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Sites casamenteiros promovem uma mudança nos casamentos arranjados na Índia

O abandono dos casamentos plenamente arranjados é movido em boa parte pela simples dinâmica de mercado entre os indianos - Daniel Berehulak/The New York Times
O abandono dos casamentos plenamente arranjados é movido em boa parte pela simples dinâmica de mercado entre os indianos Imagem: Daniel Berehulak/The New York Times

Gardiner Harris

27/04/2015 06h01


Por milhares de anos, os pais na Índia arranjam casamentos para seus filhos, e Garima Pant – como estimados 95% de seus pares milenares – pretendia seguir essa mais indiana das tradições.

O pai dela encontrou um homem de alta escolaridade de sua casta em um site de casamentos que oferece perfis de candidatos potenciais e apresentou a escolha dele para ela. Foi quando a rebelião dela teve início.

"Acho que não", respondeu Pant, uma professora de ensino especial de 27 anos, após ver a foto de um homem com mechas coloridas no cabelo. Então seu pai escolheu outro. "Está brincando?" E outro. "Ugh." E dezenas de outros.

Quando finalmente apareceu o perfil de um homem que a intrigou, Pant de novo rompeu com a tradição, encontrando o número do celular do homem e enviando secretamente uma mensagem de texto para ele.

A ousadia dela formou o par. Quando os pais descobriram que suas famílias eram da mesma gotra, ou subcasta, geralmente tornando o casamento tabu, seus filhos já tinham trocado mensagens de texto e e-mails o bastante para estarem ligados. Meses depois, o casal trocou os votos com as bênçãos contrariadas de seus pais. O deles foi um dentre um crescente número de casamentos "semiarranjados", no qual a tecnologia fez o papel de casamenteira, ajudando a lapidar uma tradição antiga, mas com uma peculiaridade particularmente indiana.

Em uma sociedade onde o casamento é em grande parte um pacto entre famílias, a maioria dos pais (principalmente o pai) está encarregada da busca pelo cônjuge, inclusive revirando os agora ubíquos sites de casamento à procura de candidatos aceitáveis. Mas um crescente número, especialmente nas cidades da Índia, agora oferece poder de veto aos filhos. Até mesmo irmãos começaram a opinar; o irmão mais novo de Pant se tornou um dos primeiros defensores do homem com o qual ela acabou se casando, após ver a foto dele com um labrador preto.

Ativistas de direitos humanos saudaram a evolução como uma mudança significativa no status das mulheres em todo o mundo e esperam que até mesmo as famílias pobres, rurais, comecem a permitir casamentos baseados na escolha.

A cada ano, eles notam, cerca de 8 milhões de noivas, a maioria adolescentes, se casam com homens escolhidos por seus pais, com muitas conhecendo seus noivos pela primeira vez no dia do casamento. Recusas podem resultar em violência e, às vezes, assassinato. Em um caso em novembro, uma universitária de 21 anos de Nova Déli foi estrangulada por seus pais por se casar contra a vontade deles.

O abandono dos casamentos plenamente arranjados é movido em boa parte pela simples dinâmica de mercado entre os indianos, que há muito veem o casamento como uma garantia de status social e segurança econômica.

Por séculos, os pais buscam cônjuges entre seus contatos sociais, com frequência com a ajuda de casamenteiros locais que levam currículos de porta em porta. Mas as redes de afinidade aldeãs estão desaparecendo à medida que mais famílias se mudam para cidades grandes, e as mulheres com alta escolaridade com frequência não conseguem encontrar um homem de posição igual nesses círculos. Diante disso, as famílias buscam redes maiores, cada vez mais recorrendo a sites de casamentos.

Os sites – a Índia conta atualmente com mais de 1.500 – nacionalizam o pool de cônjuges potenciais, dando aos pais milhares de opções, permitindo ao mesmo tempo que mantenham as antigas restrições de casta e religião. (Os candidatos que não identificam sua casta obtêm bem menos respostas, dizem os casamenteiros.)

