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Vídeos de ação policial levantam preocupações sobre privacidade

Policial trabalha equipado com câmera em seu uniforme em Seattle, nos EUA - Evan McGlinn/NYT
Policial trabalha equipado com câmera em seu uniforme em Seattle, nos EUA Imagem: Evan McGlinn/NYT

Timothy Williams

28/04/2015 06h00

Departamentos de polícia dos Estados Unidos vêm se movendo com velocidade incomum para equipar os policiais com câmeras corporais a fim de que eles possam filmar seus encontros --muitas vezes violentos-- com o público. Mas a adoção dessas câmeras criou um novo conflito sobre quem tem o direito de ver as gravações.

Em Seattle, no Estado de Washington, onde uma dúzia de oficiais começou a usar câmeras corporais em um programa piloto em dezembro, o departamento montou seu próprio canal no YouTube, transmitindo uma série de imagens borradas para proteger a privacidade das pessoas filmadas. Grande parte dessas gravações é polêmica; uma cena mostra uma mulher que passa correndo por um grupo de pessoas e um policial que a observa e depois tem uma conversa abafada com pessoas cujos rostos foram obscurecidos.

"Estávamos falando sobre o vídeo e o que fazer com ele, e alguém disse: 'O que as pessoas fazem com os vídeos da polícia?'", disse Mike Wagers, oficial chefe de operações da polícia de Seattle. Sua resposta: "Elas os colocam no YouTube".

Mas vídeos de outras câmeras policiais no YouTube podem ser violentos e perturbadores. As cenas se desenrolam lentamente, no estilo "cinéma vérité", enquanto os policiais fazem seu trabalho, até o momento em que alguém é subitamente alvejado e morto. Às vezes, palavras são trocadas antes dos tiroteios, mas com frequência eles ocorrem em silêncio.

A gravação tem pouco em comum com a morte estilizada dos filmes de Hollywood: muitas vezes não há sinal de sangramento e os corpos ficam contorcidos como se tivessem sido quebrados.

Preocupações

Em Bremerton, no mesmo Estado, o chefe de polícia Steven Strachan tem preocupações sobre divulgar essas gravações. Depois de testar as câmeras corporais no ano passado, ele decidiu não comprá-las para seus 71 policiais por temer que as leis de registros públicos do Estado exigissem que ele entregasse os vídeos. 

Os pedidos de gravações, segundo ele, criariam um peso administrativo enorme para seu pequeno departamento e poderiam talvez violar a privacidade. "Apertamos o botão de pausa", disse Strachan. "Nossa opinião é que não queremos fazer parte da violação da privacidade das pessoas por motivos comerciais ou voyeurísticos. O pior dia de todo mundo será colocado no YouTube pela eternidade."

Pedido

Desde a morte de Michael Brown, um adolescente desarmado que foi atingido por tiros fatais durante um encontro com um policial em Ferguson, Missouri, em agosto, os departamentos de todo o país começaram a exigir que os policiais gravem suas interações com o público para poder responsabilizá-los por seu comportamento, assim como protegê-los de falsas acusações.

A maioria dos departamentos de polícia das grandes cidades --incluindo Chicago, Los Angeles, Nova York e Filadélfia-- ainda está testando as câmeras, e poderá se passar pelo menos um ano para que um número significativo de policiais dessas cidades as utilizem. Mas a batalha sobre quem tem o direito de ver os filmes já está adiantada.

Em fóruns públicos recentes, inclusive em Los Angeles (Califórnia), os defensores das câmeras pressionaram a polícia para divulgar as gravações. Eles indicaram as mortes por policiais de homens e meninos negros desarmados que não levaram a acusações criminais, dizendo que as gravações poderiam fornecer uma visão mais completa dos fatos do que os relatos da polícia ou mesmo o depoimento de testemunhas.

Várias das mortes foram capturadas por câmeras de vigilância ou por pessoas com telefones celulares. Elas incluíram a morte de Walter L. Scott, que levou vários tiros nas costas de um policial em North Charleston, Carolina do Sul, este mês. 

"Se o público não tiver a oportunidade de ver os vídeos, ficará com a versão da polícia do que aconteceu, e como vimos recentemente essa versão nem sempre é o que aconteceu", disse Laniece Williams, porta-voz da Coalizão de Filadélfia por Justiça Racial, Econômica e Legal. "Mesmo em casos em que não houve um tiroteio fatal", continua ela, "há instâncias em que a polícia brutaliza as pessoas, e o público deveria poder ver os vídeos."

Algumas legislaturas estaduais, porém, estão se manifestando contra as políticas de divulgação. Entre uma enxurrada de 87 projetos relacionados a câmeras corporais que foram adotados em 29 legislaturas, 15 estados se movimentam para limitar o que o público pode ver das gravações. Em alguns casos os legisladores tentaram remover os vídeos das leis de registros públicos, segundo dados da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais.

"A questão desafia a suposição de que tudo o que acontece em público deve ser público", disse James McMahan, diretor de políticas na Associação de Delegados e Chefes de Polícia de Washington. "Mas eu não sei se queremos que uma mulher com hematomas e arranhões e outros sinais de violência doméstica seja publicada no YouTube. O caso de ela ser publicada online para sempre poderia ser uma crise maior que o incidente original."

Na Filadélfia, onde os policiais dispararam contra suspeitos quase uma vez por semana nos últimos oito anos e cuja prefeitura pagou milhões de dólares para vítimas da brutalidade policial, os moradores pedem com insistência que a problema seja equipada com câmeras. 

Ativistas como Williams dizem temer que grande parte dos vídeos nunca seja vista publicamente. Eles indicam a recusa do departamento a divulgar gravações de câmeras de vigilância da morte de Brandon Tate-Brown, 26, que foi atingido por tiros da polícia em dezembro, depois de ser parado por dirigir com os faróis apagados.

A polícia da Filadélfia disse que mostrou o vídeo para a família dele e que o departamento ainda não tem uma política sobre a divulgação de vídeos das câmeras policiais.