Topo

NYT: poder no Brasil muda ao sabor dos escândalos

Ligados a escândalos, Calheiros (esq.) e Cunha mudaram o poder político no Brasil - 26.mar.2015 - Leonardo Benassatto/Futura Press/Estadão Conteúdo
Ligados a escândalos, Calheiros (esq.) e Cunha mudaram o poder político no Brasil Imagem: 26.mar.2015 - Leonardo Benassatto/Futura Press/Estadão Conteúdo

Simon Romero

No Rio de Janeiro

28/04/2015 06h00

O presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, foi acusado de evasão fiscal, de usar um jato do governo para visitar um cirurgião que aliviou sua calvície com implantes de cabelo e de permitir que uma construtora lobista pagasse pensão alimentícia para sua filha de um caso extraconjugal com uma jornalista de televisão. Eduardo Cunha, o conservador presidente da Câmara dos Deputados, também enfrentou --e conseguiu evitar com sucesso-- uma lista de acusações de corrupção, desde desvio de verbas a viver em um apartamento pago por um negociante de divisas no mercado paralelo.

Em algumas democracias, figuras que enfrentam tais situações poderiam ser banidas da vida pública mesmo que não fossem condenadas. Mas não no Brasil, onde os homens que comandam o Congresso infestado de escândalos, na verdade, aumentam seu poder sob a presidente Dilma Rousseff, infestada de escândalos.

A situação reflete uma das mudanças mais profundas no poder político no país em décadas --e é uma clara medida dos problemas que Dilma enfrenta hoje, depois de um vasto caso de propinas que envolve a companhia de petróleo estatal do Brasil. "Isto é 'House of Cards' no estilo brasileiro, com os chefes do Congresso aproveitando um momento em que a presidente está muito fraca", disse David Fleischer, professor emérito de ciência política na Universidade de Brasília. "Eles estão implementando uma estratégia de simplesmente deixar Dilma balançando ao vento", acrescentou.

Atenção desviada

A estratégia parece estar funcionando. Enquanto Cunha e Calheiros estão na lista de dezenas de figuras políticas investigadas em conexão com o escândalo de propinas, os líderes do Congresso parecem desviar a atenção de suas próprias dificuldades revoltando-se contra Dilma, cujo índice de aprovação pública se situa em apenas 13%.

Ao fazê-lo, eles conseguiram amplamente proteger o Congresso brasileiro das acusações. Sua própria taxa de aprovação subiu para 11% em abril, contra 9% em março, segundo o Datafolha, uma importante firma brasileira de pesquisas . A enquete, realizada mediante entrevistas com 2.834 pessoas, tem uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos percentuais.

Dilma, que foi reeleita em uma disputa apertada em outubro, enfrenta enormes protestos que pedem seu impeachment, com muitos brasileiros furiosos com a economia emperrada e as revelações sobre o amplo esquema de propinas na companhia de petróleo Petrobras. Entre 2003 e 2010, período que corresponde aproximadamente ao início do esquema, ela foi presidente do conselho da gigante do petróleo controlada pelo Estado.

O escândalo envolve executivos da Petrobras, que teriam aceitado enormes quantias em propinas, enriquecendo enquanto canalizavam fundos para figuras políticas e para o PT, de Dilma, segundo depoimento de ex-executivos.

Não houve depoimentos indicando que a presidente lucrou pessoalmente com o esquema. Mas, ao mesmo tempo, ela foi colocada na defensiva, insistindo que o dinheiro da propina não foi canalizado para sua campanha eleitoral. O escândalo se aproximou mais da presidente depois da prisão do tesoureiro de seu partido, João Vaccari Neto.

Rebelião

Enquanto Dilma e o PT vacilam por causa do escândalo, ela enfrenta uma rebelião do centrista PMDB, que ancorou sua coalizão e controla as duas casas do Congresso. Tanto Calheiros, o presidente do Senado, como Cunha, o da Câmara, são membros do partido rebelde. O vice-presidente, Michel Temer, é o líder do PMDB e está reforçando seu poder depois que a presidente lhe pediu para atenuar as tensões com o Congresso.

A cada volta do escândalo de corrupção, os chefes do PMDB se moveram para desgastar o poder de Dilma, adiando algumas medidas de austeridade propostas por seu ministro da Fazenda; boicotando os indicados pela presidente para seu gabinete; e propondo medidas socialmente conservadoras que visam enfraquecer as leis de controle de armas e rejeitando legislação que impede que adolescentes sejam julgados como adultos.

