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Proibição de carne bovina na Índia chega às jaulas de leões e tigres

Tigre-de-bengala em clareira no parque nacional de Kaziranga, em Assan (Índia) - AFP
Tigre-de-bengala em clareira no parque nacional de Kaziranga, em Assan (Índia) Imagem: AFP

Neha Thirani Bagri e Nida Najar

Em Mumbai e Nova Déli (Índia)

03/04/2015 06h00

Palash, o maior tigre no Parque Nacional Sanjay Gandhi, em Mumbai, continua andando em círculos por uma hora em sua jaula, na expectativa do jantar, e ainda se lança sobre sua refeição quando seus tratadores erguem o portão de sua sala de alimentação. Mas, ultimamente, o que o felino de 200 quilos encontra não são seus habituais 7 quilos de carne vermelha crua, diretamente do abate. Em vez disso, ele e os outros oito tigres-de-bengala do parque, além de três leões, 14 leopardos e três abutres estão sobrevivendo quase que exclusivamente de um alimento decididamente mais leve: frango.

A mudança na dieta não tem nada a ver com a saúde, e sim com a mistura especial da Índia de política e religião.

O governo do Estado de Maharashtra, liderado pelo partido governante nacionalista hindu do país, recentemente proibiu a posse e a comercialização da carne, impondo restrições dietéticas religiosas sobre hindus e não hindus igualmente. Os infratores podem ser punidos com até cinco anos de prisão.

A lei vem sendo promovida pela direita hindu, que ajudou a colocar no poder o primeiro-ministro Narendra Modi e seu partido Bharatiya Janata, no ano passado. A sua capacidade de aprovar a proibição é vista por muitos como um sinal de seu crescente poder nos governos liderados pelo BJP em Estados importantes.

As novas regras geraram reclamações da elite cosmopolita de Mumbai, com alguns consumidores de carne bovina --um grupo que inclui alguns hindus-- desgostosos com o súbito desaparecimento do bife dos restaurantes. Outros ficaram inquietos com as crescentes guerras culturais entre a direita hindu e aqueles que se opõem a sua plataforma, como as minorias. Neste caso, o grupo inclui os comerciantes de gado e varejistas da carne de maioria muçulmana do Estado, que temem que a proibição prejudique seus negócios.

Os comerciantes estão em greve há semanas por causa da proibição, recusando-se a fornecer até mesmo carne de búfalo, que ainda é legal.

E é aí que entram os animais do parque nacional.

Até recentemente, os animais no parque tinham uma dieta mista de carne de boi, búfalo e frango. Mas a proibição tirou a carne bovina do cardápio, e a greve, pelo menos por enquanto, deixou a carne de búfalo fora do alcance.

Os tratadores dos animais, que parecem perplexos com a atenção recebida da mídia indiana desde a proibição, fazem comentários variados sobre a mudança para a carne branca.

Babu Vishnukote, um dos alimentadores, diz que os animais estão devorando o frango, que ele vê como um bom sinal. Mas Shailesh Bhagwan Deore, que supervisiona o tratamento dos animais mantidos em cativeiro no parque, teme que a dieta mais enxuta possa eventualmente esgotar a força dos animais.

“Com a carne crua, os animais sentem o gosto de sangue”, disse Deore. “Eles gostam disso.”

A luta, é claro, não é sobre o que os animais do parque estão comendo; eles vão poder devorar carne fresca de búfalo tão logo os comerciantes terminem a greve e voltem a fornecê-la. Subjacente ao debate está o desconforto entre alguns indianos liberais com a demonstração do crescente poder da direita hindu do país.

Neerja Chowdhury, jornalista e analista político, disse que a aprovação da proibição parecia indicar uma espécie de quid pro quo entre Modi e a organização nacionalista hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh, ou RSS, que apoiou suas recentes tentativas de reforma agrária, apesar de suas reservas.

“Ele está andando na corda bamba, porque ele pessoalmente está tentando transmitir uma imagem de alguém que favorece políticas inclusivas”, disse Chowdhury. “O general está assumindo um ponto de vista, mas os soldados estão tendo uma visão diferente.”

A proteção das vacas é um assunto volátil na Índia, onde os animais são reverenciados pela maioria hindu da população.

Em uma entrevista recente ao “The Indian Express”, a ativista Noorjehan Safia Niaz protestou contra a lei, que ela alega afetar injustamente os membros mais pobres das comunidades cristãs, muçulmanas e de dalits do país, que dependem da carne, porque geralmente é mais barata do que o frango.

“A decisão de proibir a carne é comunitária, orientada contra os muçulmanos marginalizados e os dalits”, disse ela, acrescentando que a decisão era o mesmo que o governo “entrar em nossas cozinhas e nos dizer o que comer”.

“É um ataque extremamente pessoal”, disse ela.

Tradução: Deborah Weinberg