O sistema funciona, dizem os analistas, porque os jovens da Índia permanecem excepcionalmente abertos à opinião de seus pais sobre seus cônjuges.

"As relações entre gerações na Índia não são hostis. Nossos adolescentes não têm angústia. Eles não se rebelam ou se comportam mal com seus pais", disse Madhu Kishwar, uma proeminente autora feminista e professora do Centro para o Estudo do Desenvolvimento das Sociedades, em Nova Déli. "E o motivo para os casamentos na Índia serem mais estáveis do que no Ocidente é porque as famílias estão ativamente envolvidas."

Mas à medida que os costumes sociais mudam, relativamente poucos jovens indianos, incluindo aqueles que exigem opinar em seus casamentos, se desviam demais da tradição. Namorar –ou pelo menos namorar abertamente com o consentimento dos pais– ainda é relativamente raro. E muitos dos que optam por casamentos semiarranjados dizem que o amor romântico, do tipo de virar a cabeça de Bollywood, não é sua meta. A compatibilidade sim, em um sentido de controle sobre o próprio destino.

"Eu não diria que estou perdidamente apaixonada pelo meu marido", disse Megha Sehgal, uma comissária de bordo. "Mas ele me conforta e tenho ele como um amigo."

Para as mulheres pobres e rurais, a noção até mesmo de um casamento semiarranjado ainda está em grande parte fora do alcance – um fato que ativistas de direitos humanos dizem deixar as meninas especialmente vulneráveis.

"O casamento é o maior risco individual para as meninas indianas", disse Joachim Theis, chefe de proteção à criança do UNICEF na Índia, que diz que o país conta com um terço das noivas menores de idade do mundo. "Elas abandonam a escola; elas perdem sua liberdade; elas ficam sob controle de seus maridos e sogras; elas perdem sua rede social; e apresentam maior probabilidade de morrer e uma probabilidade 10 vezes maior de serem vítimas de violência sexual do que as meninas adolescentes não casadas", ele disse.

Muitas das mortes estão vinculadas a disputas em torno dos dotes exigidos pelas famílias dos noivos.

Os indianos urbanizados que estão passando a casamentos semiarranjados dizem que a mudança não teria ocorrido tão rapidamente sem o crescimento dos sites de casamento e a proliferação de celulares, que dão aos indianos jovens uma forma de conversar longe dos ouvidos de suas famílias.

À medida que noivas e noivos potenciais cada vez mais assumem um papel no cortejo, as fórmulas dos sites de casamento para sugestão de candidatos e candidatas potenciais tiveram que mudar, disse Gourav Rakshit, chefe de operações do Shaadi.com, o maior desses sites.

"Nós vimos mudanças acentuadas em pessoas usando fatores de compatibilidade em suas buscas, em vez de apenas os parâmetros mais restritivos do passado", como riqueza e casta, disse Rakshit.

No final, Garima Pant, cujo celular se tornou um instrumento de rebelião, em grande parte conseguiu o que quis. Ela insistiu em se encontrar com seu futuro marido, Manas Pant, sozinha antes de tomar uma decisão, uma exigência antes rara que agora é rotina nos casamentos semiarranjados.

Uma data foi marcada no Café Turtle, no luxuoso Khan Market de Nova Déli, e Garima Pant concordou em ir de carro buscar Manas Pant (cujo sobrenome era coincidentemente o mesmo dela).

Erro.

"Eu atrasei 20 minutos para pegá-lo e ele odeia quando pessoas se atrasam", disse Garima Pant.

Manas Pant, 28 anos, um profissional de marketing para empresas de tecnologia, apresentou uma versão ligeiramente diferente: "Na verdade, ela chegou 25 minutos atrasada", ela disse. "Então ela bateu em um carro." Mas ele já estava comprometido em se casar com ela, e ela ficou impressionada com a reação dele.

"Ele disse, 'Começamos bem'", ela contou. "Era uma piada e pensei, 'Ok'. Não estou dizendo que ouvi sinos ou algo assim, mas foi a coisa certa a dizer."