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No território rebelde da Ucrânia, não há remédios e a comida é escassa

Membro dos Médicos Sem Fronteiras arruma medicamentos em clínica de Zimogorye - Brendan Hoffman/The New York Times
Membro dos Médicos Sem Fronteiras arruma medicamentos em clínica de Zimogorye Imagem: Brendan Hoffman/The New York Times

Andrew Roth

Em Perevalsk (Ucrânia)

16/04/2015 06h00

Em um apertado consultório de cardiologista no sudeste da Ucrânia, Tatyana Ivanovna, 76, implorava por sedativos.

Andrey Polyakov, o médico dela, foi um ouvinte atento, apesar de saber que não podia fazer nada. Na última meia hora, ele recusou pedidos por antibióticos, comprimidos para hipertensão e vários outros medicamentos rotineiros que desapareceram desta parte da Ucrânia mantida pelos separatistas.

"E para ansiedade?" perguntou a paciente, com sua voz falhando em expectativa. Já sofrendo de pressão alta e dor nas costas, ela começou a ter ataques de pânico quando um morteiro caiu na casa de seu vizinho, em outubro.

"O luar!" respondeu Polyakov, e a consulta chegou ao fim.

Mesmo antes da guerra, era difícil aqui na bacia carbonífera de Donetsk lidar com as dores da velhice com uma pensão magra. Agora, é uma batalha pela sobrevivência, e parecendo mais sombria a cada dia, à medida que os combates se intensificam apesar do instável cessar-fogo. As pensões estão bloqueadas, os bancos estão fechados e as prateleiras das farmácias estão vazias, em grande parte devido às medidas adotadas por Kiev para isolar as milícias apoiadas pela Rússia e impedir que dinheiro do governo caia nas mãos dos separatistas.

"Uma mulher chega se queixando de dor nos rins", disse Polyakov, que estava trabalhando em um hospital que serve como base da Médicos Sem Fronteiras. "Eu checo a lista dos medicamentos que temos e não há nada ali. Eu posso lhe dizer para sair para comprar, mas as farmácias estão vazias. E de que adiantaria, já que não há dinheiro?"

A Médicos Sem Fronteiras pode fornecer uma ajuda bastante limitada devido às restrições ucranianas ao tipo e quantidade de suprimentos que a organização pode trazer ao país.

Em novembro, o presidente Petro O. Poroshenko assinou a ordem que fechou todas as instituições do governo nas áreas do sudeste da Ucrânia sob controle rebelde: delegacias de polícia, tribunais, universidades e hospitais. Em consequência, as entregas de medicamentos aos hospitais regionais também foram suspensas. Pessoas com problemas de saúde podem receber suas pensões e tratamento médico se atravessarem as linhas de frente até território mantido pelo governo.

A Rússia exigiu que a Ucrânia retomasse o pagamento dos benefícios sociais e das despesas de saúde no sudeste, mas ainda reconhece a autonomia dos governos separatistas. Segundo o acordo de cessar-fogo assinado em Minsk em fevereiro, Kiev deve providenciar a "restauração plena das conexões sociais e econômicas" com o sudeste do país.

Mas os níveis de desconfiança são altos. Apesar do último cessar-fogo ter sido mantido nos últimos dois meses, há combates periódicos e pouco progresso na reconciliação política entre a Ucrânia e o sudeste.

Pacientes esperam por atendimento médico em clínica de Zimogorye, na Ucrânia - Brendan Hoffman/The New York Times - Brendan Hoffman/The New York Times
Pacientes esperam por atendimento médico em clínica de Zimogorye, na Ucrânia
Imagem: Brendan Hoffman/The New York Times

Dorit Nitzan, a chefe do escritório para a Ucrânia da OMS (Organização Mundial da Saúde), disse que as organizações internacionais de saúde que trabalham com o governo da Ucrânia poderiam fornecer alguns medicamentos à zona de conflito, mas que ainda há uma enorme desigualdade entre a oferta e a demanda. Não há dados firmes de quantas pessoas morreram por falta de atendimento médico, ela disse.

Em uma cidade após outra, os jovens partiram, ou para o restante da Ucrânia ou para a Rússia, enquanto os idosos ficaram para trás.

Em um local de ajuda na seriamente danificada cidade de Vuhlehirsk, cerca de 50 idosos se amontoavam em torno de um local improvisado que fornecia refeições, pegando caixas de papelão cheias de colchas e roupas doadas. Perto dali, uma fila se formava diante de um mercado que prometia pão gratuito.

"Doutor!" alguém gritou. Uma mulher de 69 anos tinha desmaiado em seu apartamento na esquina, aparentemente de fome.

Uma cidade mineira, Vuhlehirsk é uma das últimas na Ucrânia a ver combates sérios. As forças pró-Rússia a tomaram em fevereiro, durante um avanço no entroncamento ferroviário de Debaltseve. As forças separatistas continuaram avançando por dias mesmo após o cessar-fogo supostamente estar em vigor.

Em uma caminhada pela rua principal da cidade, que leva o nome do poeta russo Nikolai A. Nekrasov do século 19, é possível encontrar vários prédios seriamente danificados por disparos de tanques e quase ninguém com menos de 50 anos.

Uma paciente em uma clínica móvel, Nadezhda Sokol, vestia um casaco forrado com pele e boina, e disse que veio à procura de medicamento para pressão.

"Eu vim aqui buscar meus comprimidos", ela disse. "Mas quando cheguei, eles disseram que não tinham os que preciso. Não é possível encontrá-los em nenhum lugar em Vuhlehirsk."

Vita Trukhan, uma médica, disse que medicamentos são apenas parte do problema. A comida é escassa. Os jovens que partiram deixaram muitos avós em casas e prédios de apartamentos que exigem reparos. E a violência do último ano também deixou cicatrizes emocionais.

"Muitos dos idosos que chegam à minha clínica vêm apenas por não terem ninguém com quem falar", ela disse.

Boris Indershtein, 74, colocou um casaco e chapéu e saiu em uma recente manhã ensolarada à procura de pão.

O calor da primavera foi uma bênção, disse Indershtein, que vive com as janelas tampadas com plástico desde fevereiro, quando um foguete explodiu no barracão atrás de sua casa, quase destruindo seu estoque vital de batatas.

Seu filho pede há meses que ele cruze as linhas de frente e se junte a ele, mas Indershtein, movido pela nostalgia e medo, continua morando sozinho. Ele odeia a ideia de abandonar o lar que lhe foi deixado por sua mulher, que morreu em 2010. E o que lhe esperaria do outro lado do fronte?

"Há tropas ali", ele disse. "Isso significa que a guerra não está longe."

Quando Indershtein chegou ao mercado, o pão gratuito tinha acabado e lhe disseram para voltar no dia seguinte.

Corredor vazio em centro médico de Zimogorye, na Ucrânia - Brendan Hoffman/The New York Times - Brendan Hoffman/The New York Times
Corredor vazio leva a farmácia fechada em centro médico de Zimogorye, na Ucrânia
Imagem: Brendan Hoffman/The New York Times