Enquanto Calheiros e Cunha adotam posições que se chocam com as de Dilma, eles mesmos não concordam em tudo, assumindo posições diferentes, por exemplo, sobre uma lei que pretende facilitar para as empresas terceirizarem algumas operações.

Cristovam Buarque, um respeitado senador de esquerda que votou contra Dilma na última eleição, disse que a crescente influência sobre a presidente da troica formada pelos chefes do Congresso e o vice-presidente representa um "golpe". "Em vez de um general, um brigadeiro e um almirante atuarem com o apoio das forças armadas, temos o vice-presidente da República e os chefes do Congresso manobrando com o apoio das tropas do PMDB", disse Buarque.

Desprezada

A crescente resistência do Congresso representa um ponto de inflexão para uma instituição que é amplamente desprezada no Brasil por sua propensão a se recompensar com aumentos salariais enquanto outras partes da sociedade suportam medidas de austeridade, e por sua capacidade de proteger seus membros diante de acusações legais.

Quase 40% dos legisladores federais que tiveram grande número de votos nas eleições de 2014 estão sob investigação em uma série de crimes, que incluem desmatamento ilegal, desvios de verbas e tortura. É muito difícil que um membro do Congresso seja expulso da instituição. Um exemplo é Hildebrando Pascoal, um legislador condenado por operar um esquadrão da morte cujas vítimas eram desmembradas com serra elétrica.

Poucos legisladores federais já enfrentaram a prisão por crimes, devido à situação jurídica especial de que desfrutam os 594 membros do Congresso brasileiro, permitindo que sejam julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal e, efetivamente, produzindo anos de demora em um tribunal abarrotado por outras questões prementes na sociedade brasileira.

Depois de enfrentar escândalos no passado, as figuras que hoje conduzem o Congresso demonstraram uma capacidade excepcional de enfrentar as alegações e ressuscitar sua sorte. Tanto Calheiros quanto Cunha afirmam ser inocentes quanto ao esquema de propinas na Petrobras. 

Calheiros, 59, não respondeu a pedidos para comentar as outras denúncias de corrupção que enfrenta. Uma porta-voz de Cunha, 56, disse que ele nega ter culpa em todas as acusações de corrupção, enfatizando que moveu ações legais contra as organizações de notícias que divulgaram alguns dos casos, em um esforço para "restabelecer a verdade". "Como seu passado parece mostrar, Cunha pode não ser um monumento à ética", disse a revista "Veja" em um perfil que em geral enaltece o legislador e que o descreve na capa como "o político mais poderoso do Brasil". A revista, que costuma fazer reportagens críticas ao governo de Dilma, enfatizou que nenhuma das acusações contra Cunha no sistema jurídico brasileiro teve qualquer consequência.

Publicidade

Enquanto Dilma batalha por sua sobrevivência política, Cunha, um comentarista de rádio e economista cristão evangélico, reforça seu perfil nacional em aparições por todo o Brasil, defendendo uma agenda social conservadora e sugerindo que o PMDB, que durante anos consentiu com alguns dos objetivos do PT, está forjando suas próprias ambições políticas diferentes. "A maioria da sociedade pensa como nós", disse Cunha em uma reunião de cristãos evangélicos no Rio de Janeiro em março, afirmando que os protestos contra ele por ativistas dos direitos gays eram obra de uma "minoria".

Em outro contexto, Cunha disse que o avanço da legislação que amplia o acesso legal ao aborto no Brasil teria de passar sobre seu "cadáver". O aborto continua ilegal no Brasil na maioria das circunstâncias, permitido somente quando a mulher foi estuprada, sua vida corre perigo ou o feto tem uma deficiência grave em que não possui partes do cérebro e do crânio.

De olho no aumento do poder do Congresso sob líderes como Cunha, alguns observadores aconselham a presidente a proceder com cuidado caso pretenda ressuscitar sua presidência.
"O Cunha é sádico, duro, inteligente e tem carisma", disse ao jornal "Valor Econômico" o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo. "Se um dia Dilma me pedisse um conselho, eu lhe diria: leia Maquiavel. 'Quando você não pode vencer seu inimigo, aproxime-se dele'".