dias, cada uma custando cerca de US$ 1.200 e extremamente precisas.

Experimentando com um modelo que ele cortou, Meara notou que, em suas posições ideais, os ossos das órbitas bateriam um contra o outro, limitando a visão de Violet. Ele modificou seus cortes para evitar a colisão.

"A capacidade de mover fisicamente esses segmentos é imensa", disse Meara. "Caso contrário, você o faria pela primeira vez na mesa de operação."

No dia da cirurgia de Violet no início de outubro, Meara consultou algumas vezes um modelo na sala de operação. A cirurgia ocorreu como planejado.

À medida que as impressoras 3D melhorarem, os resultados cirúrgicos também melhorarão, disse Rybicki. Logo, médicos introduzirão cateteres por réplicas de vasos sanguíneos, mapearão como contornar aneurismas e sentirão as diferenças táteis entre tumores e tecido saudável, por exemplo.

A sala cirúrgica simulada de Weinstock no terceiro andar do hospital parece, soa e cheira como a verdadeira adjacente –incluindo os instrumentos cirúrgicos, monitores e o líquido vermelho escorrendo. Ele contratou um marionetista e um ex-engenheiro cinematográfico para tornar as sessões de treinamento mais reais. Noah Schulz, um engenheiro mecânico que passou recentemente a integrar o quadro de funcionários do hospital após uma carreira na indústria do entretenimento, usa sua habilidade teatral para produzir impressões 3D de bonecos cirúrgicos anatomicamente precisos.

Weinstock diz que neurocirurgiões, cardiologistas e cirurgiões ortopédicos, entre outros, usam regularmente a sala de simulação para "aperfeiçoar sua prática".

Apesar de haver pouca pesquisa até o momento sobre os benefícios da impressão 3D e simulações de cirurgia, os pesquisadores do Departamento de Assuntos de Veteranos mostraram que exercícios de trabalho em equipe nas salas de operação reduziram as mortes de pacientes e erros médicos em até 18%.

"Resolva um problema, remova um erro, identifique uma ameaça potencial à segurança, salve uma vida", e isso reduzirá tanto os custos pessoais quanto financeiros", disse Weinstock.

Os benefícios de praticar procedimentos rotineiros, nos quais médicos e enfermeiros podem se tornar complacentes, são tão grandes quanto os incomuns, como no caso de Violet, ele disse.

Os pais de Violet, que moram perto de Salem, Oregon, e têm cinco outros filhos, incluindo a irmã gêmea saudável de Violet, Cora, disseram que se sentiram tranquilizados pelos amplos preparativos de Meara.

No dia da cirurgia, quando o cirurgião saiu para falar com a família, "ele exiba um sorriso de uma orelha a outra", disse Taylor. "Ele disse que tudo tinha transcorrido perfeitamente." Saber antecipadamente tudo o que faria, ela acrescentou, foi muito diferente de "abrir Violet e dizer, 'Como vamos consertar isto?'"

Violet Pietrok - Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times - Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times
Violet Pietrok, que nasceu com fissura facial, com seu pai, Matt Pietrok, antes de sua cirurgia em outubro no Boston Children's Hospital para juntar mais seus olhos
Imagem: Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times
Violet Pietrok, que nasceu com uma fissura facial, olha para seu reflexo no espelho. Antes da cirurgia da garota, seu médico pediu um modelo 3D de seu crânio, baseado em imagens de ressonância magnética, o que permite que os cirurgiões possam prever problemas, e não lidar com eles na hora da cirurgia - Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times - Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times
Violet Pietrok, que nasceu com uma fissura facial, olha para seu reflexo no espelho
Imagem: Katherine C. Cohen/Boston Children's Hospital/The New York Times